Legado Puritano
Quando a Piedade Tinha o Poder
Textos
Coração Circuncidado  Para Guardar a Lei 


 
 
Temos no quinto capítulo de Deuteronômio, do sexto ao vigésimo primeiro versículos, a repetição dos dez mandamentos, citados no vigésimo capitulo de Êxodo.
Aqui são acrescentadas informações adicionais, não aos mandamentos propriamente ditos, mas quanto à sua introdução e circunstâncias, pois Moisés chamou todos os israelitas e lhes repetiu os dez mandamentos, começando pelos estatutos e preceitos que deveriam aprender a fim de os cumprir.
Note a alusão à necessidade de se aprender para que se possa cumprir.
No comentário do capítulo anterior já nos referimos ao fato de que não se pode fazer aquilo que não conhecemos.
Especialmente em relação à vontade de Deus, importa que esta seja conhecida devidamente, conforme está revelada na Sua Palavra, para que possamos fazê-la, contando com a capacitação da Sua graça e poder.
Como obedeceremos aquilo que não conhecemos?
Por isso Moisés aponta aos israelitas o dever deles de em primeiro lugar aprenderem os mandamentos para que tivessem o cuidado de cumpri-los (Deut 5.1).
Quando ouvimos a Palavra de Deus, temos que nos empenhar em aprendê-la para que possamos tê-la sempre conosco para colocar em prática, em todas as ocasiões, tudo aquilo que aprendemos, pois esta é a finalidade de ouvir e aprender, não para que enchamos nossas mentes de noções, ou nossa boca de conversa, mas para orientar e dirigir os nossos afetos e conversações.
Posteriormente ele faz referência que o pacto que Deus fez com eles no monte Sinai, não havia sido feito com os seus antepassados, pois, o Senhor não fizera com os patriarcas uma aliança que se baseasse no cumprimento de uma lei escrita, que eles deveriam cumprir (Deut 5.2,3).
O grande argumento para o dever da obediência aos mandamentos era o pacto, a aliança, que Deus havia feito com eles no Horebe, nome genérico do monte Sinai.
Desta forma, a graça divina colocou os mandamentos dentro de uma aliança.
Não eram os mandamentos de um déspota, de um governante que não teria qualquer vínculo com eles, mas os mandamentos do Monarca do universo que os convocava como um Pai, para que tivessem a adoção de filhos, todos aqueles que dentre eles entendessem e atendessem aos termos da aliança, achegando-se ao Senhor para amá-lo e obedecê-lo com todo o seu coração, força e alma.
É ordenada, pois uma obediência, mas ela deve ser voluntária e de coração. Há uma convocação para uma aliança, mas, para uma aliança em amor, e não comercial, trabalhista, ou de qualquer outro caráter que seja.
Há uma chamada para que sejam firmados laços de amizade familial, mas uma amizade santa e justa, baseada no caráter do próprio Deus.
Nesta altura alguém poderia perguntar: “se era do conhecimento de Deus que a natureza do homem é carnal e não está sujeita à sua lei e nem mesmo pode estar, por que ele ordenou a todos os israelitas que guardassem os Seus mandamentos, sabendo previamente, que isto seria uma impossibilidade para a maioria deles, uma vez que não viriam a se converter pela fé?”
Ou ainda: “se a lei deve ser inscrita nas mentes e corações dos que crêem, e somente nestes pode ser inscrita, para que possa ser cumprida de modo agradável a Deus, por que”, continua a pergunta que não quer calar, “teria Ele ordenado a todos em Israel que cumprissem os Seus mandamentos?”
A resposta é: porque é obrigação de todo homem cumprir os mandamentos de Deus, ainda que estejam incapacitados para isto pela sua falta de fé e endurecimento voluntário de coração no pecado.
E ainda mais: é com angústias em Seu coração divno, e também os cristãos autênticos, destas compartilham, com lágrimas nos olhos, conclamando a todos, em todos os lugares, que se arrependam e creiam para escaparem da ira vindoura, tanto quanto fizeram os apóstolos em seus dias.  
Sabemos que não é um assunto confortável falar de condenação eterna, mas seria prova de amor ao próximo deixar negligentemente que se perca por falta de aviso? E mais do que não avisar, deixar de pregar o evangelho e de interceder em oração em favor de todos os homens, com lágrimas em nossos olhos e com grande dor em nossos corações?
A Lei foi dada para calar toda boca, silenciar todos os argumentos que operam a nossa própria ruína, e torna todas as pessoas indesculpáveis diante de Deus, porque todos somos pecadores.
Assim, somos justamente condenados pela própria Lei quando deliberadamente transgredimos os seus mandamentos e não nos voltamos para Jesus Cristo para sermos salvos.
Pela Lei chegamos a entender o quanto necessitamos da graça para que possamos fazer o que é agradável a Deus.
Os dez mandamentos foram proferidos com uma solenidade terrível, com uma grande voz do meio do fogo e de uma densa nuvem de escuridão (v. 22) trazendo desta forma, a demonstração da ameaça dos juízos que sobreviriam aos transgressores da lei divina.
A ira de Deus contra o pecado estava sendo manifestada, contra aquelas coisas que estavam sendo condenadas nos dez mandamentos, e o descumprimento dos deveres neles ordenados.
A lei condena a natureza pecaminosa que há em todo homem, e lhe lembra o dever de mortificá-la, para que possa ter comunhão amigável com Deus, pois Ele é santo e odeia o pecado. 
De fato, como afirma o apóstolo Paulo em Rm 1.18:
“Pois do céu é revelada a ira de Deus contra toda a impiedade e injustiça dos homens que detêm a verdade em injustiça.”
Desde que o homem pecou no Éden, o Senhor tem revelado através dos Seus justos juízos que Ele realmente odeia o pecado, e o homem deve temê-lo e tremer diante da Sua santidade, porque é pecador.
Não há outro modo de escapar da ira divina, de ser livrado do Seu justo juízo, a não ser pela redenção que há em Jesus Cristo, por se receber a graça prometida no evangelho para o perdão de todas as transgressões.
Por isso este versículo 18 de Romanos é antecedido pela seguinte afirmação do apóstolo:
“Porque não me envergonho do evangelho, pois é o poder de Deus para salvação de todo aquele que crê; primeiro do judeu, e também do grego. Porque no evangelho é revelada, de fé em fé, a justiça de Deus, como está escrito: Mas o justo viverá da fé.” (Rm 1.16, 17).
Todo pecador, para ter comunhão com Deus, como foi o caso do próprio Noé, Abraão, Moisés, dentre outros, deve estar revestido da justiça de Cristo, que é obtida somente mediante a fé.
É por causa desta fé que justifica o pecador diante do Senhor, que ele pode ter comunhão com o Deus que é totalmente santo e justo, e que pelo Seu atributo da ira divina consome o pecado com o fogo do Seu juízo aonde e em quem Ele o encontre.
Não estamos falando da ira do homem, mas da ira de Deus.
Do Deus que não se exaspera, que não se descontrola, que não se perturba, que não deixa de ser amor, justiça, bondade, verdade, longanimidade, enquanto julga o pecador como um fogo consumidor, e do qual, aquelas manifestações tremendas de fogo, nuvem de escuridão que aterrorizaram todos os israelitas eram apenas uma demonstração da onipotência do Seu poder divino que visitará com ira vingativa todos aqueles que não tiverem a cobertura da justiça de Cristo, que é obtida pela fé.
A reação da quase totalidade dos israelitas, sobre a qual lemos nos versículos 24 a 27, às manifestações de Deus quando lhes deu a lei no Sinai bem demonstra que não eram da fé, e isto ficaria comprovado na incredulidade deles em Cades e em todas as coisas que fizeram para provocar a ira de Deus.
Eles temeram serem mortos pelo Senhor, mas não tinham o verdadeiro temor em seus corações de não pecarem contra Ele, contra o Seu Espírito, por não desejarem entristecê-lo.
Eles tiveram o temor ao juízo, mas não o temor por amor.
Foi por isso que Deus disse a Moisés as seguintes palavras, quando afirmaram que cumpririam todos os Seus mandamentos:
“Eu ouvi as palavras deste povo, que te disseram; falaram bem em tudo quanto disseram. Quem dera que  tivessem tal coração que me temessem, e guardassem em todo o tempo todos os meus mandamentos, para que bem lhes fosse a eles, e a seus filhos para sempre!” (v. 28b, 29)
Quando disseram que ouviriam a Moisés em relação a todos os mandamentos que Deus lhes desse através dele, como seu mediador, e que obedeceriam tais mandamentos, eles falaram bem, como o próprio Deus atestou em relação a tal afirmação (v. 28); porém, falar e prometer é uma coisa, e fazer e ter o poder para fazer é outra muito diferente.
Afirmar temer a Deus com a boca qualquer um pode dizer, mas ter tal temor no coração é algo bem diferente.
Nenhum homem pode de si mesmo, pelo seu próprio poder, fazer a vontade de Deus, porque todos somos pecadores.
É preciso receber um novo coração de Deus.
É preciso ter o coração de pedra mudado por um coração de carne.
Isto somente Deus pode fazer naqueles que dEle se aproximam pela fé.
Se não há arrependimento em relação ao pecado, não pode ser dado ao homem o dom da fé. E sem fé, não é possível agradar a Deus, porque o coração não será transformado.
Como já vimos antes, na citação de Romanos, a justiça de Deus é revelada de fé em fé.
Concluímos então, que sem a fé, não pode ser conhecida e vivida a justiça de Deus, por conseguinte, Ele não poderá ter qualquer agrado, qualquer satisfação em nós, porque não poderemos fazer o que é da Sua vontade.
Uma nova criação produz na alma uma semelhança com Deus. Então, o fim da nova criatura, é a glória de Deus.
Nos primeiros passos da nova criatura há uma forte resistência, ela está numa terra estranha, os exércitos do inferno estão em ordem contra ela, assim como Daniel estava na cova dos leões, e somente Deus tem a força para vencer estes inimigos.
Como a velha criatura é alguém que descendeu de Adão, há um princípio de corrupção natural que revela todo tipo de maldade; que não manifesta toda a sua força porque está sujeita a outras causas intervenientes.
Deste modo, o cristão não tem uma prontidão para realizar ações elevadas em Deus, sendo laboriosos como Paulo, zelosos como Elias e pacientes como Jó, mas embora esteja agora neste estado, chegará um tempo em que deverá crescer, porque há nele também uma nova natureza ao lado da antiga.
Há uma infância na graça, como também no homem natural. Apesar da alma de uma criança ser da mesma natureza de a de um homem amadurecido, contudo ela não pode exercitar os atos de um adulto, e entendê-los e argumentar sobre eles, por causa da sua falta de maturidade; e o mesmo se dá com um cristão que seja jovem na fé ou que não tenha crescido espiritualmente apesar do tempo decorrido.
Ele pode ter uma disposição igual à dos melhores cristãos, mas não tem a mesma força; a relutância dos hábitos corruptos é mais vigorosa, e impede ou dificulta o crescimento da nova criatura, e estes hábitos antigos não foram muito mortificados; e ele necessita também daquela força adicional da graça que é ganha através do exercício.
Havendo uma resistência maior do que a justa cooperação com a graça, e esta se opondo à graça, o querer fazer o bem pode estar presente, não, porém o efetuá-lo (Rom 7.18).
Desta forma, a prontidão para todo serviço não aparece em pessoas recentemente regeneradas.
A nova criatura é chamada espírito:
“0 que nasce do Espírito é espírito;”  quer dizer, uma criatura espiritual. Jo 3.6
A nova natureza é poderosamente ativa. Não é somente um afeto ilimitado, mas possui um poder inerente sobrenatural procedente do céu, que conduz a alma a agir.
É chamada de homem interior (Ef 3.16), de espírito de poder (II Tim 1.7), porque é posta como uma ação no coração, para produzir os atos de santidade, assim como a seiva está na raiz para produzir folhas e frutos.
Jesus Cristo foi designado como espírito vivificante para produzir uma vida poderosa e nos permitir a viver para Deus.
Por isso diz que o reino de Deus está dentro de nós, e Paulo afirma que este reino não consiste em palavras, mas em poder (II Cor 5.20).
Por natureza, somos sem força como se afirma em Rom 5.6, mas sendo regenerados pelo Espírito ficamos fortes e ganhamos a capacidade de entrar nos estatutos de Deus, com um coração novo, e a alma é livrada da fraqueza e é feita forte, e a graça interior, colaborando com as operação do Espírito Santo, é suficiente para isto.
Então a nova criatura tem um tipo de poder de atividade que é  todo-poderoso, e que trabalha em favor dela.
Este poder reside no coração, e sendo aderente está ali presente, e pronto para atuar, mas nem sempre é perceptível, mas em alguma emergência, a fé, que é a principal graça evangélica, da qual todas as demais derivam, há de revelar o poder que há na nova criatura e que a habilita a realizar e a suportar todas as coisas nAquele que a fortalece.
Concluímos então, que para fazer a vontade do Senhor, do modo que lhe agradasse; os israelitas teriam que ter o coração circuncidado por Deus.
Isto não pode ocorrer sem fé, porque sem fé é impossível agradar a Deus, porque é por ela que se ganha um novo coração e é por ela que se realiza o crescimento de todas as demais graças divinas, como o arrependimento, a bondade, a longanimidade, o amor, a justiça, o domínio próprio, a paciência etc.
“E lhes darei um só coração, e um só caminho, para que me temam para sempre, para seu bem e o bem de seus filhos, depois deles;” (Jer 32.39).
E Moisés falou desta necessidade de circuncidar o coração, aos isarelitas, em Deuteronômio 10, de forma que não se esperava deles que guardassem a Lei sem ter um coração circuncidado por Deus.
 
 
 
“1 Chamou, pois, Moisés a todo o Israel, e disse-lhes: Ouve, ó Israel, os estatutos e preceitos que hoje vos falo aos ouvidos, para que os aprendais e cuideis em os cumprir.
2 O Senhor nosso Deus fez um pacto conosco em Horebe.
3 Não com nossos pais fez o Senhor esse pacto, mas conosco, sim, com todos nós que hoje estamos aqui vivos.
4 Face a face falou o Senhor conosco no monte, do meio o fogo
5 (estava eu nesse tempo entre o Senhor e vós, para vos anunciar a palavra do Senhor; porque tivestes medo por causa do fogo, e não subistes ao monte) , dizendo ele:
6 Eu sou o Senhor teu Deus, que te tirei da terra do Egito, da casa da servidão.
7 Não terás outros deuses diante de mim.
8 Não farás para ti imagem esculpida, nem figura alguma do que há em cima no céu, nem embaixo na terra, nem nas águas debaixo da terra;
9 não te encurvarás diante delas, nem as servirás; porque eu, o Senhor teu Deus, sou Deus zeloso, que visito a iniquidade dos pais nos filhos até a terceira e quarta geração daqueles que me odeiam,
10 e uso de misericórdia com milhares dos que me amam e guardam os meus mandamentos.
11 Não tomarás o nome do Senhor teu Deus em vão; porque o Senhor não terá por inocente aquele que tomar o seu nome em vão.
12 Guarda o dia do sábado, para o santificar, como te ordenou o senhor teu Deus;
13 seis dias trabalharás, e farás todo o teu trabalho;
14 mas o sétimo dia é o sábado do Senhor teu Deus; nesse dia não farás trabalho algum, nem tu, nem teu filho, nem tua filha, nem o teu servo, nem a tua serva, nem o teu boi, nem o teu jumento, nem animal algum teu, nem o estrangeiro que está dentro das tuas portas; para que o teu servo e a tua serva descansem assim como tu.
15 Lembra-te de que foste servo na terra do Egito, e que o Senhor teu Deus te tirou dali com mão forte e braço estendido; pelo que o Senhor teu Deus te ordenou que guardasses o dia do sábado.
16 Honra a teu pai e a tua mãe, como o senhor teu Deus te ordenou, para que se prolonguem os teus dias, e para que te vá bem na terra que o Senhor teu Deus te dá.
17 Não matarás.
18 Não adulterarás.
19 Não furtarás.
20 Não dirás falso testemunho contra o teu próximo.
21 Não cobiçarás a mulher do teu próximo; não desejarás a casa do teu próximo; nem o seu campo, nem o seu servo, nem a sua serva, nem o seu boi, nem o seu jumento, nem coisa alguma do teu próximo.
22 Essas palavras falou o senhor a toda a vossa assembleia no monte, do meio do fogo, da nuvem e da escuridão, com grande voz; e nada acrescentou. E escreveu-as em duas tábuas de pedra, que ele me deu.
23 Mas quando ouvistes a voz do meio das trevas, enquanto ardia o monte em fogo, viestes ter comigo, mesmo todos os cabeças das vossas tribos, e vossos anciãos,
24 e dissestes: Eis que o Senhor nosso Deus nos fez ver a sua glória e a sua grandeza, e ouvimos a sua voz do meio do fogo; hoje vimos que Deus fala com o homem, e este ainda continua vivo.
25 Agora, pois, por que havemos de morrer? Este grande fogo nos consumirá; se ainda mais ouvirmos a voz do Senhor nosso Deus, morreremos.
26 Porque, quem há de toda a carne, que tenha ouvido a voz do Deus vivente a falar do meio do fogo, como nós a ouvimos, e ainda continue vivo?
27 Chega-te tu, e ouve tudo o que o Senhor nosso Deus falar; e tu nos dirás tudo o que ele te disser; assim o ouviremos e o cumpriremos.
28 Ouvindo, pois, o Senhor as vossas palavras, quando me faláveis, disse-me: Eu ouvi as palavras deste povo, que eles te disseram; falaram bem em tudo quanto disseram.
29 Quem dera que eles tivessem tal coração que me temessem, e guardassem em todo o tempo todos os meus mandamentos, para que bem lhes fosse a eles, e a seus filhos para sempre!
30 Vai, dize-lhes: Voltai às vossas tendas.
31 Tu, porém, deixa-te ficar aqui comigo, e eu te direi todos os mandamentos, estatutos e preceitos que tu lhes hás de ensinar, para que eles os cumpram na terra que eu lhes dou para a possuírem.
32 Olhai, pois, que façais como vos ordenou o Senhor vosso Deus; não vos desviareis nem para a direita nem para a esquerda.
33 Andareis em todo o caminho que vos ordenou a Senhor vosso Deus, para que vivais e bem vos suceda, e prolongueis os vossos dias na terra que haveis de possuir.“ (Dt 5.1-33).
 
Silvio Dutra Alves
Enviado por Silvio Dutra Alves em 07/12/2012
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