Jogo de Sagacidades – Atos 25
Paulo pode ter se entristecido muitas vezes pelas coisas que teve que suportar por amor a Cristo, mas nunca deixou de ter bom ânimo quanto ao triunfo da causa que defendeu até o final da sua vida.
Ele sabia que havia defendido a fé, mas quem garantiria a defesa do evangelho até o fim dos tempos não seria propriamente ele, Paulo, ou qualquer outro, porque todos serão impedidos um dia de fazê-lo, ainda que seja pela morte, mas o próprio Cristo é quem defende e sustenta a verdade, porque é nEle que tudo subsiste.
Assim, as experiências relatadas em Atos quanto às aflições e humilhações de Paulo, servem para desestimular qualquer tipo de presunção, em qualquer líder de Cristo, de que seja insubstituível, porque aprouve à Providência deixar-nos a lição que o Altíssimo paralisou até mesmo o grande apóstolo dos gentios, e quanto mais não o fará com qualquer outro líder; de maneira que é Ele quem faz a lâmpada dos Seus ministros brilhar ou apagar, conforme a Sua própria vontade.
Isto nos lembra então o dever que temos de andar humildemente em Sua presença, e Lhe ser gratos pelo privilégio de nos conceder liberdade e autoridade para pregar a Sua Palavra.
Paulo foi fiel ao Senhor até à sua morte, e apesar do livro de Atos não se encerrar contando tudo o que lhe havia sucedido depois de sua prisão em Roma, no entanto, temos aqui o registro da fidelidade de um ministro que continuou dando testemunho de Cristo, debaixo das circunstâncias mais adversas.
Grandes tentações devem ter-lhe sobrevindo na prisão especialmente quanto à paciência que deveria ter em estar isolado, enquanto a obra de evangelização prosseguia debaixo da ministração de outros.
O Senhor lhe havia falado da importância do seu testemunho perante governadores e reis, e que importava fazê-lo em Roma, e este era todo o seu consolo, de saber afinal, que ainda que preso, era útil ao Seu Mestre, quanto ao cumprimento dos propósitos que Ele havia determinado para a sua vida.
Deste modo não importa o que soframos, mas sabermos que estamos sendo úteis à causa do evangelho, pelo uso que o Senhor possa fazer dos nossos sofrimentos.
A cruz nos fará lembrar da nossa própria insuficiência e incapacidade para a realização de tal obra espiritual, e nos manterá na posição em que devemos sempre ser achados, a saber, de humildade e de dependência total do Senhor.
Que Ele possa nos ajudar em nossos empreendimentos ao mesmo tempo que nos lembre sempre, tal como fizera com Paulo, que somos servos inúteis, vasos de barro, e que a excelência do poder que em nós opera, não é propriamente nossa, mas do Espírito Santo.
Estava chegando o momento de Paulo ir para Roma, porque pelas circunstâncias que estaria vivendo, teria que apelar para ser julgado pelo próprio imperador, conforme lhe garantia o seu direito de cidadão romano; porque este Festo, que havia substituído Félix, não era melhor governante do que o seu antecessor, como podemos ver neste 25º capítulo de Atos.
Ao contrário, numa tentativa de limpar suas mãos, havia planejado conduzir Paulo a ser julgado num tribunal em Jerusalém, sob seus acusadores judeus, e certamente sabia que haveria um atentado contra a vida do apóstolo, e vindo a morrer, não teria mais com que se importar com o seu caso, e cairia no agrado dos judeus.
Percebendo suas intenções, Paulo apelou para ir à presença do imperador em Roma, que para o próprio Festo, não deixava de ser também uma alternativa interessante, politicamente falando, porque não somente daria uma oportunidade ao imperador de se entreter ao julgar o caso de Paulo, como se isentaria de qualquer responsabilidade tanto perante os romanos, tanto quanto os judeus.
É assim que funciona a justiça deste mundo.
Geralmente os que julgam casos em que a opinião pública esteja envolvida, sempre agirão não em conformidade com a reta justiça, mas de acordo com seus próprios interesses, quanto ao que poderão ganhar ou perder com a decisão que tomarem.
O rei Herodes Agripa, que havia substituído no trono ao seu pai, que havia sido morto por um juízo que lhe sobreveio da parte do Senhor, o mesmo que havia mandado matar o apóstolo Tiago, veio a Cesareia em companhia de sua esposa Berenice, para darem a Festo cumprimentos por ter assumido o cargo de governador romano tanto da Judeia, quanto de Cesareia.
Festo aproveitou a oportunidade para dividir indiretamente com Agripa, a responsabilidade pelo caso de Paulo, porque lhe pediu que ouvisse e interrogasse o apóstolo, para que obtivesse argumentos para escrever ao Imperador, quando lhe enviasse Paulo para ser julgado em Roma.
Seria aberta uma oportunidade para se dar um testemunho mais preciso do que era o Cristianismo ao rei Agripa, mas de nenhum modo se comprometeria em libertar Paulo, até mesmo porque estaria impedido de fazê-lo segundo a lei romana, uma vez que já havia apelado para a corte romana, e nenhum outro tribunal inferior poderia julgar o seu caso.
Mas como é comum entre as autoridades usarem de sagacidade, Agripa certamente não deixou de perceber as reais intenções de Festo ao passar o caso para suas mãos quanto ao que deveria ser escrito ao Imperador acerca de Paulo, mas viu também nisto uma oportunidade de se aproximar ainda mais do Imperador, pelo relatório que faria, e provavelmente, daria um parecer não diretamente favorável a Paulo, para não desagradar aos judeus, mas também não colocaria a sua cidadania romana em condição de inferioridade à nacionalidade judaica, e deste modo pesaria muito bem os termos que usaria na carta de apresentação da causa de Paulo ao imperador, de sorte que este seria julgado como um romano e não como um judeu, ainda que a acusação que pesava contra ele era meramente de cunho religioso, questão à qual os romanos não costumavam dar muita atenção, a não ser que os interesses do império estivessem sendo contrariados.
“1 Tendo, pois, entrado Festo na província, depois de três dias subiu de Cesareia a Jerusalém.
2 E os principais sacerdotes e os mais eminentes judeus fizeram-lhe queixa contra Paulo e, em detrimento deste,
3 lhe rogavam o favor de o mandar a Jerusalém, armando ciladas para o matarem no caminho.
4 Mas Festo respondeu que Paulo estava detido em Cesareia, e que ele mesmo brevemente partiria para lá.
5 Portanto, disse ele às autoridades dentre vós desçam comigo e, se há nesse homem algum crime, acusem-no.
6 Tendo-se demorado entre eles não mais de oito ou dez dias, desceu a Cesareia; e no dia seguinte, sentando-se no tribunal, mandou trazer Paulo.
7 Tendo ele comparecido, rodearam-no os judeus que haviam descido de Jerusalém, trazendo contra ele muitas e graves acusações, que não podiam provar.
8 Paulo, porém, respondeu em sua defesa: Nem contra a lei dos judeus, nem contra o templo, nem contra César, tenho pecado em coisa alguma.
9 Todavia Festo, querendo agradar aos judeus, respondendo a Paulo, disse: Queres subir a Jerusalém e ali ser julgado perante mim acerca destas coisas?
10 Mas Paulo disse: Estou perante o tribunal de César, onde devo ser julgado; nenhum mal fiz aos judeus, como muito bem sabes.
11 Se, pois, sou malfeitor e tenho cometido alguma coisa digna de morte, não recuso morrer; mas se nada há daquilo de que estes me acusam, ninguém me pode entregar a eles; apelo para César.
12 Então Festo, tendo falado com o conselho, respondeu: Apelaste para César; para César irás.
13 Passados alguns dias, o rei Agripa e Berenice vieram a Cesareia em visita de saudação a Festo.
14 E, como se demorassem ali muitos dias, Festo expôs ao rei o caso de Paulo, dizendo: Há aqui certo homem que foi deixado preso por Félix,
15 a respeito do qual, quando estive em Jerusalém, os principais sacerdotes e os anciãos dos judeus me fizeram queixas, pedindo sentença contra ele;
16 aos quais respondi que não é costume dos romanos condenar homem algum sem que o acusado tenha presentes os seus acusadores e possa defender-se da acusação.
17 Quando então eles se haviam reunido aqui, sem me demorar, no dia seguinte sentei-me no tribunal e mandei trazer o homem;
18 contra o qual os acusadores, levantando-se, não apresentaram acusação alguma das coisas perversas que eu suspeitava;
19 tinham, porém, contra ele algumas questões acerca da sua religião e de um tal Jesus defunto, que Paulo afirmava estar vivo.
20 E, estando eu perplexo quanto ao modo de investigar estas coisas, perguntei se não queria ir a Jerusalém e ali ser julgado no tocante às mesmas.
21 Mas apelando Paulo para que fosse reservado ao julgamento do imperador, mandei que fosse detido até que o enviasse a César.
22 Então Agripa disse a Festo: Eu bem quisera ouvir esse homem. Respondeu-lhe ele: Amanhã o ouvirás.
23 No dia seguinte vindo Agripa e Berenice, com muito aparato, entraram no auditório com os chefes militares e homens principais da cidade; então, por ordem de Festo, Paulo foi trazido.
24 Disse Festo: Rei Agripa e vós todos que estais presentes conosco, vedes este homem por causa de quem toda a multidão dos judeus, tanto em Jerusalém como aqui, recorreu a mim, clamando que não convinha que ele vivesse mais.
25 Eu, porém, achei que ele não havia praticado coisa alguma digna de morte; mas havendo ele apelado para o imperador, resolvi remeter-lho.
26 Do qual não tenho coisa certa que escreva a meu senhor, e por isso perante vós o trouxe, principalmente perante ti, ó rei Agripa, para que, depois de feito o interrogatório, tenha eu alguma coisa que escrever.
27 Porque não me parece razoável enviar um preso, e não notificar as acusações que há contra ele.” (Atos 25.1-27)