Legado Puritano
Quando a Piedade Tinha o Poder
Textos
Olho por Olho, Dente por Dente

 
Muitos se perguntam ainda hoje, por que motivo, Deus, ao começar a regulamentar os dez mandamentos em Êxodo 21, descrevendo a forma de sua aplicação pelos israelitas, na Antiga Aliança, não aboliu a escravatura, já que tinha visitado os egípcios com Seus juízos por terem escravizado Israel.
E este capítulo começa exatamente falando dos deveres dos senhores de escravos hebreus, isto é, quando ocorresse o caso do escravo ser da mesma nacionalidade do seu senhor, a saber um israelita.
E não poucos têm argumentado ao longo da história, com base nestes preceitos que a escravidão é uma instituição aprovada por decreto divino.
Mas, se estudarmos a lei com espírito imparcial nós poderemos entender melhor e de modo justo como é que Deus vê a escravidão.
Em primeiro lugar deve ser destacado que há na lei uma descrição de deveres dos senhores de escravos para com eles, de modo que fosse possível até a condição descrita de um escravo escolher voluntariamente servir para sempre o seu senhor, por amá-lo e reconhecer a forma justa e amorosa com que era tratado por ele.
A prática de escravizar e de se comprar pessoas para a realização de trabalhos para os seus senhores era uma prática muita antiga, que não podemos precisar o seu início no tempo, mas vemos nas páginas de Gênesis que Abraão tinha muitos escravos a seu serviço, e os tratava de forma familiar, como pessoas da sua própria casa.
Assim, a compra de pessoas para trabalharem era permitida, mas com a exigência de serem amadas e tratadas, como se da família fossem.
A prática primitiva era a de se comprar a força de trabalho e não de conquistá-la pela força, especialmente pela guerra entre nações, para o que a instituição da escravidão “evoluiria” no futuro.
E tendo se tornado comum oprimir escravos como estavam fazendo os egípcios com os israelitas, Deus se interpôs regulamentando os direitos e deveres tanto de senhores quanto de escravos.
A relação aqui citada na Lei é de senhores e servos, e não de feitores e vassalos.
O homem, de um modo ou de outro sempre estará a serviço de alguém, pois foi criado por Deus exatamente para servir.
E Jesus nos deixou o maior exemplo de serviço ao próximo, e estabeleceu que a medida da grandeza de alguém está exatamente na mesma relação proporcional ao serviço humilde que presta a outros.
O grande fato é que não foi Deus quem instituiu a escravatura na sua forma expressiva de opressão, pois esta prática foi criada pela própria maldade do homem, e isto já existia em Israel, mesmo quando estavam no Egito, pois havia senhores israelitas que também possuíam escravos.
Como as relações em sociedade não eram as mais justas, Deus se interpôs regulamentando para a nação de Israel a forma como deveriam ser estas relações.
E o fez, como não poderia ser diferente, orientando-os em princípios de amor e de justiça.
E esta base de amor e justiça se reflete nas palavras do apóstolo Paulo em Ef 6.5-9: “Vós, servos, obedecei a vossos senhores segundo a carne, com temor e tremor, na sinceridade de vosso coração, como a Cristo, não servindo somente à vista, como para agradar aos homens, mas como servos de Cristo, fazendo de coração a vontade de Deus, servindo de boa vontade como ao Senhor, e não como aos homens. Sabendo que cada um, seja escravo, seja livre, receberá do Senhor todo bem que fizer. E vós, senhores, fazei o mesmo para com eles, deixando as ameaças, sabendo que o Senhor tanto deles como vosso está no céu, e que para com ele não há acepção de pessoas.”.
A lei punia com a sentença de morte quem fizesse a alguém escravo por meio de rapto, isto é, através do uso da força para vender tal pessoa a alguém com o intuito de obter simples vantagem financeira (Ex 21.16).
Os prejuízos causados com dolo ao próximo deveriam ser reparados por meio de restituição, e em alguns casos até mesmo com a morte daquele que lhes dera causa.
É neste capítulo que está prescrito o princípio retributivo da lei do vida por vida, olho por olho, dente por dente, mão por mão, pé por pé, queimadura por queimadura, ferimento por ferimento, golpe por golpe, para ser aplicado pelos juízes de Israel em caso de dano grave (21.23,24).
Este princípio deveria vigorar como um princípio de justiça civil na teocracia da Antiga Aliança, em que a própria lei de Moisés era a constituição de Israel, e tinha por alvo dar equidade ao juízo, porque este não deveria exceder e nem ficar aquém do dano produzido.
Jesus revogou a aplicação deste princípio na Nova Aliança, não contemplando as nações do mundo, que não estavam sujeitas ao mesmo, porque se tratava de um lei civil para Israel, e assim, quando o revogou, o fez para que os juízes de Israel não mais continuassem usando tal norma, que havia sido fixada de modo rígido, na antiga dispensação em razão da dureza do coração humano, não disciplinado ao cumprimento de normas reguladoras do comportamento em sociedade.
Todavia não foi revogado por se tratar de um princípio injusto, ao contrário, esta lei ensina que Deus é justo, e não deixará que o dano grave e intencional deixe de ser punido no mesmo nível da ofensa que foi praticada, e nem mesmo que houvesse maior rigor além do exigido.
Esta lei aplicada na prática em Israel tinha o propósito de gerar o temor em se fazer o mal ao próximo, de modo que se sabia que a pena seria determinada em conformidade com o mesmo tipo de dano que lhe dera causa.
Esta lei civil é direta, contundente, aponta para o dever de ser justo e responsável pelos seus atos. Ela é assim porque foi dada diretamente pelo próprio Deus, e o caráter da lei revela isto. Ela não foi promulgada pelo ajuste da deliberação dos representantes da sociedade, que abrandariam ou eliminariam muitas penalidades aqui e ali, por temerem por suas próprias vidas, ou então com o intuito político de agradarem ao povo.
O propósito da lei era o de forjar uma sociedade que revelasse ao mundo qual é o caráter do único Deus verdadeiro. Que Ele é bom, misericordioso, mas também justo.  Certamente não somente julga o pecado, como exige daqueles que estão aliançados com Ele, que façam reparação de seus erros e que pratiquem o que é justo.
Os que são do povo de Deus devem atentar de modo muito sério para os seus mandamentos, porque eles são corrigidos por estes princípios e se exige deles que pautem a sua caminhada segundo estes princípios que nos revelam o caráter justo e bom do Deus que servimos.
Quando Paulo diz que toda Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino, para a repreensão, para a correção, para a educação na justiça, a fim de que o homem de Deus seja perfeito e perfeitamente habilitado para toda boa obra (II Tim 3.6,17), certamente não deixou de fora estes mandamentos da lei de Moisés, ao contrário, tinha eles certamente em vista, com todo o conjunto das Escrituras, que nos foram dadas por Deus, para o propósito definido pelas palavras do apóstolo.
Então o que aprendemos em resumo do capítulo 21 de Êxodo é que não se deve explorar e oprimir a ninguém, que não se deve deixar o prejuízo causado a outros, sem a devida reparação, seja prejuízo intencional ou não; e no caso de prejuízo intencional e com dolo não se deve deixar de se aplicar a devida pena.
A vida deve ser de inteira responsabilidade para com aqueles que estão debaixo do nosso cuidado ou liderança, e estes devem ser tratados de modo justo e amoroso. Isto porque o nosso Deus é assim, e é assim que nós devemos ser também.     
 
Baseado em Êxodo 21
Silvio Dutra Alves
Enviado por Silvio Dutra Alves em 20/11/2012
Alterado em 22/11/2012
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