Existe Algo Como Cristianismo Paganizado? - Parte 1
Tornou-se uma prática generalizada, especialmente a partir do quarto século, que a reunião dos crentes se desse em templos debaixo da liderança de um clero profissionalizado, e não mais na liberdade de culto nos seus lares, conforme ocorria na Igreja Primitiva.
É inegável a importância exagerada que é dada à construção e embelezamento do lugar de reunião pública da igreja.
Cabe destacar, que proporcionalmente ao aumento deste interesse há uma queda do relativo à oração e da dependência de Deus, e sujeição à Sua vontade.
Não há nenhum mal em se construir edificações de pedra para abrigar os crentes, mas é preciso vigiar muito quanto a isto, porque a natureza terrena, a carne, é fraca e faz com que os crentes não somente se desviem do alvo que lhes foi proposto por Deus, como até mesmo se esqueçam do mesmo, quando colocam seu coração naquilo que vêem, e não nas coisas invisíveis e eternas. Por conseguinte, deixam de andar por fé, para andarem por vista; quando o que é terreno prevalece, o espiritual fica perdido. O tesouro terreno ocupa o lugar do coração, e por isso não se pode servir a dois senhores – Deus e as riquezas – porque um expulsará o outro.
Frank Viola, tem muito a nos dizer sobre este assunto no livro de sua autoria, intitulado Cristianismo Pagão, do qual retiramos algumas passagens que citaremos adiante.
“O moderno cristianismo é obcecado pelo tijolo e pelo concreto. O complexo de edifício está tão inculcado em nossas mentes que se um grupo de crentes começa a reunir-se, sua primeira idéia é encontrar um salão. Como pode um grupo de cristãos pretender ser uma igreja sem um salão? E por aí vão seus pensamentos.
A “Igreja” está tão ligada à idéia de igreja enquanto edifício que nós inconscientemente equiparamos as duas. Escute o vocabulário do cristão médio de hoje:
"Amigo, você viu como é bonita essa igreja que acabamos de passar?”
"Essa é a maior igreja que já vi!”
"Nossa igreja é bem pequena. Estou ficando claustrofóbico. Precisamos ampliar o salão”.
Escutemos o vocabulário do pastor mediano.
"Não é maravilhoso estar na casa de Deus hoje?"
"Necessitamos ser reverentes quando entramos no santuário do Senhor”.
Ou como a mãe fala com seu filho traquina (em tom grave), “Tire esse sorriso de sua boca, agora você está na igreja! Precisamos nos comportar na casa do Senhor!”
Para dizer sem rodeios, nenhum destes pensamentos tem qualquer coisa a ver com o cristianismo do NT. Melhor dizendo, eles refletem o pensamento de outras religiões — principalmente o Judaísmo e o paganismo.
O antigo Judaísmo estava centrado em três elementos: O templo, o sacerdócio e o sacrifício. Quando Jesus veio, Ele cancelou os três elementos cumprindo-os em Si mesmo. Ele é o Templo que incorpora uma casa nova e viva feita de pedras vivas — “sem mãos humanas”. Ele é o Sacerdote que estabeleceu um novo sacerdócio. Ele é o Sacrifício perfeito e definitivo.
Como conseqüência, o templo, o sacerdócio e o sacrifício do Judaísmo cessaram com a vinda de Jesus Cristo. Cristo é o cumprimento e a realidade de tudo isso. No paganismo greco-romano estes 3 elementos também estavam presentes: Os pagãos tiveram seus templos, seus sacerdotes e seus sacrifícios.
Foram apenas os cristãos que descartaram todos estes elementos. Poder-se-ia dizer que o cristianismo foi a primeira religião sem templos. Na mente do cristão primitivo, era a pessoa que constituía o espaço sagrado, não a arquitetura. Os primeiros cristãos entendiam que eles mesmos — coletivamente — eram o templo de Deus e a casa de Deus.
Notavelmente, em nenhuma parte do NT, encontramos os termos “igreja” (ekklesia), “templo”, ou “casa de Deus”, usados para referir-se a edifícios próprios.
O uso inicial da palavra ekklesia (igreja) para referir-se a um lugar de reunião cristã ocorre no ano 190 d.C. por Clemente de Alexandria (150-215). Clemente foi a primeira pessoa a utilizar a frase “ir à igreja”, que era um pensamento alheio ao crente do século I. (Ninguém pode deslocar-se a um lugar que é ele mesmo! Ao longo do NT, ekklesia sempre se referiu a uma assembléia de pessoas, não a um lugar!)
Mesmo assim, a referência “ir à igreja” de Clemente não trata de uma alusão a um edifício de alvenaria construído especialmente para a adoração dos membros, trata de um lugar privado que os crentes do século II usavam para suas reuniões. Os cristãos não construíram edifícios especiais até a Era Constantino no século IV. Tampouco tiveram um sacerdócio especial separado para servir a Deus. Em vez disso, cada crente reconhecia que ele mesmo era um sacerdote diante de Deus.
Os cristãos primitivos também eliminaram os sacrifícios porque entendiam que o sacrifício verdadeiro e final (Cristo) havia prevalecido. Os únicos sacrifícios que ofereciam eram sacrifícios espirituais de louvor e gratidão.
Entre os séculos IV e VI, o catolicismo romano absorveu as práticas religiosas do paganismo e do Judaísmo. Instalou um clericalismo profissional e erigiu edifícios sagrados de alvenaria. E converteu a Santa Ceia em um sacrifício místico.
Seguindo a trilha dos pagãos, o catolicismo adotou a prática das virgens vestais (sagradas) e da queima do incenso. Felizmente os protestantes aboliram o uso do sacrifício da Ceia do Senhor, das virgens vestais e da queima de incenso. Mas eles retiveram tanto a casta sacerdotal (o clero) como o edifício sagrado.
Os primeiros cristãos acreditavam que a presença de Jesus é a própria presença de Deus. Eles acreditavam que o corpo de Cristo, a Igreja, constitui o templo.
Mesmo Jesus referindo-se ao templo que existia no sentido arquitetônico, na realidade, Ele estava falando de seu próprio corpo. Jesus disse que depois da destruição do templo, Ele o levantaria novamente dentro de três dias. Ele estava se referindo ao templo real, a Igreja, a qual Ele levantou em si mesmo no terceiro dia. Significativamente, Ele se referia ao templo real — a igreja — que Ele levantaria. Ele levantaria a Si mesmo no terceiro dia.
Desde que Cristo ressuscitou, nós cristãos chegamos à condição de o templo de Deus. Por isso, o NT reserva a palavra “igreja” (ekklesia) para o povo de Deus. A Bíblia nunca emprega esta palavra referindo-se a algum edifício de alvenaria.
A atitude de Jesus limpar o templo significa que a “adoração do templo” judaico seria substituída pela adoração a Ele próprio. Com Sua vinda, o Pai não seria adorado em uma montanha ou templo. Ele seria adorado em espírito e em verdade.
Quando o cristianismo nasceu, foi a única religião na terra sem objetos sagrados, pessoas sagradas, espaços sagrados. Mesmo rodeado por sinagogas judaicas e templos pagãos, os primeiros cristãos foram as únicas pessoas religiosas na terra que não edificavam templos sagrados de adoração. A fé Cristã nasceu em casas, fora de pátios, ao longo das margens da estrada, e em salas de estar.
Durante os primeiros três séculos, os cristãos não tiveram edifícios especiais. Como disse um erudito, “O cristianismo que conquistou o Império Romano era essencialmente um movimento centrado em casas”. Alguns dizem que o fato deles reunirem-se em casas era devido à repressão. Isso não é verdade. Foi uma opção consciente e deliberada.
Na medida em que as congregações cresciam em tamanho, os cristãos começaram a remodelar seus lares para acomodar os números crescentes. Um dos descobrimentos arqueológicos mais marcantes nesse sentido foi a casa de Dura Europeas na moderna Síria. Esta casa constitui o mais antigo registro de uma igreja caseira de que se tem notícia. Foi um despretensioso local privado adequado para acomodar cristãos em suas reuniões por volta do ano 232 d.C.
Essencialmente, a casa de Dura-Europeas era uma casa onde se havia suprimido a parede entre dois quartos para criar uma grande sala. Com a reforma, a casa podia receber aproximadamente 70 pessoas. As casas reformadas, como foi o caso de Dura-Europeas, não podem ser classificadas como “edifícios de igrejas”. Eram simplesmente casas adaptadas para acomodar assembléias maiores. Além disso, estas casas jamais foram chamadas de “templos”, termo que os pagãos e judeus utilizavam para designar seus espaços sagrados. Os cristãos não chamaram seus edifícios de “templos” até o século XV!
Em 312 d.C., Constantino tornou-se César do Império Ocidental. Em 324, ele tornou-se Imperador de todo Império Romano. Pouco tempo depois ele começou a ordenar a construção de edifícios de igreja. Ele fez isso para promover a popularidade e a aceitação da cristandade. Se os cristãos tivessem seus próprios edifícios sagrados — como tinham os judeus e os pagãos — a fé cristã seria legitimada no Império.
É importante entender a tática de Constantino — porque ele foi o útero que concebeu o edifício da igreja. O pensamento de Constantino era dominado pela superstição e pela magia pagã. Mesmo após tornar-se Imperador, ele permitiu às velhas instituições pagãs permanecerem como eram antes.
Mesmo após sua conversão ao cristianismo, Constantino nunca abandonou sua adoração ao deus sol. Ele manteve a imagem do sol cunhada na moeda. Ele montou uma estátua do deus sol que sustentava sua própria imagem no Foro de Constantinopla (sua nova capital). Constantino também mandou construir uma estátua da deusa Cibele, (embora apresentada em postura de adoração cristã).
Praticamente até o dia de sua morte Constantino “agia como um sumo sacerdote pagão”. Na realidade ele detinha o título pagão de Pontifex Máximus, que significa o chefe dos sacerdotes pagãos! (No século XV este mesmo título chegou a ser o título honorífico do Papa Católico).
Constantino também fortaleceu a noção pagã de objetos e espaços sagrados. Devido principalmente à sua influência, o comércio de relíquias passou a ser bem comum na igreja. Pelo século IV, a obsessão pelas relíquias se disseminou de tal forma que alguns cristãos se posicionaram contra essa prática definindo-a como “Uma odiosa observância introduzida nas igrejas sob o disfarce da religião... Uma obra de idólatras”.
Constantino também se destacou por trazer à fé cristã a idéia de “lugar santo” baseado no modelo do santuário pagão. Foi por causa da aura do “sagrado” que os cristãos do século IV anexaram a Palestina, e a tornaram conhecida como “a Terra Santa” no século VI.
É interessante o fato de Constantino ter nomeado suas igrejas com nomes de santos — da mesma forma que os pagãos nomeavam seus templos com nomes de seus deuses. Ele construiu suas primeiras igrejas sobre os cemitérios onde os cristãos honravam seus santos mortos. Quer dizer, ele as construiu sobre os restos mortais dos santos mortos. Por quê? Porque, desde pelo menos um século antes os cemitérios onde os santos foram enterrados eram tidos como “campo santo”.
Muitas dessas gigantescas edificações foram construídas sobre as tumbas dos mártires. Essa prática era baseada na idéia de que os mártires tinham o mesmo poder anteriormente atribuído aos deuses pagãos. Mesmo sendo uma prática pagã os cristãos adotaram esta idéia mordendo o anzol.
Os mais famosos “espaços santos” foram: São Pedro, sobre o Monte do Vaticano (erigido em cima da suposta tumba de Pedro). São Paulo, do lado de fora dos muros da cidade (construída em cima da suposta tumba de Paulo). A deslumbrante e magnífica igreja do Santo Sepulcro em Jerusalém (construída em cima da suposta tumba de Cristo), e a igreja da Natividade em Belém (construída sobre a suposta gruta onde Cristo nasceu). Constantino construiu nove igrejas em Roma e muitas outras em Jerusalém, Belém e Constantinopla.
Querido cristão observe! As raízes do “sagrado” edifício da igreja são completamente pagãs. O edifício da igreja foi inventado por um professo ex-pagão dotado de uma mente completamente pagã. Tais edifícios da igreja foram construídos sobre a idéia pagã de que o morto cria um espaço santo. Por favor, lembre-se disto toda vez que você escutar alguém se referir a um edifício como casa “santa” e “sagrada” de Deus.
O edifício da igreja produziu mudanças significativas na adoração cristã. Pelo fato do Imperador ser a “personalidade” número um na igreja, um simples cerimonial não era suficiente. Para poder honrá-lo, a pompa e os rituais da corte imperial foram adotados pela liturgia cristã.
Era costume dos imperadores romanos serem precedidos por luzeiros quando apareciam em público. Estes luzeiros eram acompanhados de uma tina incandescente cheia de especiarias aromáticas. Seguindo as normas deste costume, Constantino introduziu as velas e a queima de incenso como parte dos cultos da igreja. Toda essa parafernália acompanhava o clero quando ele entrava em cena!
Sob o reino de Constantino, os clérigos, que usavam roupas normais no princípio, passaram a vestir-se com roupa especial. Que tipo de roupa especial era esta? Eram peças do vestuário dos oficiais romanos. Ademais, se introduziram vários gestos de respeito aos membros do clero que eram semelhantes aos dedicados aos oficiais romanos.
Também foi adotado o costume romano de iniciar o culto com músicos profissionais. Para este propósito, corais foram treinados e trazidos para a igreja cristã. O culto tornou-se mais profissional, dramático e cerimonial.
Todas estas características foram copiadas da cultura greco-romana e diretamente inseridas nas atividades da igreja cristã. A cristandade do século XIV foi profundamente moldada pelo paganismo grego e pelo imperialismo romano. O resultado imediato de tudo isso foi uma perda da intimidade e da participação aberta. Enquanto os clérigos profissionais dirigiam os atos do culto, os leigos os observavam como espectadores.
Constantino proveu a paz para todos os cristãos. Sob seu reino, a fé cristã foi legitimada. Na realidade esta superou em tamanho tanto o Judaísmo como o paganismo.
Por estas razões, os cristãos viram a ascensão de Constantino ao trono do Império como um ato de Deus. Como um instrumento de Deus para resgatá-los. Agora a cultura cristã e a cultura romana eram moldadas conjuntamente.
O edifício cristão revela que a igreja, de uma ou de outra forma, fechou uma íntima aliança com a cultura pagã. Conforme disse Will Durantt, “As ilhas pagãs permaneceram na propagação do mar Cristão”. Isto representou um trágico distanciamento da simplicidade primitiva que a igreja de Jesus Cristo conheceu.
Os cristãos do século I eram avessos ao mundo e evitavam qualquer contato com o paganismo. Tudo isso mudou durante o século IV quando a igreja emergiu como uma instituição pública no mundo e começou a “absorver e cristianizar idéias e práticas religiosas pagãs”. Como disse certo historiador, “o edifício da igreja substituiu o templo; o patrimônio da igreja substituiu as terras e os tesouros dos templos”. Sob Constantino, todas as propriedades da igreja eram isentas de impostos.
Conseqüentemente, a história do edifício da igreja é a triste saga do cristianismo adotando práticas da cultura pagã. Foi uma adoção que transformou radicalmente a cara de nossa fé. Os edifícios das igrejas das Eras Constantino e pós Constantino tornaram-se santuários sagrados. Os cristãos abraçaram o conceito de templo. Eles se impregnaram com a idéia pagã de que existe um lugar especial onde Deus mora de uma maneira especial. E que esse lugar é feito “por mãos humanas”.