Legado Puritano
Quando a Piedade Tinha o Poder
Textos
 

O Verdadeiro Significado da Renúncia

 
“26 Se alguém vier a mim, e não aborrecer a pai e mãe, a mulher e filhos, a irmãos e irmãs, e ainda também à própria vida, não pode ser meu discípulo.
27 Quem não leva a sua cruz e não me segue, não pode ser meu discípulo...
33 Assim, pois, todo aquele dentre vós que não renuncia a tudo quanto possui, não pode ser meu discípulo.” (Lc 14.26, 27, 33).
 
O verdadeiro significado da renúncia cristã não diz respeito tanto ao que abandonamos e o esforço que realizamos, quanto por quem  o fazemos, a saber, se por nós mesmos ou por Cristo.
Este desapego às coisas que mais amamos, inclusive a nós mesmos, conforme nos é imposto pelo Senhor para segui-lO, é de caráter totalmente diferente das renúncias que as pessoas costumam fazer  para atingirem seus objetivos, porque elas o fazem por si mesmas e por aquilo que escolhem fazer, e não para Cristo, e segundo a Sua vontade divina.
O cristão é portanto chamado a se auto negar e carregar a cruz que mortificará o seu ego, para poder seguir verdadeiramente a Cristo, de maneira que possa dizer de fato que tem feito a vontade de Deus neste mundo, e não a sua própria vontade. 
Nós selecionamos apenas três versículos da porção de Lucas 14.25-35 nos quais Jesus expôs as condições exigidas por Ele para o discipulado, de maneira que aqueles que pretendem segui-lO fazendo a Sua vontade estejam plenamente instruídos quanto ao que será exigido deles para tal, de maneira que possam se armar do pensamento das coisas que terão que fazer e ao que terão que renunciar se pretenderem fazer de fato a vontade de Deus.
Todos os que pretenderem seguir a Cristo têm que contar com o pior, e se prepararem adequadamente.
É possível que muitos discípulos de Jesus pensassem que Ele lhes diria o seguinte: “Se qualquer homem vier a mim, e for meu discípulo, ele terá honras e riquezas em abundância neste mundo.”. Mas Ele lhes disse exatamente o contrário disto, e lhes revelou que deveriam se dispor a deixar tudo o que fosse querido a eles, e deveriam ser desmamados de tudo aquilo em que buscavam o seu conforto e segurança, e que teriam aflições.
Eles deveriam morrer para tudo aquilo que lhes desse conforto e segurança no mundo e morrerem inclusive para si mesmos, não mais vivendo para fazer a vontade do eu, de maneira que pudessem conhecer e praticar a vontade de Deus.      
Assim ninguém pode ser discípulo de Cristo se não estiver disposto a contrariar a vontade de seus familiares (v. 26) quando esta vontade entrar em competição com a de Deus. E não somente isto, deve estar disposto a contrariar a sua própria vontade e vida. Se não for sincero nisto e se não o fizer, não poderá ser constante e perseverante na obra de Deus, a não ser que ame mais a Cristo do que qualquer outra coisa neste mundo, e esteja disposto a se separar de tudo aquilo que ele possuir oferecendo-o como um sacrifício para Deus, de maneira que Cristo possa ser glorificado por esta nossa separação para nos consagrarmos inteiramente a Ele (tal como os mártires que não amaram as suas vidas diante da morte).
É somente quando nos separamos dos afetos que nos prendem a este mundo, que somos capacitados a servir melhor a Cristo. 
Assim Abraão se separou do próprio país dele, e Moisés da corte de faraó.
Não é feito nesta passagem de Lucas menção a casas e terras porque a filosofia ensinará a olhar para isto  com desprezo; mas o cristão considera isto de uma maneira bem mais elevada, por saber que tudo o que o homem amar seja em seu relacionamento com pessoas ou bens, se ele for um discípulo de Cristo, terá que amar menos estas coisas do que a Cristo, e estar disposto a se separar delas caso seja necessário para continuar seguindo ao Senhor.
Não que as pessoas que amamos devam ser em algum grau desprezadas, mas deve ser perdido o conforto e satisfação que achamos nelas para que somente Cristo seja todo o conforto e sustentáculo de nossas vidas. E é a este tipo de renúncia a que o Senhor se refere ao dizer que é necessário renunciar a tudo para ser seu discípulo, isto é, aqueles que pretendem segui-lo não podem ter a razão da sua esperança e conforto em qualquer coisa ou pessoa deste mundo, porque terão que aprender a depender inteiramente do Senhor porque Deus os provará muitas vezes vendo falhar ou faltar estes confortos, e não raro, mesmo aqueles que muito amamos e prezamos se levantarão contra nós quando perceberem a nossa plena disposição de nos consagrarmos inteiramente a Deus.
Quando nosso dever para com nossos pais entrar em competição com nosso dever evidente para Cristo, nós temos que dar a preferência a Cristo. Se nós tivermos que negar a Cristo para não sermos banidos por nossos parentes, nós temos que perder a companhia deles e permanecer fiéis a Cristo.
Todo homem ama a sua própria vida, mas nós não podemos ser discípulos de Cristo se nós não O amamos mais que nossas próprias vidas. A experiência dos prazeres da vida espiritual e a esperança da vida eterna farão com que esta dura declaração do Senhor se torne fácil. Quando a tribulação e a perseguição surgirem por causa da Palavra, então principalmente a tentação será superada se nós amarmos mais a Cristo.
A tentação constante de buscarmos a Deus para que Ele faça a nossa vontade, em vez de nos inteirarmos qual seja a vontade dEle para conosco, para que nos empenhemos em fazê-la, só pode ser tratada pela cruz, que imporá sua sentença de morte sobre os desejos carnais de nossa alma, de forma que sejamos conduzidos pelo Espírito Santo.
Há um grande equívoco em se pensar que uma grande fé é aquela que consegue obter coisas de Deus para própria e exclusiva conveniência pessoal. Mas, ao contrário uma fé verdadeira em exercício nos capacitará a renunciar a tudo e a fazer com amor e paciência perseverante a obra que Deus nos tem designado, enquanto descansamos na Sua promessa de suprir aquilo que nos for necessário.
Esta fé verdadeira em exercício fará muitas petições a Deus, mas somente daquilo que for da Sua vontade, para que possamos continuar a Seu serviço neste mundo, que não devemos amar, e do qual devemos estar desmamados.
A verdadeira fé nunca levará um cristão amadurecido e devidamente instruído a buscar o que seja da sua própria conveniência, mas somente aquilo que é aprovado e conveniente de ser pedido a Deus.
Ele saberá desfrutar o melhor desta vida, sem qualquer ascetismo, mas nada terá o domínio de sua vontade e coração, porque este domínio pertencerá ao Senhor, que sempre quer o melhor para nós.   
Os que são verdadeiramente discípulos de Cristo estão construindo uma torre que os aproxima cada vez mais das realidades do céu, e eles sabem que a construção desta torre lhes impõe o custo da mortificação dos seus pecados, da renúncia ao mundo e ao eu, e de tudo o mais que é necessário para permanecerem em sua obediência a Deus.
Eles são também como reis empenhados numa grande guerra contra os poderes das trevas, contra o pecado, e contra as tentações do mundo.
E a vitória nesta guerra lhes exigirá o custo da vigilância, da oração perseverante, de estarem equipados continuamente com toda a armadura de Deus, resistindo firmes na fé ao diabo, vivendo em sobriedade.
Enfim, o discipulado cobra o preço da consagração total a Deus, porque o homem de coração dobre não obterá nada do Senhor. Não se pode servir a dois senhores. Ou se serve a Deus ou às riquezas. Ao que é terreno ou ao que é celestial. Ao que é do Espírito Santo ou ao que é da carne. À luz ou às trevas. Não se pode ter um pouco de um e um pouco de outro nestas coisas citadas. Se tivermos um não teremos o outro. Porque onde estiver o nosso tesouro, ali estará também o nosso coração. Mas é comum que muitos se enganem pensando que estão seguindo a Cristo e fazendo uma obra verdadeira para Deus enquanto não renunciam a tudo quanto devem renunciar para que Cristo e somente Cristo seja o grande prazer e objetivo de suas vidas.     
A vida cristã é uma declaração de guerra contra o pecado, o diabo e o mundo, para que almas possam ser resgatadas das trevas para a luz de Jesus. E somente os que têm calculado o custo desta guerra e pago efetivamente o preço necessário poderão desfrutar das grandes vitórias que obterão pelo auxílio da graça do Senhor. 
Sem esta renúncia que é imposta aos discípulos de Cristo eles não poderão ter sal em si mesmos para preservar este mundo da corrupção, e salgarem a vida de muitos com o testemunho de suas próprias vidas. Sem renúncia o sal perde o sabor e quando isto acontece é lançado fora e será pisado pelos homens, porque terá perdido a sua função de salgar para preservar. Isto ensina de modo muito claro que o Senhor somente pode usar aqueles que estiverem consagrando efetivamente suas vidas. 
 
Silvio Dutra Alves
Enviado por Silvio Dutra Alves em 02/02/2013
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