O QUE É VERDADEIRO HOMEM ESPIRITUAL?
Em Romanos 12:2 Paulo roga aos cristãos que não se conformem com este mundo, mas que se transformem pela renovação de suas mentes.
Muitos pensam que podem renovar a sua mente e alcançar a santidade sem qualquer esforço consciente. Eles diriam (alguns deles), que a santificação pode vir a você por uma experiência, sem esforço; às vezes até mesmo por condicionamento subliminar.
Durante anos os cientistas russos comunistas fizeram experiências com propaganda subliminar com o propósito de influenciarem pessoas para abraçarem a ideologia comunista. E muitos no mundo evangélico estão utilizando a mesma técnica do condicionamento subliminar para atrair e prender pessoas ao seu sistema religioso.
Através de afirmações positivas, da linha do chamado pensamento positivo, e de repetições de determinadas mensagens ou canções, as pessoas são convocadas à cura, à adoração e à obtenção de bênçãos gerais de Deus.
Isto tem por trás de si uma indústria voltada para a venda de CD´s, livros, materiais que afirmam ter em si a unção para transmitir bênçãos e tudo o mais que possa aumentar o faturamento pessoal dos que movimentam tal indústria.
Indagamos: é lícito usar a pura Palavra de Deus dessa maneira?
Admitimos que há casos em que por mera falta de sabedoria ou ignorância quanto à interpretação correta das operações de Deus, há muita generalização decorrente de bênçãos específicas recebidas de Deus, no sincero desejo de querer que outros as compartilhem. Assim, o problema está em que não se entende que Deus em sua soberania decidiu realizar uma ação sobrenatural destinada a uma pessoa ou grupo de pessoas em determinada ocasião específica. E por ignorar que aquela ação se referia apenas àquela situação específica, ou às ocasiões em que Deus determinou repeti-la, o agente ou agentes da bênção tentam fazer daquela experiência uma regra permanente, e passam a incentivar outras pessoas a terem a mesma experiência. Pode haver muita sinceridade nisto, mas nenhuma sabedoria, porque isto conduzirá ao engano, ao erro, à frustração.
Assim, o problema não é que Deus faça um novo sinal entre nós, o problema está em que tentemos dar a uma experiência particular um caráter geral, quando o propósito de Deus não estiver direcionado neste sentido.
Outra generalização equivocada é resultante da interpretação das bênçãos específicas da própria Bíblia. Por exemplo, Abraão era rico, e daí muitos generalizam ao afirmarem que todos os cristãos devem ser ricos e prósperos como Abraão. José foi governante no Egito, e alguns afirmam que de igual modo todos os cristãos devem estar em posição de governo, ser cabeça e não cauda. E aplicam o mesmo raciocínio generalizador à ressurreição de mortos, cura de enfermidades e tudo aquilo que estiver na Bíblia. Deus pode fazer e faz todas estas coisas, mas sempre a quem, onde, quando e como lhe apraz. Ele não atua por atacado, segundo a nossa própria vontade, mas sempre com propósito e segundo a Sua própria vontade.
Tentar portanto parecer espiritual a outros pelo fato de lhes passar uma imagem de pessoa dotada de poderes para realizar determinados milagres, ou que possui um tipo de unção especial e particular de Deus para dar prosperidade às pessoas, e lhes comunicar toda a sorte de bênçãos aos seus seguidores, é um grande equívoco, pois que o poder é de Deus e não propriamente dos seus instrumentos, e ele os usa conforme lhe apraz.
Este poder alegado para impressionar os ignorantes, localiza-se especialmente na expulsão de demônios. “Eu ordeno e repreendo todos os demônios que têm atuado sobre a vida destas pessoas, para que nunca mais as perturbem.”, é muito comum de ser ouvido, e outros jargões como estes, só que isto não corresponde à realidade do mundo espiritual, pois que Satanás e os demônios sempre se retirarão buscando ocasião oportuna para agirem de novo, e até o próprio Jesus em seu ministério terreno ficou sujeito às investidas e tentações do diabo.
Fitas e fitas com gravações com mensagens de condicionamento subliminar são vendidas com a promessa de abençoarem os seus ouvintes. Repetições de mensagens morais, de determinações, ordenações sobre o mundo espiritual para que o ouvinte seja abençoado. No entanto não há nada de verdadeiramente espiritual nesta prática. Isto não é a prática do evangelho. Isto não é vida com Deus, pois que esta é viva e dinâmica. Não consiste em meras repetições, onde não se está plenamente consciente da posição em que se encontra diante de Deus, e a posição que se deve tomar diante dEle por uma transformação constante resultante de uma mente renovada, não conformada ao mundo. E convém destacar que esta vida dinâmica com Deus inclui a oração peticionária que nem sempre será atendida por Deus no ato, e que até mesmo pode receber da parte dEle um não ou um espere. Nunca é como e quando queremos, mas como Ele quer.
E isto não pode ser feito pelo “sabonete ungido”, que se alega, santificará a pessoa que tomar banho com ele; nem pela “rosa ungida” que sendo levada para casa expulsa os demônios, porque representa a presença do próprio Jesus. E nem pelo “lenço poderoso” que curará toda sorte de enfermidades, e nem por qualquer outro artifício dito espiritual para propósitos espirituais.
É possível fazer todas estas coisas sem abrir a Bíblia. Sem meditar nela. Sem praticá-la. E retomando nosso ponto de partida em Rom 12.2, vemos que a renovação de mente ali aludida por Paulo pressupõe a entrega voluntária de nossos corpos como sacrifício vivo, santo e agradável a Deus (Rom 12.1), e isto significa ter efetivamente o Seu governo sobre a nossa vida, ser instruído e dirigido por Ele, procurando ser-Lhe obediente em tudo, e isto conforme a Sua Palavra, onde temos a Sua vontade revelada a nós. Mas, se não há esta busca sincera da prática da Palavra, por meio de uma fé viva, e no poder do Espírito Santo, que espiritualidade é esta que se firma em práticas místicas, pagãs, em criações da imaginação do próprio homem e/ou inspirada por demônios? Há alguma verdadeira espiritualidade nisto? Pode-se chamar a isto de verdadeira santificação? De despojamento do velho homem e de revestimento de Cristo?
O condicionamento subliminar pode gerar um coração sincero que confesse seus pecados a Deus, numa sincera atitude de arrependimento em oração, na busca de perdão, renovação e de um coração puro e obediente a Deus?
Outro grande erro é pensar que a santificação, que é um processo que dura toda a vida, em que Deus atua nas circunstâncias para moldar progressivamente o caráter de Seus filhos, possa ser obtida de uma só vez ou através de simples experiências em programações especiais, retiros, encontros espirituais, para produzir tal efeito. Que se participe de várias reuniões com o propósito de se cultuar a Deus, mas nunca com a ilusão de que através de uma experiência de crise obteremos a perfeição em santificação. A regeneração (novo nascimento) é uma experiência de crise, que de fato opera uma grande transformação pela renovação inicial da mente, na conversão. Mas isto ocorre uma única vez. A santificação também é operada pelo Espírito Santo, mas Ele fará isto de modo gradual e ininterrupto durante toda a nossa caminhada terrena, sem que jamais alcancemos a perfeição moral neste mundo. Por isso se ordena aos cristãos que continuem se transformando pela renovação contínua de suas mentes. Isto é feito em graus, e a transformação será tanto maior quanto for a renovação da mente. Mas isto é feito no tempo e não pode ser obtido de modo absoluto de uma só vez, por uma única ministração do poder do Espírito numa reunião pública que é promovida para tal propósito.
Nunca é demais lembrar que Deus usa a dor, o sofrimento, as tribulações para nos ensinar paciência, perseverança, esperança, experiência. Ele testa a fé nas tribulações para confirmá-la, aumentá-la, aperfeiçoá-la. E não está em nosso poder e domínio apressar ou mesmo selecionar isto, pois se encontra sob a exclusiva autoridade do Senhor que efetua em nós tanto o querer quanto o realizar. Não há portanto atalhos para a santificação. Viver debaixo de mensagens de condicionamento subliminar não pode cooperar em nada para a nossa santificação. Isto não pode produzir em nós um caráter aprovado, confiável, santo.
Outra grande ilusão é a de que o batismo do Espírito Santo, com evidência de falar em outras línguas, é o fator decisivo para a nossa espiritualidade. Uma vez obtida a segunda bênção você estará capacitado a fazer a obra de Deus, e será um cristão verdadeiramente maduro e santo. Observe que isto não é obtido sem esforço, sem disciplina, sem constância. E o ato do batismo é um ato pontual, de revestimento de poder, para capacitação de realização de determinados ministérios. Mas isto exige, se preciso, e não raramente, reavivamento do dom através de uma vida santificada, e esta é obtida mediante a consagração diária no altar de Deus de nossas próprias vidas, conforme se ordena em Rom 12.1.
É preciso vigiar e ter muito cuidado para que uma pretensa espiritualidade baseada na posse de dons do Espírito ou do batismo do Espírito Santo se transforme em orgulho espiritual, onde se pense que por obtê-los se é mais espiritual do que outros cristãos que não os possuem. Lembremos sempre da igreja de Corinto que abundava em dons do Espírito mas era uma igreja que Paulo chamou de carnal.
O Dr John Owen em sua obra “A Graça e o Dever de ser Espiritual”, dá uma boa explicação sobre o que é ser verdadeiramente espiritual, e ele faz a sua exposição a partir de Rom 8.6, e com base na afirmação deste versículo onde se diz que “o pendor da carne dá para morte, mas o do Espírito para vida e paz”. Ele, dentre outras coisas, diz que ter a inclinação do Espírito Santo, inclui sobretudo ter os nossos afetos voltados para Deus, e não para o mundo (“não vos conformeis com este mundo”), e ter pensamentos constantes sobre as coisas santas, espirituais e divinas (“renovação da mente”), para se poder viver segundo a vontade de Deus (transformação da vida pela meditação e prática da Palavra. A meditação é importantíssima, porque é uma das formas de se guardar a Palavra no coração).
Agora, o Dr Owen, reconhece que o cristão sempre está em movimento entre os dois extremos que envolvem a sua vida: o caminhar na carne, e o caminhar no Espírito. Ora está mais próximo da carne, ora mais próximo do Espírito. Porque o Espírito luta contra a carne e a carne contra o Espírito. E esta luta é constante, sem trégua.
Mas recai sobre o cristão o dever de ser espiritual, porque ele não está na carne, mas no Espírito. Ele não é nascido apenas da carne, mas também do Espírito, e assim também é espírito, apto a conhecer e a fazer a vontade de Deus. Ele deve assim andar no Espírito porque tem o pendor do Espírito que dá para vida e paz, e não apenas o da carne que dá para morte. É seu dever mortificar a carne, isto é, destruir o pecado, pelo Espírito, porque este trabalho já foi iniciado pelo Espírito na regeneração. E isto deve prosseguir em graus até que esta mortificação seja absoluta quando ele deixar este corpo, quer pela morte, quer pelo arrebatamento da igreja. Mas que se saiba, destaca o Dr Owen, que o pecado nunca é desarraigado totalmente enquanto nos dispomos continuamente a destruí-lo, assim como as ervas daninhas de um campo que sufocarão a plantação se não forem arrancadas. Elas devem ser sempre combatidas, porque sempre estão germinando. E o cristão deve continuar neste trabalho de manter o campo do seu coração limpo de ervas daninhas, sabendo que sempre terá que fazer tal trabalho enquanto viver na carne.
Este testemunho de Owen é bíblico, é verdadeiro, está refletido na vida das pessoas santas, espirituais que a Bíblia nos apresenta, mas vemos que eles eram espirituais, mas não perfeitos em santidade, como Davi, Pedro e todas as pessoas de fé, todos os santos de Deus. Tiago diz que todos nós tropeçamos em muitas coisas; João, que se dissermos que não temos pecado, mentimos; Paulo reconhecia que não habitava nenhum bem em sua carne ao ponto de dizer: miserável homem que sou. E como podemos admitir diante do testemunho da própria Bíblia, que ser espiritual é ser impecável, sem imperfeição, e perfeitamente dirigido pelo Espírito em todo o tempo? Isto não bate com a realidade, porque enquanto estivermos no corpo estamos ausentes da plenitude da perfeita e contínua comunhão com o Senhor, que teremos somente quando estivermos na glória do porvir.
Por isso se diz que devemos caminhar, andar no Espírito. E isto se faz passo a passo. É de fato uma caminhada, e muitas vezes as pedras do caminho nos atrapalharão e tropeçaremos. Mas muitas vezes o caminho estará limpo e seremos achados firmes e seguros. Em outras ocasiões teremos que enfrentar as tempestades das tribulações e perseguições, e muitas delas nos deixarão perplexos por algum tempo, mas, como temos a fé viva e verdadeira em Cristo, prosseguiremos adiante. E será assim a nossa peregrinação neste mundo até que cheguemos ao céu.
E a graça de Jesus estará nos educando em nossa caminhada a sermos verdadeiramente espirituais. A carnalidade traduzida em ciúmes, contendas, divisões, impurezas, e todas as demais obras da carne, estará sendo removida mais e mais de nossas vidas, ela será vencida mais e mais pelo fruto do Espírito, e conheceremos e praticaremos cada vez mais a boa, perfeita e agradável vontade de Deus, em razão da nossa transformação efetuada pela renovação da nossa mente pelo Espírito. Mas como já falamos isto é um trabalho para toda a vida, e que nunca será completo neste mundo.
Assim ninguém se iluda por pensar que a emoção, a alegria, a euforia podem ser um substituto para a piedade, que caracteriza alguém que é verdadeiramente espiritual.
A ênfase no surpreendente, no dramático, no sensacionalismo, e a ideia que isto tem que fazer parte obrigatoriamente da vida espiritual, tem muito pouco a ver com a sobriedade, simplicidade, piedade, amor, domínio próprio, reverência, e tudo o mais que a Bíblia aponta como as características de uma verdadeira espiritualidade.