O Que Era Desde o Princípio
O Verbo; A Palavra, tradução do original grego logos, que dá vida eterna, e que era desde o princípio, encarnou e habitou entre nós num corpo como o nosso, de modo que pôde ser contemplado pelos olhos dos apóstolos, e sentido pelo seu tato, e Sua voz foi ouvida por eles, de forma que puderam anunciar o que viram e ouviram, quanto à comunhão espiritual que é possível ter com Deus Pai e com seu Filho Jesus Cristo (I João 1.1-3).
Palavra não é matéria. Especialmente a Palavra Viva Divina.
Mas ao encarnar, o Verbo jamais deixou de ser o Verbo, porque não é a carne a fonte da vida eterna, mas o Verbo, o espírito divino, a essência da natureza divina, da qual somos chamados a participar pela nossa comunhão com o Deus triúno, através da nossa união com o Seu Filho, que foi dado pelo Pai para ser a nossa Cabeça.
A vida de Deus em nós não é um complemento da nossa vida terrena. Ao contrário, esta vida natural está destinada a ser aniquilada para que no porvir, apenas exista aquilo que o próprio Deus é em Sua natureza, a saber: espírito.
Por isso se diz de Jesus na profecia, de Isaías 11.2 que:
“repousará sobre ele o Espírito do Senhor, o espírito de sabedoria e de entendimento, o espírito de conselho e de fortaleza, o espírito de conhecimento e de temor do Senhor.”
Uma das razões de não encontrarmos uma só linha no Novo Testamento, que fale de Jesus ou dos apóstolos se esforçando por fazer uma crítica acirrada a qualquer religião, porque esta vida do Verbo não pode ser conhecida por dogma, preceito ou culto religioso, mas por revelação do próprio Cristo às almas perdidas.
Observe que na profecia que lemos anteriormente, de Isaías 11.2, diz-se de Cristo, o mesmo que pode ser aplicado aos cristãos, pois ali se fala de terem o Espírito Santo, que foi tanto para Cristo quanto é para eles, espírito de sabedoria e de entendimento, o espírito de conselho e de fortaleza, o espírito de conhecimento e de temor do Senhor.”
É por ignorância desta verdade que alguns se entregam à idéia ilusória de tentar fazer convertidos por meio do convencimento teológico, por meio de comparação de religiões, tentando cada um de per si, comprovar que a sua é a verdadeira.
Os eleitos serão alcançados pelo evangelho, que é o poder de Deus para a salvação dos que nEle crerem, e estes serão oriundos de todas as camadas sociais, de todos os países, sem distinção de raça ou religião.
Então, é pura perda de tempo se entregar a confrontações religiosas, ou a debates teológicos, para se alcançar convertidos para Cristo, porque o próprio Deus os atrairá irresistivelmente a se entregarem a Seu filho, quer tenham sido religiosos, ateus, ou qualquer outra coisa.
Jesus é espírito vivificante.
Por isso Ele diz que é a videira verdadeira, e aqueles que se encontram nEle são como os ramos da videira.
É daqui que entendemos o vigor com que o apóstolo alerta os cristãos nesta epístola quanto aos enganadores, que pretendiam negar esta qualidade sobreexcelente, sobrenatural, especial e essencial do espírito de Cristo, mormente quanto àqueles que intentavam negar o fato de Ele ter encarnado num corpo como o nosso, porque se esta falsa doutrina fosse aceita, toda a obra da redenção seria desacreditada, porque se Cristo não encarnou não poderia ter oferecido o seu corpo como sacrifício pelo pecado, nem poderia ter ressuscitado depois da morte no Calvário, e assim todos os homens teriam que permanecer mortos em seus pecados, e sem qualquer esperança relativa à ressurreição dos seus corpos, quando nosso Senhor voltar para arrebatar os que nEle creem.
Se os apóstolos chegaram a conhecer a Jesus segundo a carne, não foi somente deste modo que o conheceram, porque o próprio apóstolo João afirma nesta epístola que é pelo Espírito Santo que conhecemos que o Senhor permanece em nós, e nós nEle (I Jo 3.24; 4.11) e que é o Espírito que dá testemunho da nossa união com Cristo (I Jo 5.7).
João não se referiu apenas ao homem divino que foi visto, ouvido e apalpado por eles, mas ao Verbo que dá a vida eterna.
É nesta condição que importa que Cristo seja conhecido.
Então, ser o Verbo, no original grego Logos, geralmente traduzido por Palavra, se refere muito mais do que simplesmente à letra das Escrituras, senão a todas as realidades espirituais que se encontram em Cristo, e que foram descritas nas Escrituras por meio de palavras.
Cristo é o Logos, mas transcende os conceitos sobre o Logos, porque estes são apenas a expressão das realidades que se encontram no Seu ser divino.
Alguém disse apropriadamente que somente falar da virtude não é ser virtuoso.
Se o Logos fosse apenas palavra, seria possível pensar que não houvesse uma correspondência entre o que se afirma e a realidade.
Por isso, ao ter falado que o Verbo se fez carne, o apóstolo se apressou em apresentar uma definição mais clara daquilo que havia afirmado dizendo que Deus é luz e que não há nEle qualquer treva (I João 1.5).
O verdadeiro conhecimento de Deus é feito na luz.
Não numa luz exterior, mas na luz que é o próprio Deus.
O apóstolo quis mostrar o caráter deste conhecimento de Deus, que é obrigatoriamente em comunhão com Ele, porque é nEle que temos a luz necessária para conhecê-lo pessoalmente.
Fora dEle há trevas espirituais.
Não há qualquer possibilidade de um verdadeiro conhecimento de Deus sem a iluminação do Espírito Santo, portanto é preciso que permaneçamos nEle, para que Ele também permaneça em nós.
É na união do Espírito Santo com o nosso espírito que podemos ter o conhecimento por Sua revelação ao nosso espírito, das coisas espirituais que estão na pessoa de Deus, e que se discernem somente espiritualmente.
Uma das principais coisas que os apóstolos viram em relação à manifestação da vida eterna, por meio de Cristo, é que a comunhão com Ele e com Deus Pai gera a mais pura alegria espiritual (Jo 1.4).
Todos os que andarem na luz e que tiverem comunhão com Deus haverão de experimentar esta alegria.
A dispensação do evangelho não é uma dispensação de terror e de tristeza, mas de paz e de alegria.
O terror que havia no Monte Sinai não existe para aqueles que se aproximam do monte Sião, porque aqui não se recebe a Lei escrita em tábuas de pedra, mas escrita no novo coração, recebido na regeneração pelo Espírito Santo.
O apóstolo João disse que é preciso andar na luz para se ter comunhão com Deus e uns com os outros.
Isto significa que é, portanto necessário, viver e andar como nova criatura, e não na carne, segundo o velho homem, porque é desta forma que nos voltamos do pecado para Deus, das trevas para a luz, por coparticiparmos da Sua natureza divina, que é quem na verdade triunfa sobre o pecado e a velha natureza.
Como não há em Deus qualquer treva não é possível ter comunhão com Ele se tivermos alguma treva em nós.
A pessoa de Deus é ilustrada por uma luz pura, sem qualquer obscurecimento.
Na verdade, não é possível contaminar a luz.
Não é possível sujar a luz.
Assim, se o ser de uma pessoa está na luz, isto significa que não há impureza num tal espírito e alma.
Esta é uma necessidade básica e importantíssima para se ter uma verdadeira vida espiritual, que cresça no conhecimento de Deus, e das realidades relativas ao Seu reino.
O apóstolo estava vendo quanto os cristãos dos seus dias estavam tentando tocar a vida cristã aparte da comunhão espiritual necessária com o Pai e com o Filho, e ainda que alguns estivessem se esforçando neste sentido, estavam errando o alvo por não levarem em conta a necessidade de se purificarem do pecado, pela sua mortificação, para que pudesse prevalecer neles o novo coração puro, recebido de Deus na conversão.
O pecado deve receber a devida consideração da parte dos cristãos.
Eles não podem fechar os olhos para os seus pecados e ainda assim tentarem agradar a Deus.
Eles já foram limpos pela Palavra do Senhor, mas necessitam ainda lavarem continuamente os seus pés, ou seja, mortificarem os resquícios do pecado que permanecem na carne, enquanto vivem neste mundo.
O Senhor viveu como pura luz neste mundo e sempre foi e será pura luz.
João queria que todos os cristãos soubessem esta verdade, para que também vivessem como luz, andando na luz, ou seja, segundo a nova natureza, impulsionada pelo Espírito Santo e pela Palavra de Deus.
É por uma constante aproximação de nosso Senhor, pela fé, que somos purificados continuamente pelo Seu sangue.
Foi por este motivo que o apóstolo disse o seguinte:
“Se dissermos que temos comunhão com ele, e andarmos nas trevas, mentimos, e não praticamos a verdade;” (v. 6).
E também:
“8 Se dissermos que não temos pecado nenhum, nos enganamos a nós mesmos, e a verdade não está em nós.
9 Se confessarmos os nossos pecados, ele é fiel e justo para nos perdoar os pecados e nos purificar de toda injustiça.
10 Se dissermos que não temos cometido pecado, fazemo-lo mentiroso, e a sua palavra não está em nós.” (v. 8, 10).
João não está fazendo, como não poderia fazer, qualquer apologia em favor do pecado, no sentido de justificar o pecado ou mesmo o fato de sermos pecadores.
Mas não poderia deixar de considerar a realidade de que estamos sujeitos às tentações do diabo e da carne, e do fascínio do mundo, e por isso, necessitamos recorrer à fonte do sangue, da luz, que é nosso Senhor Jesus Cristo, para sermos purificados, pela mortificação do pecado, porque Ele é o Cordeiro que tira o pecado de nós, que o destrói, pelo lavar renovador e regenerador do Espírito Santo, quando nos dispomos a confessar que temos andado na carne, mas que não estamos dispostos a seguir em tal inclinação carnal, para que andemos no Espírito.
Como disse Paulo:
“Que diremos, pois? Permaneceremos no pecado, para que abunde a graça?
De modo nenhum. Nós, que já morremos para o pecado, como viveremos ainda nele?” (Rom 6.1,2).
Como ele prossegue nos ensinando na carta aos Romanos, devemos entender que estamos mortos com Cristo, que a Sua morte na cruz, foi também a nossa morte, a morte do nosso velho homem, para que não vivamos mais segundo a inclinação da carne, mas segundo a do Espírito, porque ressuscitamos para uma nova vida espiritual que se chama novidade de vida, quando fomos batizados na morte do Senhor, a qual é ensinada em figura no batismo das águas, assim como a ressurreição para esta nova vida no Espírito.
Não há, portanto, mais nenhuma condenação ou acusação contra o que é verdadeiramente cristão, porque ele é considerado por Deus como estando morto para tal viver na carne, tendo por isso recebido a habitação do Espírito Santo no seu novo nascimento.
O cristão é chamado a abandonar a vida que é dirigida pelo pecado, porque não está mais debaixo do domínio do pecado... o senhorio do pecado sobre ele foi destruído por Cristo, que é agora o seu novo Senhor, juntamente com a Sua graça.
Ele agora deve servir a Deus, à justiça do evangelho, à vida que é segundo a piedade.
A confissão dos pecados não tem portanto o objetivo de reduzirmos a influência do pecado sobre nós, mas para que a luz e o sangue do Senhor possam de fato exterminá-lo, pela sua mortificação.
É preciso compreender que há uma pureza absoluta na natureza de Deus, e que Ele requer também pureza de nós, ainda que de caráter evangélico, porque ela não existe em grau absoluto em nós neste mundo, isto é, a nossa santificação é também de caráter evangélico porque somos aceitos por Deus pela nossa sinceridade e fé verdadeira em buscar nEle tal pureza de coração, e não propriamente pelo grau absoluto que ela exista em nós.
Na verdade não existe esta pureza no nosso coração que é corrupto mais do que todas as coisas, e por isso é trocado por Deus de coração de pedra, para coração de carne.
Isto não vem de nós, e nem se encontra em nós, porque o recebemos do alto, do Senhor mesmo, pela fé.
Por isso é preciso estar nEle para que sejamos purificados.
É andando na luz, no Espírito Santo, numa fé sincera, com uma boa consciência na nossa busca do Senhor em espírito, que o Espírito Santo realiza o trabalho da nossa purificação, através da manifestação do Seu poder.
Por isso o apóstolo diz que são mentirosos todos aqueles que dizem que têm tido comunhão com Deus, mas nos quais falta esta sinceridade para deixarem toda forma de impureza e pecado, porque isto comprova obviamente que não estão andando no Espírito, mas segundo a carne.
A muito mais se referiu João dizendo que caso tentemos esconder a nossa condição de estar vivendo deliberadamente na prática do pecado, e ao mesmo tempo, afirmamos que não temos cometido pecado, não somente somos mentirosos, como chamamos a Deus de mentiroso indiretamente com a nossa atitude, porque Ele afirma expressamente na Sua Palavra que todos os homens são pecadores e são purificados dos seus pecados somente pelo sangue de Jesus.
Por isso o apóstolo disse que a palavra de Deus não está em nós quando dizemos que não temos cometido pecado, quando na verdade permanecemos na prática deliberada do pecado (v. 10).
Porque se a Palavra estivesse habitando ricamente em nós, não teríamos esta atitude, porque seríamos convencidos pela Palavra acerca da nossa real condição, e nos arrependeríamos e buscaríamos a graça do Senhor para sermos purificados.
“1 O que era desde o princípio, o que ouvimos, o que vimos com os nossos olhos, o que contemplamos e as nossas mãos apalparam, a respeito do Verbo da vida
2 (pois a vida foi manifestada, e nós a temos visto, e dela testificamos, e vos anunciamos a vida eterna, que estava com o Pai, e a nós foi manifestada);
3 sim, o que vimos e ouvimos, isso vos anunciamos, para que vós também tenhais comunhão conosco; e a nossa comunhão é com o Pai, e com seu Filho Jesus Cristo.
4 Estas coisas vos escrevemos, para que a nossa alegria seja completa.
5 E esta é a mensagem que dele ouvimos, e vos anunciamos: que Deus é luz, e nele não há trevas nenhuma.
6 Se dissermos que temos comunhão com ele, e andarmos nas trevas, mentimos, e não praticamos a verdade;
7 mas, se andarmos na luz, como ele na luz está, temos comunhão uns com os outros, e o sangue de Jesus seu Filho nos purifica de todo pecado.
8 Se dissermos que não temos pecado nenhum, enganamo-nos a nós mesmos, e a verdade não está em nós.
9 Se confessarmos os nossos pecados, ele é fiel e justo para nos perdoar os pecados e nos purificar de toda injustiça.
10 Se dissermos que não temos cometido pecado, fazemo-lo mentiroso, e a sua palavra não está em nós.”