O Sabão do Coração
“12 Eu quereria que fossem cortados aqueles que vos andam inquietando.
13 Porque vós, irmãos, fostes chamados à liberdade. Não useis então da liberdade para dar ocasião à carne, mas servi-vos uns aos outros pelo amor.
14 Porque toda a lei se cumpre numa só palavra, nesta: Amarás ao teu próximo como a ti mesmo.
15 Se vós, porém, vos mordeis e devorais uns aos outros, vede não vos consumais também uns aos outros.
16 Digo, porém: Andai em Espírito, e não cumprireis a concupiscência da carne.
17 Porque a carne cobiça contra o Espírito, e o Espírito contra a carne; e estes opõem-se um ao outro, para que não façais o que quereis.
18 Mas, se sois guiados pelo Espírito, não estais debaixo da lei.
19 Porque as obras da carne são manifestas, as quais são: adultério, prostituição, impureza, lascívia,
20 Idolatria, feitiçaria, inimizades, porfias, emulações, iras, pelejas, dissensões, heresias,
21 Invejas, homicídios, bebedices, glutonarias, e coisas semelhantes a estas, acerca das quais vos declaro, como já antes vos disse, que os que cometem tais coisas não herdarão o reino de Deus.
22 Mas o fruto do Espírito é: amor, gozo, paz, longanimidade, benignidade, bondade, fé, mansidão, temperança.
23 Contra estas coisas não há lei.
24 E os que são de Cristo crucificaram a carne com as suas paixões e concupiscências.
25 Se vivemos em Espírito, andemos também em Espírito.
26 Não sejamos cobiçosos de vanglórias, irritando-nos uns aos outros, invejando-nos uns aos outros.” (Gál 5.12-26).
Ao se referir aos judaizantes no verso 12 dizendo:
“Eu quereria que fossem cortados aqueles que vos andam inquietando.“, parece que o apóstolo tinha em mente a circuncisão que eles tanto prezavam e pregavam como o fim mesmo da vida com Deus.
Assim ele diz, já que eles gostam tanto de cortar os prepúcios, que então, se mutilem totalmente.
Parece que Paulo estava falando de modo irônico, para deixar nos gálatas uma impressão bastante forte quanto à religião que estavam querendo seguir: baseada na carne e não no Espírito.
Ele vai falar logo a seguir, da luta da carne contra o Espírito e do Espírito contra a carne.
Na ilustração do capítulo anterior ele havia demonstrado que é um princípio inalterável esta luta, entre o que é carnal e o que é espiritual, no exemplo que havia fixado em Ismael e Isaque, em Agar e Sara; entre a Jerusalém terrena e a Jerusalém celestial; entre o escravo e o livre; entre o nascido por promessa e o não nascido por promessa.
Todas estas comparações tinham em vista conduzir ao entendimento de que o cristão estará sempre empenhado numa luta contra a carne (natureza terrena), não propriamente ele, senão o Espírito que nele habita (nova natureza obtida pela fé em Cristo).
Aquelas ilustrações do capítulo anterior tinham em vista ensinar que o que é nascido meramente da carne, não herdará o céu, e tudo o que é espiritual, celestial e divino, juntamente com o que é nascido do Espírito. Porque o que é nascido da carne é carne, e o que é nascido do Espírito é espírito.
O homem não herdará o céu, a menos que tenha sido transformado em espiritual, e isto é uma obra exclusiva do Espírito Santo, que é dado somente àqueles que crêem em Cristo.
Foi somente a estes que Deus fez a promessa de conceder o Espírito, porque disse a Abraão que daria esta bênção somente aos que estivessem unidos ao seu descendente, que é Cristo, verdade à qual Paulo já havia se referido no terceiro capítulo.
Ao chegar a este nível de argumentos na epístola, Paulo iria deixar de lado o assunto da circuncisão para se concentrar na fonte que havia dado causa ao problema dos gálatas.
Ele iria colocar o dedo na ferida para extirpar a infecção que havia contaminado toda a igreja.
Ele fez o diagnóstico espiritual, e lhes afirmou que haviam caído não por uma mera troca de doutrina. Não foi meramente a circuncisão que lhes havia afastado da comunhão com Cristo.
Algo tinha acontecido com eles antes de terem sido fascinados pelos judaizantes, e foi isto que permitiu a facilidade de semear sua heresia entre eles.
Eles haviam feito um mau uso da liberdade que alcançaram em Cristo. Eles não usaram a liberdade da graça para crescerem no amor servindo uns aos outros.
Antes, eles usaram esta liberdade para dar ocasião às suas cobiças carnais.
Eles pensaram que ser livrado por Cristo significava liberdade para fazerem o que fosse do agrado dele,isto é, para fazerem a vontade do ego. Eles perderam de vista o jugo e o fardo de Jesus, que é a obediência devida a Ele.
Eles perderam de vista a cruz que deve ser carregada diariamente, e o dever da autonegação.
Eles esqueceram o que o apóstolo lhes havia ensinado acerca da vida eterna que existe nos cristãos, e que deve crescer até à inteira plenitude de Deus, para que através disso possa ser possível combater o erro e toda forma de morte espiritual que é decorrente dele.
É somente pela permanência na vida espiritual que é operada pela fé, e cresce na provação da fé, que se pode ser mais do que vencedor na prática da vida cristã diária, e não apenas por mero conhecimento doutrinário.
A doutrina verdadeira deve ser praticada, se não as graças que existem em nós, estão prestes a morrer (desaparecer), tal como havia ocorrido com a Igreja de Sardes (Apo 3.1,2).
Contudo quem é suficiente para estas coisas?
Então, eles perderam também de vista a necessidade de se estar debaixo da influência do Espírito Santo, praticando a Palavra de Deus (andar no Espírito) para que então, estas coisas ordenadas pelo Senhor possam ser cumpridas e vividas.
A liberdade cristã não é liberdade para a carne, mas liberdade para a nova criatura.
A carne deve ser mortificada, por isso foi crucificada juntamente com Cristo quando Ele morreu na cruz do Calvário (v. 24).
A nova criatura; esta sim, é livre, ela é celestial e não terrena.
Ela é responsável e perfeitamente santa. É a semente da vida eterna que foi semeada no coração do cristão.
É a nova vida do céu que foi implantada nele, e que está destinada a crescer e a vencer a antiga natureza, assim como a Nova Aliança revogou e substituiu a Antiga.
Ela é o odre novo no qual o Senhor está colocando o seu vinho celestial da verdadeira alegria.
É por viver e andar no Espírito, no crescimento progressivo da nova natureza, que os cristãos são habilitados e capacitados a viverem em unidade, sendo um só corpo em Cristo; unidos pelo vinculo do amor.
Somente assim, se cumpre o propósito de Deus em relação a eles.
Porém, quando se deixam governar pela carne, e negligenciam os deveres que lhes são ordenados na Palavra, quando deixam de ser diligentes no hábito da santificação, esquecendo de purificar seus corações pela Palavra, pelo poder do Espírito, e de permanecerem continuamente nisto por todos os dias de suas vidas, então, o que se verá são todas as manifestações que são designadas por obras da carne (dissensões, iras etc) e não o fruto do Espírito, que é amor, paz etc.
Os que andam na carne jamais cumprirão a Lei, e se iludirão se pensarem que a estão cumprindo.
Os que andam no Espírito têm cumprido a Lei, e por isso não estão debaixo da Lei (v. 18), porque não há lei que possa ser contrária ao fruto do Espírito Santo (v. 23).
Como toda Lei se cumpre no amor (v. 14) que é fruto do Espírito, então nenhum cristão deve negligenciar o dever de amar a Deus e ao próximo, para que não seja achado em falta quanto ao cumprimento da Lei; porque se diz, que aquele que ama tem cumprido a Lei.
É muito fácil errar esse alvo, e é aí que Satanás encontra facilidade para semear o joio.
Não basta, portanto somente defender a sã doutrina, é necessário praticá-la por um viver no amor de Deus.
É por isso que Paulo diz no verso 24 que:
“os que são de Cristo crucificaram a carne com as suas paixões e concupiscências”.
Ora, se Deus sentenciou à morte a carne com suas paixões e cobiças, na cruz, como podem os cristãos viverem, debaixo desta influência, em vez de se despojarem de tudo isto, uma vez que a vontade de Deus é que este corpo de morte de pecado não seja apenas morto, mas também lançado fora?
A nós é dado o dever de fazermos este trabalho de despojamento pelo Espírito Santo, em vez de hospedarmos o velho homem que já foi morto desde o dia que nos convertemos a Cristo e passamos a pertencer a Ele.
Deste modo, quanto mais uma igreja se torna carnal, mais ela estará sujeita à influência das falsas doutrinas.
Elas serão recepcionadas com muito maior facilidade, porque é somente sendo espiritual que podemos discernir não somente estas coisas, porque o homem espiritual discerne todas as coisas; principalmente as coisas que são do Espírito, porque elas se discernem espiritualmente.
Portanto é nosso dever nos interessarmos por esta luta do Espírito contra a carne, para apoiarmos a parte que deve ser apoiada, e destruir a que deve ser despojada.
Paulo fala disto como sendo o dever não somente dos gálatas, mas de todos os cristãos.
Se é por um andar no Espírito que se vence a cobiça da carne, então devemos nos empenhar firmemente em não apenas aprender o significado disto, como também o modo correto de praticá-lo.
A vida cristã não é uma vida contemplativa, não é uma mera devoção mística, porque é possível ser isto e estar completamente distante da verdade revelada.
Antes é uma vida que deve ser aprendida. É uma prática, é um hábito, é um constante crescimento na graça e no conhecimento de Jesus.
Por isso, para dissuadir os gálatas das suas falsas convicções, Paulo argumentou fortemente com eles dizendo, que se é pelos pecados, cujos praticantes não pretendem deixá-los, serão deixados do lado de fora do céu; como podem os cristãos, que ganharam o céu por Jesus Cristo, permanecerem na prática destas mesmas obras pecaminosas?
É, portanto, dever de todos eles purificarem seus corações pela Palavra, mediante o poder do Espírito.
É somente na Palavra revelada que os cristãos podem achar segurança para ficarem livres dos erros satânicos, e de juízos errados relativos à verdade.
Veja o que o apóstolo nos ensina sobre a luta que existe permanentemente entre a carne e o Espírito, e vice- versa:
"Porque a carne luta contra o Espírito, e o Espírito contra a carne; e estes se opõem um ao outro, para que não façais o que quereis." (Gál 5.17)
Observe que ele afirma, que a carne e o Espírito se opõem mutuamente para que não façamos o que seja do nosso querer. O que ele quis dizer com isto?
É que na verdade tanto a carne quanto o Espírito lutam contra a lei natural da nossa mente, e contra as disposições da nossa alma, isto é, tanto um quanto o outro, pretendem ter o domínio da nossa vontade e de todo o nosso ser.
A carne pretende nos levar a pecar, ainda que não o queiramos; e o Espírito Santo pretende nos santificar e nos levar a viver não pelo que é propriamente da nossa vontade, mas por aquilo que é da vontade de Deus.
Então, o Espírito não luta contra a carne para que seja feito o que seja do nosso querer, mas para que a vontade de Deus possa se cumprir em nós.
O Espírito procurará nos levar, portanto à cruz para que a carne possa ser crucificada com as suas paixões e desejos (Gál 5.24).
Jesus diz que as Suas palavras são espírito e vida (João 6.63), isto é, elas não são mera letra, e não devem ser captadas apenas pela mente como tal, mas deve ser buscada a realidade para a qual elas apontam.