Legado Puritano
Quando a Piedade Tinha o Poder
Textos
Cristianismo Paganizado? - Parte 2
 
 
Depois da era Constantino os edifícios das igrejas passaram por várias etapas diferentes. (É demasiado complicado detalhá-las aqui). Para citar um pesquisador: “As mudanças da arquitetura eclesiástica são mais resultado de uma mutação do que de uma contínua linha de evolução”. Estas mutações não contribuíram muito para alterar as características arquitetônicas dominantes que criaram o clero monopolizador e a congregação inerte.
 
 
No século XVI, os reformadores herdaram a sisuda tradição dos edifícios. Em um curto período de tempo milhares de catedrais medievais passaram para seu controle.
Os reformadores eram em sua maioria sacerdotes. Conseqüentemente, eles estavam inadvertidamente condicionados aos padrões do pensamento Católico Medieval.
Assim, embora os reformadores remodelassem alguns aspectos dos edifícios que passaram para seu controle, eles executaram bem poucas mudanças funcionais no que diz respeito à sua arquitetura.
Mesmo que os reformadores quisessem fazer mudanças radicais quanto à prática da igreja, a maior parte das massas não estava preparada para aceitar tais mudanças. Martinho Lutero não tinha dúvidas de que a igreja não era nem um edifício nem uma instituição. De qualquer forma era impossível para ele superar mais de um milênio de confusão sobre este tema.
A principal mudança arquitetônica dos reformadores refletiu sua teologia. Eles colocaram o púlpito no centro dominante do edifício em vez da mesa do altar. O verdadeiro núcleo da Reforma foi a idéia de que as pessoas não poderiam conhecer a Deus nem crescer espiritualmente a menos que elas ouvissem a pregação. Portanto, quanto os reformadores herdaram os edifícios eclesiásticos existentes, eles os adaptaram para tal finalidade.
Durante os últimos duzentos anos, os modelos arquitetônicos dominantes empregados pelas igrejas protestantes podem ser classificados de duas formas: O estilo santuário (usado nas igrejas litúrgicas) e o estilo palco (usado nas igrejas evangélicas). O santuário é a área onde o clérigo (e aventualmente o coro) conduz o culto. Nas igrejas tipo palco, há uma grade ou tela que separa o clero do leigo.
O edifício da igreja estilo santuário foi profundamente influenciado pelo reavivalismo do século XIX. É essencialmente um auditório estruturado para enfatizar a performance dramática do pregador e do coro. Sua estrutura sugere implicitamente que o coro (ou equipe do culto) atue de forma a animar ou entreter a congregação. Ele também destaca intensamente a figura do pregador, esteja ele sentado ou em pé.
No edifício estilo santuário há uma pequena mesa de comunhão usualmente localizada num plano inferior ao púlpito. A mesa de comunhão é tipicamente decorada com castiçais de metal, uma cruz e flores.
A despeito destas variações, toda arquitetura protestante produz o mesmo efeito estéril presente nas basílicas constantinianas, que continua preservando o abismo não bíblico entre o clero e o leigo, e encorajando a congregação a assumir um papel de espectador. O arranjo e o clima do edifício condiciona a congregação a uma postura de passividade. A plataforma do púlpito funciona como um palco e a congregação como um auditório. Em suma, a arquitetura cristã está congelada desde seu nascimento no século IV.
 Neste momento você pode estar pensando, “Mas quem liga para essas coisas? Dos cristãos do século I não terem edifícios de igrejas? Desses edifícios serem construídos com base em crenças e práticas pagãs? Dos católicos medievais basearem sua arquitetura na filosofia pagã? Que é que tudo isso tem a ver conosco hoje?”
No meu livro Repensando o Odre, eu explico que o local físico onde ocorre o encontro social da igreja expressa e influencia o caráter da igreja. Se você acha que o local onde a igreja se reúne é uma simples questão de conveniência, você está tragicamente errado. Você está negligenciando uma realidade básica da humanidade. Cada edifício onde nos reunimos exige uma resposta de nossa parte. Por seu interior e exterior ele nos mostra explicitamente o que a igreja é e como funciona. Nas palavras de Henri Lefebvre, “O espaço nunca está vazio; sempre encarna um significado”. Este princípio está encarnado no moto arquitetônico “o formato determina a função”. O formato do edifício reflete sua função particular.
A sociabilidade do local de reunião da igreja é um bom indício da compreensão da igreja acerca do propósito de Deus para com Seu Corpo. O local de uma igreja nos ensina como nos encontrarmos. Nos ensina o que é importante e o que não é. E nos ensina o que é aceitável dizer a um ao outro e o que não é.
Nós aprendemos estas lições do cenário ao qual nos juntamos — seja ele edifício de igreja ou lar privado. Estas lições não são de forma alguma “neutras”. Dirija-se até qualquer edifício de igreja e faça uma exegese de sua arquitetura. Pergunte a si mesmo o que é alto e o que é baixo. Pergunte a si mesmo o que está na fachada e o que está nos fundos. Pergunte a si mesmo de que forma e até que ponto é possível “ajustar” quando chegar o momento. Pergunte a si mesmo quão fácil ou difícil seria para um membro da igreja falar de onde está sentado de forma que todos possam vê-lo e ouvi-lo.
Se você olha para o aspecto do edifício da igreja e formula para si mesmo tais questões (e outras como estas), você compreenderá a razão da moderna igreja ter as características que tem. Se você formular este mesmo conjunto de questões com respeito a uma sala de estar, você terá um conjunto de respostas bem diferente. Você entenderá por que o fato de uma igreja se reunir em casas (o caso dos primeiros cristãos) foi fator determinante para seu caráter.
O local de reunião da igreja joga um papel crucial na vida da igreja. Não pode ser assumido como uma simples “incidental verdade histórica”. O local de reunião pode ensinar péssimas lições a pessoas boas e sinceras e pode também sufocar suas vidas. Chamar a atenção para a importância do local de reunião da igreja (casa ou edifício de igreja) ajuda-nos a compreender o tremendo poder de nosso ambiente social.
Ou melhor, o edifício da igreja é baseado na idéia estúpida de que o culto é algo qualitativamente diferente das coisas que fazemos em nossa vida cotidiana. As pessoas variam, naturalmente, no grau de ênfase que dão a essa disjunção. Alguns grupos têm alterado sua postura por causa desta ênfase que insiste que o culto pode apenas ocorrer em determinados tipos de espaço desenhados para que você tenha sentimentos diferentes daqueles que você tem na vida cotidiana.
A separação entre o culto e a vida cotidiana caracteriza a cristandade ocidental. O culto é visto como algo separado da estrutura da vida, como um produto a ser consumido. Séculos de arquitetura gótica têm nos ensinado mal sobre o que o culto realmente é. Poucas pessoas podem caminhar em uma poderosa catedral sem experimentar o poder do espaço.
A luz é indireta e suave. O teto é obscenamente alto. As cores são berrantes e ricas. O som propaga-se de uma forma específica. Todas estas coisas funcionam conjuntamente para dar-nos a sensação de temor e maravilha. Foram desenhadas para manipular o sentido e criar uma “atmosfera de veneração”.
Algumas tradições agregam fragrâncias a toda essa mistura. Mas os efeitos são sempre os mesmos: Nossos sentidos interagem com o espaço para produzir um estado particular de alma. Um estado de assombro, místico e transcendente que visa um escape da vida normal.
Nós, protestantes, jogamos fora alguns destes elementos e os substituímos com um tipo específico de música para alcançar o mesmo fim. Conseqüentemente, nos círculos protestantes, “bons” líderes de louvor são aqueles que conseguem usar a música para produzir aquele mesmo efeito que outras tradições lograram com o vasto espaço, o estado de espírito de venerabilidade. Mas tudo isto é alheio à vida do dia-a-dia. Sem mencionar que isso não é real. Jonathan Edwards corretamente indica que as emoções são passageiras e não podem ser usadas para mensurar o relacionamento de alguém com Deus.
Esta disjunção entre secular e espiritual é realçada quando o edifício de igreja típico faz com que você seja “processado” ao subir suas escadarias ou mover-se em seu interior. A razão disso é que você desloca-se da vida cotidiana para outra vida. Tal transição é requerida. Tudo isso fracassa no teste da segunda-feira. Não importa quão bom foi domingo, a segunda-feira pela manhã vem colocar nosso culto a prova.
Veja o coral vestindo a toga antes do começo do culto. Eles sorriem, fazem gracejos e brincam. Mas uma vez começado o culto, eles tornam-se pessoas diferentes. Não sorriem nem brincam. Esta separação falsa entre o secular e o sagrado... Esta “mística dos vitrais” de domingo pela manhã foge de enfrentar a verdade e a realidade.
Além disso, o edifício da igreja não é um lugar amistoso. É frio, incômodo e impessoal.  Não foi projetado para intimidade nem companheirismo. Na maioria dos edifícios das igrejas o assento consiste em bancos de madeira aparafusados no piso. Os bancos (ou cadeiras) são organizados em filas, todos voltados para o púlpito. O púlpito localiza-se sobre uma plataforma elevada onde o clero senta (vestígios da basílica romana).
A arquitetura da Igreja Protestante dirige todas as atenções para a pessoa que profere o sermão. O edifício se presta para que o púlpito domine a atividade. Assim, este restringe o funcionamento da congregação.
Este arranjo torna quase impossível aos adoradores verem suas faces mutuamente. Em vez disso, cria uma forma de adoração passiva que converte o cristão ativo em um “saco de batatas”.
Em outras palavras, tal arquitetura sugere que a única forma de comunhão entre Deus e Seu povo é via pastor! E apesar destes fatos, nós cristãos ainda acreditamos que o edifício é sagrado.
Certamente alguns dos leitores podem severamente contestar a idéia de que o edifício da igreja seja sagrado. Mas na maioria das vezes são traídos pelas próprias atitudes. Prestem atenção quando falam do edifício da Igreja. Vocês ainda o chamam de “igreja” e, às vezes, o chamam de “casa do Senhor”. O consenso geral entre os cristãos de todas as denominações é que “igreja é essencialmente um lugar separado para o culto”. Isto tem sido considerado verdadeiro pelos últimos 17 séculos. Constantino ainda vive e respira nas mentes da maioria dos cristãos de nossos dias.
A maioria dos cristãos vê equivocadamente o edifício da igreja como um elemento necessário ao culto. Assim, a questão financeira da construção e da manutenção torna-se inevitável.
O edifício eclesiástico demanda um grande desperdício de dinheiro. Apenas nos Estados Unidos os bens imóveis possuídos pelas igrejas institucionais hoje supera 230 bilhões de dólares. Despesas com construção, serviços e manutenção consomem cerca de 18% dos 11 bilhões dólares que são dizimados anualmente para as igrejas. A questão central é: Os cristãos modernos estão desperdiçando uma enorme quantidade de dinheiro com edifícios desnecessários!
Não há nenhuma boa razão para a existência do edifício eclesiástico. Na realidade, todas as razões tradicionais acerca da “necessidade” desse edifício caem por terra diante de uma cuidadosa análise. Tendemos a esquecer facilmente que os primeiros cristãos viraram o mundo de cabeça para baixo sem tais edifícios. A cristandade cresceu rapidamente por cerca de 300 anos sem a ajuda, ou melhor dizendo, sem o obstáculo desses edifícios.
Os que optam por reunir-se em casas em vez de edifícios eclesiásticos eliminam esses altos gastos gerais: O salário do pastor e o gasto do edifício. A diferença entre esse alto gasto e o de uma congregação caseira é brutal. Em vez de pessoal pago mais o “alto gasto” do edifício tragando como um sifão de 50 a 85 % do dinheiro arrecadado da comunidade, a congregação caseira poderia dedicar esse montante para outros serviços mais proveitosos como ministérios, missões locais e distantes.
O edifício é um obstáculo, não uma ajuda. É algo que rasga o coração da fé cristã — uma fé que nasceu das salas das casas. Cada domingo pela manhã você se senta em um salão com origens pagãs e construído sobre uma filosofia pagã.
Não existe a menor prova de base bíblica para o edifício da igreja. No entanto, você, precioso cristão, continua a pagar um bom dinheiro para santificar seu piso e seus tijolos. Fazendo isso, você apóia um palco artificial e um auditório onde você fica passivo e impedido de ser natural ou íntimo. (Mesmo que você usufrua um doce companheirismo no estacionamento lotado, este é silenciado quando você chega diante da porta e entra dentro do salão).
Não temos idéia do que perdemos enquanto cristãos quando criamos o edifício da igreja. Chegamos a ser vítimas de nosso passado. A tradição nos faz cair.
Fomos engendrados por Constantino que nos deu o privilégio de sermos donos de um edifício. Fomos cegados pelos romanos e gregos que nos impuseram suas basílicas hierarquicamente estruturadas. Fomos enganados pelos godos que nos impuseram sua arquitetura platônica. Fomos seqüestrados pelos egípcios e babilônicos que nos deram o campanário. E fomos fraudados pelos atenienses que nos impuseram suas colunas dóricas.
De alguma maneira fomos ensinados a nos sentir mais santos quando estamos na “Casa de Deus”. Herdamos uma dependência patológica de um edifício para adorar a Deus. Mas, na realidade, não há nada mais paralisante, artificial, impessoal, ou forçado que um edifício da igreja clínica. Em tal edifício, você não é nada mais que uma estatística — um nome em uma ficha para ser arquivada no escritório do pastor. Não há nada amistoso ou pessoal nisso.
Enfim, o edifício da igreja nos ensinou de uma maneira errada o significado da igreja e sua finalidade. O edifício é uma negação arquitetural do sacerdócio de todos os crentes. É uma contradição da verdadeira natureza da ekklesia — a qual é uma comunidade contracultural. O edifício impede nosso entendimento e experiência de que a Igreja é o Corpo funcional de Cristo que vive e respira sob sua direta direção sem intermediários.
Já é hora de nós, cristãos, despertarmos para o fato de que não estamos atuando bíblica e espiritualmente quando aceitamos e apoiamos os edifícios das igrejas. João Newton disse corretamente, “Não deixe aquele que adora sob uma haste condenar aquele que adora sob uma chaminé”. Gostaria de acrescentar uma pergunta a essa citação: Onde está a autoridade bíblica ou histórica do cristão que se reúne sob um campanário?
Que cristãos na era Apostólica erigiram casas especiais de culto, isso está fora de cogitação... O Salvador do mundo nasceu em um estábulo e subiu aos céus desde um monte. Seus Apóstolos e sucessores até o século III pregaram nas ruas, mercados, montes, barcos, sepulcros, cavernas, desertos e nas casas dos seus convertidos. Contudo, milhares de igrejas e capelas caras foram e continuam sendo construídas em todo mundo para honrar o Redentor crucificado que nos dias de sua humilhação não possuiu nenhum lugar onde repousar a cabeça!
            -Philip Schaff
 
Silvio Dutra Alves
Enviado por Silvio Dutra Alves em 28/12/2012
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