A Sede de Sangue de Saul – I Samuel 22
Como nós vimos no comentário do capítulo precedente, Davi havia se refugiado na caverna de Adulão, quando deixou a cidade de Nobe.
O presente capítulo 22º de I Samuel, que estaremos comentando, começa com Davi na citada caverna e que seus pais e irmãos vieram ter com ele naquele lugar (v. 1), e que se juntaram a ele todos os que estavam em aperto, todos os endividados e amargurados de espírito, cerca de quatrocentos homens, que deveriam também estar sob algum tipo de ameaça de Saul, assim como também o estava agora a família de Davi (v. 2).
E deste modo, ele começa o seu governo sobre os homens de Israel pelos injustiçados, desamparados, marginalizados.
Nisto ele é tipo de Jesus, que governa sobre os pecadores e especialmente sobre os que choram, sobre os perseguidos, sobre os que têm fome e sede de justiça.
Um rei segundo o coração de Deus não se isolará no conforto do seu palácio, de onde passará apenas a dar ordens tirânicas e autoritariamente, mas será alguém que estará junto do Seu povo, sofrendo e lutando juntamente com ele as batalhas contra o reino espiritual da maldade.
Era exatamente isto que Davi estava aprendendo das circunstâncias que estava vivendo.
Ele terá que se humilhar para prover segurança para os seus pais, e por isso teve que pedir a um rei de uma terra estrangeira, o rei de Moabe, que cuidasse deles, até que soubesse o que Deus viria a fazer da sua vida (v. 3, 4).
Nós vemos que o profeta Gade o acompanhava na ocasião do seu período de fuga (v. 5), o qual, provavelmente, por uma revelação divina aconselhou Davi a deixar a segurança da terra de Moabe, e que voltasse para a tribo de Judá, na qual ficava a sua cidade de Belém (v. 5). E atendendo às suas palavras, Davi se dirigiu para lá e foi se refugiar no bosque de Herete.
Saul estava acusando Davi injustamente de estar conspirando contra a sua vida e acusou o seu próprio filho Jônatas, quanto a ter feito uma aliança com Davi neste sentido.
Aos seus próprios olhos, a sua causa era justa, porque, afinal ele era o rei e havia sido ungido a mando de Deus para ser rei sobre todo Israel.
Como poderia o filho de Jessé se levantar contra ele daquela maneira? No entanto Davi sempre lhe fora leal, e aquela acusação não era procedente de modo nenhum.
Tal era a lealdade de Davi a Saul que o sacerdote Aimeleque testemunhou em favor dela na presença de Saul, com o risco de sua própria vida, e ele foi inteiramente verdadeiro quando lhe disse que nada sabia sobre o assunto de que Davi esta fugindo do rei, porque como vimos antes, Davi lhe havia mentindo que estava em missão secreta naquela região a mando de Saul.
Mas a verdade de Aimeleque soou aos ouvidos de Saul como uma mentira, em razão do grande ódio que ele vinha alimentando contra Davi, e considerou que todos os sacerdotes de Nobe estavam aliados a Davi na sua alegada conspiração contra ele.
Com isso, viria a cometer uma grande injustiça e transgressão, pois não somente ordenou a morte de todos os sacerdotes, e não somente matou oitenta e cinco deles, pelas mãos de Doegue, o edomita, tendo escapado apenas um, chamado Abiatar, filho de Aimeleque, que fugira e foi ter com Davi, como também matou à espada homens, mulheres, meninos e até mesmo crianças de peito, bois, jumentos e ovelhas daquela cidade.
O rei que deveria cuidar da segurança do povo do Senhor estava fazendo com grande injustiça, exatamente o oposto do que exigia o seu cargo.
Isto não ficaria sem a devida resposta da parte de Deus, pois os que matam de tal modo injusto, pela espada também serão mortos, como viria a ocorrer mais tarde com Saul, em razão do juízo que o Senhor determinara sobre ele.
Doegue não somente denunciou a Saul que Davi estivera em Nobe com os sacerdotes (v. 9), quando Saul se encontrava em sua cidade de Gibeá, na tribo de Benjamim, como também se encarregou de matar os oitenta e cinco sacerdotes, que compareceram à presença de Saul em Gibeá, quando os seus soldados israelitas se negaram a fazê-lo por temerem ao Senhor.
O temor que faltava ao rei foi achado nos seus servos.
Isto mostra que a sede de sangue de Saul não teria mais limites por causa do seu ódio a Davi, tanto que ele não se satisfez simplesmente em matar os sacerdotes, como também ordenou que suas tropas se dirigissem a Nobe, para fazer aquela grande assolação à cidade sacerdotal, a que já nós referimos anteriormente.
Os israelitas não somente se negaram a informar a Saul o paradeiro de Davi, como se negaram a matar os sacerdotes do Senhor.
Entretanto, um edomita fez a ambos porque aqueles que não conhecem o temor de Deus não têm as suas consciências perturbadas pelas injustiças que possam cometer, porque a falta do conhecimento do Senhor produz tal cauterização da consciência e dureza de coração.
Estes sacerdotes foram mortos por causa do pecado dos seus pais, porque todos eles eram da casa de Eli, sobre os quais Deus havia pronunciado um juízo, dizendo que todos os da sua casa viriam a ser mortos pela espada, e que não chegariam a envelhecer (I Sm 2.31-33; 3.11-13).
Assim, nós temos uma grande injustiça e impiedade de Saul ao fazer o que ele fez, mas Deus continuou justo ao permitir que tal acontecesse por causa deste juízo que havia sido pronunciado contra a grande impiedade que a casa de Eli praticou contra o ofício sacerdotal.
As consequências do pecado deles estava ainda alcançando os seus descendentes e familiares pertencentes à casa de Eleazar, de modo que todo Israel poderia entender o grande temor e reverência que devia ser prestado ao ofício sagrado do tabernáculo.
Quando Doegue denunciou Davi a Saul, ele escreveu as palavras do Salmo 52, que revelam a sua inteira confiança na justiça de Deus para livrá-lo e para trazer juízos sobre os ímpios que intentavam contra a sua vida.
Nós vemos que a providência divina inspirou tais palavras de Davi, sem que ele citasse o nome de Doegue, que foi quem inspirou na verdade a escrita deste Salmo, mas a verdade que ele contém é uma verdade universal e não apenas uma verdade relativa a uma só pessoa ímpia, no caso a de Doegue.
“1 Depois Davi, retirando-se desse lugar, escapou para a caverna de Adulão. Quando os seus irmãos e toda a casa de seu pai souberam disso, desceram ali para ter com ele.
2 Ajuntaram-se a ele todos os que se achavam em aperto, todos os endividados, e todos os amargurados de espírito; e ele se fez chefe deles; havia com ele cerca de quatrocentos homens.
3 Dali passou Davi para Mizpe de Moabe; e disse ao rei de Moabe: Deixa, peço-te, que meu pai e minha mãe fiquem convosco, até que eu saiba o que Deus há de fazer de mim.
4 E os deixou com o rei de Moabe; e ficaram com ele por todo o tempo que Davi esteve neste lugar seguro.
5 Disse o profeta Gade a Davi: Não fiques neste lugar seguro; sai, e entra na terra de Judá. Então Davi saiu, e foi para o bosque de Herete.
6 Ora, ouviu Saul que já havia notícias de Davi e dos homens que estavam com ele. Estava Saul em Gibeá, sentado debaixo da tamargueira, sobre o alto, e tinha na mão a sua lança, e todos os seus servos estavam com ele.
7 Então disse Saul a seus servos que estavam com ele: Ouvi, agora, benjamitas! Acaso o filho de Jessé vos dará a todos vós terras e vinhas, e far-vos-á a todos chefes de milhares e chefes de centenas,
8 para que todos vós tenhais conspirado contra mim, e não haja ninguém que me avise de ter meu filho, feito aliança com o filho de Jessé, e não haja ninguém dentre vós que se doa de mim, e me participe o ter meu filho sublevado meu servo contra mim, para me armar ciladas, como se vê neste dia?
9 Então respondeu Doegue, o edomita, que também estava com os servos de Saul, e disse: Vi o filho de Jessé chegar a Nobe, a Aimeleque, filho de Aitube;
10 o qual consultou por ele ao Senhor, e lhe deu mantimento, e lhe deu também a espada de Golias, o filisteu.
11 Então o rei mandou chamar a Aimeleque, o sacerdote, filho de Aitube, e a toda a casa de seu pai, isto é, aos sacerdotes que estavam em Nobe; e todos eles vieram ao rei.
12 E disse Saul: Ouve, filho de Aitube! E ele lhe disse: Eis-me aqui, senhor meu.
13 Então lhe perguntou Saul: Por que conspirastes contra mim, tu e o filho de Jessé, pois lhe deste pão e espada, e consultaste por ele a Deus, para que ele se levantasse contra mim a armar-me ciladas, como se vê neste dia?
14 Ao que respondeu Aimeleque ao rei dizendo: Quem há, entre todos os teus servos, tão fiel como Davi, o genro do rei, chefe da tua guarda, e honrado na tua casa?
15 Porventura é de hoje que comecei a consultar por ele a Deus? Longe de mim tal coisa! Não impute o rei coisa nenhuma a mim seu servo, nem a toda a casa de meu pai, pois o teu servo não soube nada de tudo isso, nem muito nem pouco.
16 O rei, porém, disse: Hás de morrer, Aimeleque, tu e toda a casa de teu pai.
17 E disse o rei aos da sua guarda que estavam com ele: Virai-vos, e matai os sacerdotes do Senhor, porque também a mão deles está com Davi, e porque sabiam que ele fugia e não mo fizeram saber. Mas os servos do rei não quiseram estender as suas mãos para arremeter contra os sacerdotes do Senhor.
18 Então disse o rei a Doegue: Vira-te e arremete contra os sacerdotes. Virou-se, então, Doegue, o edomita, e arremeteu contra os sacerdotes, e matou naquele dia oitenta e cinco homens que vestiam éfode de linho.
19 Também a Nobe, cidade desses sacerdotes, passou a fio de espada; homens e mulheres, meninos e criancinhas de peito, e até os bois, jumentos e ovelhas passou a fio de espada.
20 Todavia um dos filhos de Aimeleque, filho de Aitube, que se chamava Abiatar, escapou e fugiu para Davi.
21 E Abiatar anunciou a Davi que Saul tinha matado os sacerdotes do Senhor.
22 Então Davi disse a Abiatar: Bem sabia eu naquele dia que, estando ali Doegue, o edomita, não deixaria de o denunciar a Saul. Eu sou a causa da morte de todos os da casa de teu pai.
23 Fica comigo, não temas; porque quem procura a minha morte também procura a tua; comigo estarás em segurança.” (I Sm 22.1-23)