MINISTROS (SERVOS) DE CRISTO
Em face de tudo o que havia dito nos capítulos anteriores, quanto ao fato de que devemos nos gloriar somente em Cristo e na cruz, Paulo conclui no início deste quarto capítulo de I Coríntios, que nenhum servo levantado por Deus para liderar a Sua obra deve ser reconhecido senão apenas como ministro do evangelho, isto é, como servo, como simples despenseiro dos mistérios de Deus, através do evangelho que lhe foi confiado pelo Senhor.
Estes ministros e despenseiros devem ser achados fiéis em viver aquilo que pregam e ensinam, e o principal modo de se verificar esta fidelidade é saber o quanto morreram de fato para si mesmos e para o mundo, para que possam ser fiéis ministros de Cristo.
Paulo disse aos coríntios que deveriam seguir o exemplo de humildade que ele havia lhes dado, enquanto permaneceu entre eles, e que apesar de ter sido revestido de autoridade apostólica pelo Senhor, agia seguindo o exemplo do seu próprio Mestre, qual ama que acaricia os seus filhinhos.
Não havia portanto sido dele que haviam aprendido a viverem soberbamente, em disputas e divisões carnais.
Ele estava portanto admoestando os coríntios como um pai faz com seus filhos amados.
Eles seriam curados de suas rebeliões, conforme veremos na segunda epístola que o apóstolo lhes dirigiu. Isto porque eram genuínos cristãos, tinham a habitação do Espírito Santo, e viriam por fim a acharem lugar de arrependimento diante da graça e misericórdia de Deus.
Assim, as palavras de Paulo não tinham o propósito de envergonhá-los, nem descarregar sobre eles qualquer tipo de amargura, mas discipliná-los para viverem de modo digno de Deus, que lhes havia adotado como Seus filhos.
Martyn Lloyd Jones em um dos seus sermões expressou-se nos seguintes termos:
“O apóstolo Paulo diz o seguinte de si mesmo em I Cor 4.3: “Todavia, a mim mui pouco se me dá de ser julgado por vós, ou por qualquer tribunal humano; nem eu tampouco a mim mesmo me julgo.”.
Ele havia colocado nas mãos de Deus o problema de julgar, e desta maneira, havia chegado a um estado em que nada poderia feri-lo. Este é o ideal que deve ser buscado – esta indiferença ao eu e aos seus interesses.
Uma afirmação que o grande George Muller fez em certa ocasião acerca de si mesmo parece ilustrar isto muito claramente. Ele assim escreveu: “Houve um dia em que morri, morri completamente, morreu George Muller e as suas opiniões, preferências, gostos e vontade; morri para o mundo, para a sua aprovação ou crítica; morri para a aprovação ou censura inclusive de meus irmãos e amigos e desde então tenho procurado somente apresentar-me como aprovado para Deus.”.
Esta é uma afirmação que deve ser ponderada a fundo. Não posso imaginar uma síntese mais perfeita e adequada do ensino de Jesus nessa passagem, do que esta.
Muller pôde morrer para o mundo e para a sua aprovação e censura, morrer inclusive para a aprovação ou censura de seus amigos e companheiros mais íntimos.
Veja a sequência que Muller apresenta:
Primeiro o mundo, depois os amigos e companheiros. Porém o mais difícil é morrer para si mesmo, para a própria aprovação ou censura de si mesmo.
Há muitos grandes artistas que mostram desdém pela opinião do mundo. Se o mundo não aprovar as suas obras, pior para o mundo, diz o grande artista. Mas podem ser sensíveis à opinião das pessoas que lhes são mais achegadas. Porém o cristão deve alcançar a fase em que supere inclusive isto e dar-se conta que não deve deixar que seja dominado por isso. E então deve passar à fase final, isto é, ao que pensa de si mesmo – à aprovação ou censura de si mesmo, à forma em que não julga mais a si mesmo, tal como o apóstolo Paulo.
Enquanto estivermos preocupados com isto não estaremos a salvo das outras duas formas. De modo que a chave de tudo, como nos recorda George Muller, é que devemos morrer para nós mesmos.
George Muller havia morrido para si mesmo, para sua opinião, para suas preferências, para seus gostos, para a sua vontade.
Sua única preocupação, sua única idéia era mostrar-se aprovado para Deus.
E é exatamente isto que Jesus ensinou aqui, isto é, que o cristão deve chegar a uma situação e estado em que possa dizer isto.
É certo que o mundo despreza a quem é assim e admira a pessoa agressiva, a pessoa que luta por seus direitos, e que está sempre disposta para defender-se e defender a sua honra.
Assim somente o cristão pode colocar em prática este ensino do Senhor.
Com isto Ele nos diz que devemos ser completamente diferentes, que temos que mudar por completo, e que temos que chegar a ser um novo ser. E somente quem nasceu de novo do Espírito pode aprender a viver de tal forma.”.
Estas palavras de Lloyd Jones bem se ajustam ao que Paulo disse nos versos 3 a 6 deste quarto capítulo de I Coríntios, com o propósito principal que não continuassem fazendo comparações entre ele, Paulo, e Apolo, e que entendessem que não deveriam ir além do ensino das Escrituras, e que não deveriam se gloriar em favor de um e rejeitarem o outro, porque tanto ele quanto Apolo haviam sido levantados pelo Espírito, para lhes ministrarem a graça de Deus.
Eles não deveriam considerar as aflições e tribulações pelas quais passavam os apóstolos, como um sinal de serem inferiores em relação a eles, que não compartilhavam do mesmo nível de sofrimentos, aos quais eram submetidos os apóstolos de Cristo (v. 9 a 13).
Para o homem natural, para as pessoas do mundo, e mesmo para cristãos carnais, a vida santa e inteiramente consagrada a Deus dos apóstolos não lhes inspirava qualquer sentimento de admiração por eles, senão considerá-los como desprezíveis, pessoas que não tinham nenhuma importância e destaque para o mundo.
Por isso Paulo disse que os apóstolos eram considerados como escória e lixo pelo mundo.
No entanto, não há maior honra para uma pessoa do que a de ter sido chamada para ser apóstolo de Cristo.
Os coríntios, por causa da sua carnalidade, não podiam dar a honra que era devida a Paulo, mas como era o seu pai na fé, deveriam imitar os seus passos, suportando com paciência os mesmos sofrimentos que ele estava suportando por causa do evangelho, e acatarem tudo que Timóteo lhes lembraria acerca do que Paulo ensinava em todas as igrejas.
No entanto, nós vemos na segunda epístola aos Coríntios que o seu endurecimento era de tal ordem que não se arrependeram com o envio de Timóteo por Paulo, senão somente depois que Tito fora ter com eles depois de Timóteo.
Paulo lhes disse que iria ter pessoalmente com eles para que aqueles que andavam ensoberbecidos lhe mostrassem até que ponto havia o poder do Espírito nas suas vidas, coisa que certamente estava ausente, porque o reino de Deus não consiste em palavras de sabedoria humana, mas em poder espiritual real na vida, e de vida transformada, que Deus concede àqueles que Lhe obedecem.
Assim, o apóstolo estava lhes dando a oportunidade de se arrependerem, para que fosse ter com eles com amor e espírito de mansidão, em vez da vara da correção, e da disciplina do Espírito.
Paulo não poderia jamais renunciar ao seu dever do qual havia sido encarregado por Deus de ser o despenseiro da Sua graça aos cristãos coríntios, porque importava que tanto ele, como qualquer outro ministro do evangelho seja achado fiel no desempenho deste dever, que lhes foi imposto pelo Senhor; ao tê-los constituído como bispos (palavra traduzida da palavra grega epíscopo, que significa líder, supervisor) das almas daqueles que Ele colocou sob o cuidado deles (At 20. 28).
Como vimos antes, este dever não é realizado por motivo de vanglória, mas por um ato de renúncia ao ego, para que o ministério seja desempenhado com a humildade que é devida a Cristo.
“1 Que os homens nos considerem como ministros de Cristo, e despenseiros dos mistérios de Deus.
2 Além disso, requer-se dos despenseiros que cada um se ache fiel.
3 Todavia, a mim mui pouco se me dá de ser julgado por vós, ou por algum juízo humano; nem eu tampouco a mim mesmo me julgo.
4 Porque em nada me sinto culpado; mas nem por isso me considero justificado, pois quem me julga é o Senhor.
5 Portanto, nada julgueis antes de tempo, até que o Senhor venha, o qual também trará à luz as coisas ocultas das trevas, e manifestará os desígnios dos corações; e então cada um receberá de Deus o louvor.
6 E eu, irmãos, apliquei estas coisas, por semelhança, a mim e a Apolo, por amor de vós; para que em nós aprendais a não ir além do que está escrito, não vos ensoberbecendo a favor de um contra outro.
7 Porque, quem te faz diferente? E que tens tu que não tenhas recebido? E, se o recebeste, por que te glorias, como se não o houveras recebido?
8 Já estais fartos! já estais ricos! sem nós reinais! e quisera reinásseis para que também nós viéssemos a reinar convosco!
9 Porque tenho para mim, que Deus a nós, apóstolos, nos pôs por últimos, como condenados à morte; pois somos feitos espetáculo ao mundo, aos anjos, e aos homens.
10 Nós somos loucos por amor de Cristo, e vós sábios em Cristo; nós fracos, e vós fortes; vós ilustres, e nós vis.
11 Até esta presente hora sofremos fome, e sede, e estamos nus, e recebemos bofetadas, e não temos pousada certa,
12 E nos afadigamos, trabalhando com nossas próprias mãos. Somos injuriados, e bendizemos; somos perseguidos, e sofremos;
13 Somos blasfemados, e rogamos; até ao presente temos chegado a ser como o lixo deste mundo, e como a escória de todos.
14 Não escrevo estas coisas para vos envergonhar; mas admoesto-vos como meus filhos amados.
15 Porque ainda que tivésseis dez mil aios em Cristo, não teríeis, contudo, muitos pais; porque eu pelo evangelho vos gerei em Jesus Cristo.
16 Admoesto-vos, portanto, a que sejais meus imitadores.
17 Por esta causa vos mandei Timóteo, que é meu filho amado, e fiel no Senhor, o qual vos lembrará os meus caminhos em Cristo, como por toda a parte ensino em cada igreja.
18 Mas alguns andam ensoberbecidos, como se eu não houvesse de ir ter convosco.
19 Mas em breve irei ter convosco, se o Senhor quiser, e então conhecerei, não as palavras dos que andam ensoberbecidos, mas o poder.
20 Porque o reino de Deus não consiste em palavras, mas em poder.
21 Que quereis? Irei ter convosco com vara ou com amor e espírito de mansidão?”. (I Cor 4.1-21)