Legado Puritano
Quando a Piedade Tinha o Poder
Textos
Vencer o Mal com o Bem



“Não te deixes vencer do mal,

mas vence o mal com o bem.” (Rom 12.21)
 
É com estas palavras que o apóstolo Paulo fecha toda a seção do capítulo 12 da epístola ao Romanos. Capítulo este, no qual ele aponta ao cristão o seu dever de viver de modo consagrado a Deus, em face daquilo que Jesus é e fez em favor do cristão, conforme ele havia descrito nos capítulos anteriores da epístola.
É destacado especialmente o dever de amar com a visão de que o cristão pertence a um corpo místico no qual Jesus é a cabeça e os cristãos membros uns dos outros.
E sendo membros de um corpo os cristãos têm funções diversas, isto é, diferentes, conforme designado por Deus, às quais devem se dedicar com zelo, generosidade, fervor e alegria.
Os deveres destacados especialmente nos versículos de 9 a 21  resumem as atitudes e ações necessárias para que conheçam e vivam dentro da vontade de Deus. Tais atitudes e ações vão exatamente na contramão de tudo aquilo que o mundo aprova e vive. E o cristão deverá viver não conformado ao mundo se tiver o propósito de agradar a Deus. Para isso deve se dedicar a amar como Cristo o ama, um amor sincero, produzido pelo Espírito Santo, que nos leva a detestar o mal e a nos apegarmos ao bem.
O dever do amor cordial (que venha do coração) e fraternal na igreja é apontado e é também designado o modo de fazê-lo: “preferindo-vos em honra uns aos outros.”. A palavra para “preferir” no grego é “prohgeomai” (proégeomai) que significa “dar a preferência”, “dar a precedência”, “conduzir à dianteira”. É equivalente ao gesto de cedermos a vez que era nossa para alguém, dando-lhe a precedência. O mandamento bíblico é portanto o de nos interessarmos vivamente naquilo que diz respeito aos nossos irmãos, aos seus esforços ministeriais, reconhecendo a obra que fazem e honrando-os por isto. O mandamento bíblico aponta para o dever de estarmos mais ocupados em honrar os nossos irmãos do que buscarmos honra para nós mesmos. Vemos que não é uma pequena coisa que nos é ordenada porque a palavra “honra” significa ter em alta estima, atribuir um valor além de toda conta. É assim que devemos também honrar a Deus e aos nossos pais.
O amor a Deus é portanto demonstrado no amor ao próximo e particularmente no amor aos irmãos. E servir a Deus é servir ao próximo. E isto demandará:
-                     Não ser negligente no zelo (v 11). A palavra para zelo é opoudh (opoudé), que significa pressa, zelo, prontidão, diligência, operosidade, boa vontade. E a palavra para negligente é oknhros (oknerós), que significa preguiçoso, remisso, acanhado, penoso. A idéia portanto é a de alguém que se empenha em amar aos irmãos e servir ao próximo com todo o empenho e dedicação, vencendo a preguiça, o acanhamento e todo tipo de peso que possa vir a sentir.
O sentido aqui é que todo o serviço prestado a Deus deve ser refletido no serviço ao próximo, como no dizer do apóstolo João de que se dissermos que amamos a Deus e não amarmos os irmãos somos mentirosos quanto à nossa afirmação de que estamos amando a Deus. E daí concluir o mesmo apóstolo: “Ora, temos da parte dele este mandamento, que aquele que ama a Deus, ame também a seu irmão.” (I Jo 4.21).
 
Para isto, será necessário:
 
-                     Regozijar-se na esperança, ser paciente na tribulação, e perseverante na oração (v.12). 
 
Poderoso é o Senhor para estabelecer a unidade e a comunhão entre os cristãos quando estes perseveram na oração, tendo por objetivo suportarem as aflições e tribulações com gratidão e louvor em seus corações. A palavra para “paciente” na tribulação é upomonh (ipomoné) que significa perseverança, constância, fortaleza, suportar com bom ânimo qualquer tipo de sofrimento. E a palavra para “perseverante” - na oração - é proskarterew (proskarteréu), que significa perseverar, atender continuamente, unir-se a, ficar continuamente com, estar a serviço de, ficar sempre ao dispor de.
 
-                     Compartilhar as necessidades dos santos; praticar a hospitalidade.
 
A palavra para “necessidades” é creia (creia), que significa necessidade, precisão, falta. E a palavra para “compartilhar” é Koinonia (koinonía), a palavra usada para comunhão, e que significa participar, comunicar, auxiliar, contribuir, intimidade, sociedade, cooperação. É muito mais do que dar assistência material e financeira. Significa sobretudo suprir o aperfeiçoamento espiritual naquilo que os irmãos têm falta. E fazer isto por meio de oração intercessória, apoio, consolação, instrução. A idéia é a de alguém que se coloca ao lado de quem necessita ser apoiado para prosseguir na sua caminhada, sendo suprido em tudo o que tiver necessidade. Do mesmo modo que os sistemas do corpo humano atuam conjuntamente para mantê-lo saudável e dando combate aos seus inimigos externos. Isto inclui portanto até mesmo a idéia de combater as forças espirituais do mal que vêm contra os nossos irmãos em Cristo. Auxiliando-nos mutuamente, suprindo as necessidades um do outro conforme os ministérios e dons que temos recebidos do Senhor.
E a palavra para “hospitalidade” é uma palavra grega composta de dois vocábulos Filoxenia (filocsenía), que significa (filo), ser amigo, amar, e (csenía), hospitalidade, morada, pousada. Os cristãos devem exercer de modo prático a acolhida, especialmente em seus lares, de seus irmãos em Cristo. Devem fazê-lo porque são membros de um único corpo, o corpo de Cristo. Devem portanto serem acolhedores e receptivos. E isto deve ser feito com prazer, amor e alegria, conforme se depreende da palavra filo, no grego. 
 
A seção que se segue nos versículos 14 a 21 aponta para a necessidade de cada cristão ter um coração compassivo, amoroso, empático, sensível, perdoador, sempre livre de toda mágoa, amargura, ressentimento, sentimentos de vingança, e tudo o que possa levá-lo a se endurecer, em razão, principalmente dos ataques que possa sofrer da parte dos seus inimigos. O cristão deve ter a mesma atitude condescendente, humilde, mansa, do seu Mestre e Senhor.
Nenhuma tribulação que sobrevenha ao cristão está fora do controle de Deus. Tudo que lhe sucede tem em vista provar a sua fé. E pela forma como enfrenta as tribulações poderá verificar até onde tem sido obediente à vontade de Deus, especialmente pela forma como se relaciona com os seus semelhantes. Se é com amor e uma atitude perdoadora para com os seus inimigos é porque tem vivido de fato pela fé, que se traduz em obediência aos mandamentos do Senhor. Caso contrário, por ter um coração endurecido e ressentido é porque tem sido governado pelos próprios sentimentos e segundo os padrões do mundo, e não pelo Espírito de Deus e segundo os padrões da Bíblia.
Um coração que não é de fato governado pelo Senhor mediante a Sua Palavra, é um coração orgulhoso e egoísta que tudo relaciona aos seus próprios interesses. Mas aquele que é governado pelo Senhor e Seus mandamentos é alguém que relaciona tudo o que faz no interesse de melhor servir ao próximo, fazendo a vontade do Seu Senhor. Não tem por alvo atingir metas relacionadas ao seu próprio interesse egoísta pessoal, mas fazer das posições em que o Senhor o tiver colocado como um simples meio de fazer a Sua vontade em benefício dos seus semelhantes. Tal como fizeram Jesus e os seus apóstolos. Fazendo assim o cristão será um verdadeiro vitorioso sobre o egoísmo e o orgulho, e sobre as forças espirituais da maldade que procuram aprisionar a sua alma.        
 
Nos versos 14 a 21 lemos:
 
“Abençoai aos que vos perseguem, abençoai e não amaldiçoeis.
Alegrai-vos com os que se alegram, e chorai com os que choram.
Tende o mesmo sentimento uns para com os outros: em lugar de serdes orgulhosos, condescendei com o que é humilde: não sejais sábios aos vossos próprios olhos.
Não torneis a ninguém mal por mal; esforçai-vos por fazer o bem perante todos os homens,
Se possível, quanto depender de vós, tende paz com todos os homens;
Não vos vingueis a vós mesmos, amados, mas dai lugar à ira; porque está escrito:
A mim me pertence a vingança; eu retribuirei, diz o Senhor.
Pelo contrário, se o teu inimigo tiver fome, dá-lhe de comer; se tiver sede, dá-lhe de beber; porque fazendo isto, amontoarás brasas vivas sobre a sua cabeça.
Não te deixes vencer do mal, mas vence o mal com o bem.”.
 
Estas coisas ordenadas têm principalmente a sua razão de ser no fato de que o cristão é um ser espiritual sujeito aos embates de um reino espiritual que possui as suas próprias leis. O que governa este reino não são as leis deste mundo, mas as leis espirituais, que sempre operarão de acordo com os princípios que Deus determinou para elas. E o cristão bem fará em seguir estes mandamentos se quiser viver de modo agradável a Deus e a si mesmo, porque não terá sucesso e paz se não praticar estes mandamentos.
Toda amargura de espírito será uma cadeia para o nosso próprio espírito.
Deixar de atender estas ordenanças bíblicas é uma transgressão do mandamento de Deus tanto quanto de qualquer outras ordenanças. Mas estas têm um caráter especial, porque determinam o modo pelo qual é possível guardar o coração incontaminado do mal do orgulho e do ódio, que são cadeias poderosíssimas que podem aprisionar a alma do cristão num terrível cativeiro, apesar de ter recebido em Cristo a graça e o poder para poder viver em perfeita liberdade desta prisão.
Se o pecado que praticamos é uma cadeia que nos aprisiona, e um julgamento de Deus determinado sobre nós em relação aos nossos pecados presentes, antes do julgamento do Tribunal para os cristãos, e do Juízo Final para os ímpios, pela dor de consciência que pode nos causar, pelas enfermidades físicas que pode produzir, pelo desconforto emocional e espiritual, e também pelo acesso que dá ao inimigo de nossas almas para nos oprimir, é de fato um grande julgamento, determinado por uma lei infalível espiritual que sempre funcionará, para que sejamos alertados sobre o dever de amar e não de odiar, de perdoar, de abençoar e não de amaldiçoar.
Se Deus tem determinado este julgamento para o coração que não ama e perdoa, então a pessoa que nos odeia está criando cadeias para si mesma que a sufocam e a tornam escravizada pelo pecado. E isto é como veneno que contamina a própria pessoa que odeia e a mantém morta em seus delitos e pecados. Por isso Jesus diz que o mal que sai do coração do homem é o que o contamina. E também é por isso que nos é recomendado a não nos deixarmos vencer pelo mal, mas vencê-lo com o bem. Pois somos chamados a abençoar os que nos amaldiçoam, a orar pelos que nos perseguem, a dar de comer e beber ao nosso inimigo, se ele tiver fome e sede, a não nos vingarmos a nós mesmos, pois assim fazendo, teremos um coração que não será contaminado pelo mal que procede nós mesmos, que não será aprisionado automaticamente pelas cadeias do pecado, que nos imobilizam e sufocam, tornando-nos inúteis para a obra de Deus, especialmente no serviço ao próximo, que deve ser em amor.       
É preciso pois permanecer na condição de libertados da lei do pecado e da morte, pelo Filho de Deus, guardando o nosso coração de ser contaminado pelo mal.
É muito importante ter um coração que ama e perdoa, porque outro julgamento de Deus sobre os pecados presentes é o de que Satanás reina sobre o pecado. Aqueles que pecam são entregues a Satanás, que terá domínio sobre eles, ainda que sejam cristãos, oprimindo-os até que se disponham a perdoar e a amar, pagando a Deus até o último centavo que lhe é devido quanto ao dever de perdoarem os seus inimigos. Um inimigo do homem governará o seu coração quando ele pecar e manterá sua vontade escravizada à dele.  
Esta é uma forma terrível de julgamento que nem sempre estará visível aos nossos olhos. A pessoa estará em cadeias em seu interior, impedida de ter alegria e paz.
A cura para tudo isto é amar. Amar a Deus e ao próximo. E para isto perdoar sempre, mantendo o coração puro, leve e livre. Vemos portanto que a forma de vencer o mal não é subjugando as pessoas que se levantam contra nós, mas subjugando o nosso próprio ego, fazendo com que seja submisso ao Senhor e à Sua vontade, obtendo dEle um coração manso e humilde como é o Seu próprio coração.   
Façamos assim, orando em todo o tempo e contando com a graça de Jesus e o poder do Espírito Santo.
        
Silvio Dutra Alves
Enviado por Silvio Dutra Alves em 26/12/2012
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