Legado Puritano
Quando a Piedade Tinha o Poder
Textos
Interpretação da 2ª Petição da Oração do Pai Nosso – Parte 1
 
“Venha o teu reino.”  - Mateus 6.10
 
Tradução e adaptação realizadas pelo Pr Silvio Dutra, do original em inglês, de autoria de Thomas Watson, em domínio público, intitulado A Oração do Senhor.
 
Uma alma verdadeiramente dedicada a Deus se unirá a esta petição: “venha o teu reino.”.
Nestas palavras está incluído que Deus, nosso Pai, é um Rei, e é o Rei de toda a terra (Sl 47.7).
Ele é um Rei no Seu trono.
“Deus reina sobre os gentios; Deus se assenta sobre o trono da sua santidade.” (Sl 47.8).
“Assim diz o alto e sublime” (Isa 57.15). Ele tem as suas bandeiras de realeza e a sua espada afiada reluzente (Dt 32.41). Ele tem uma coroa e um cetro de retidão (Hb 1.8).
Como Rei que é Ele tem o poder de fazer leis, e conceder perdões que são as flores e jóias da Sua coroa.
Ele é o grande Rei acima de todos os deuses (Sl 95.3).
Ele é grande não somente pelos Seus grandes feitos mas pelo que é em Sua própria pessoa:
“Esconder-se-ia alguém em esconderijos, de modo que eu não o veja? diz o Senhor. Porventura não encho eu os céus e a terra? diz o Senhor.”  (Jer 23.24).
Ele é tão grande que nem o céu dos céus o pode conter (I Rs 8.27). A Sua grandeza é vista pelos efeitos do Seu poder. Ele fez o céu e a terra (Sl 124.8), e quem pode desfazer as Suas obras? 
“Ele ceifará o espírito dos príncipes; é tremendo para com os reis da terra.” (Sl 76.12).
Tudo Ele fez conforme lhe agradou (Sl 115.3).
Ele é um Rei glorioso.
“Quem é este Rei da Glória? O Senhor dos Exércitos, ele é o Rei da Glória.” (Sl 24.10).
A glória externa dos Seus feitos é o reflexo da Sua glória interna. “O Senhor reina; está vestido de majestade. O Senhor se revestiu e cingiu de poder; o mundo também está firmado, e não poderá vacilar.”  (Sl 93.1).
Deus está vestido com a Sua própria majestade; a própria essência gloriosa dele são suas vestes reais, e Ele se cingiu com força e prevalece pelo Seu próprio poder. Os reis têm os seus guardas para defender a pessoa deles, porque eles não podem se defender, mas Deus não necessita de nenhum guarda ou da ajuda de outros.
Assim, “quem pois no céu se pode igualar ao Senhor? Quem entre os filhos dos poderosos pode ser semelhante ao Senhor? (Sl 89.6).
Ele é o Rei dos reis (Apo 19.16). Ele tem o trono mais elevado e a coroa mais rica, e todos os domínios Lhe pertencem.
Embora Ele tenha muitos herdeiros, contudo jamais terá qualquer sucessor. Ele tem o Seu trono estabelecido onde nenhum outro trono pode ser colocado acima do seu. Ele rege sobre a vontade e sobre os afetos, e os anjos o servem, e todos os reis terrenos recebem as suas coroas através da concessão de poder deste grande Rei, porque nenhum poder há no mundo que não tenha sido dado do alto.
“15 Por mim reinam os reis e os príncipes decretam justiça.
16 Por mim governam príncipes e nobres; sim, todos os juízes da terra.”  (Pv 8.15,16).
Se Deus é tão grande Rei, e está assentado como Rei para sempre, não é nenhuma depreciação para nós o servirmos, ao contrário, servir a Deus é reinar, e é uma grande honra servir um rei. 
Teodósio dizia que era uma maior honra ser servo de Deus, que ser um imperador. É mais honroso servir a Deus do que ter os reis nos servindo. Felizes são aqueles que servem a Deus porque Ele fez deles também reis e sacerdotes para sempre (Apo 1.6).     
É considerado sabedoria política estar do lado mais forte. Se nós pertencemos ao Rei do céu, nós vamos estar do lado mais forte. O Rei da glória pode destruir com facilidade todos os seus adversários. Ele pode abater o orgulho deles, e deter a malícia deles. Aquela pedra cortada sem mãos (Dn 2.34) e que despedaçou o ídolo era um emblema, diz Agostinho, do poder monárquico de Cristo, conquistando e triunfando sobre os seus inimigos.
O Salmo segundo bem demonstra como o reino do Messias prevalece e está destinado a prevalecer completamente sobre os reis da terra.
Se servimos a um Deus tão glorioso que é um Rei cheio de poder e majestade, nós devemos então confiar totalmente nEle.
“Em ti confiarão os que conhecem o teu nome; porque tu, Senhor, nunca desamparaste os que te buscam.” (Sl 9.10). Confie sua alma em Suas mãos. Você não pode colocar esta jóia preciosa em mãos mais seguras.
Se o homem se levanta em guerra contra Deus e o Seu povo, o Senhor se levanta também como homem de guerra contra os seus adversários:
“O Senhor é homem de guerra; o Senhor é o seu nome.” (Ex 15.3).
Se Deus é um tão grande Rei nós devemos temê-lo. Especialmente o temor de transgredir as suas leis e mandamentos.
Aqueles que não temem a Deus por amor, virão a temê-lo pela dor, porque Ele manifestará sobre eles os seus juízos e castigos.
“Porventura não me temereis a mim? diz o Senhor; não temereis diante de mim, que pus a areia por limite ao mar, por ordenança eterna, que ele não traspassará? Ainda que se levantem as suas ondas, não prevalecerão; ainda que bramem, não a traspassarão.”  (Jer 5.22).
“Mas eu vos mostrarei a quem deveis temer; temei aquele que, depois de matar, tem poder para lançar no inferno; sim, vos digo, a esse temei.”  (Lc 12.5).
Temamos a Deus cujo trono está acima de todos os reis e poderosos, e que é o Todo Poderoso. Temamos o Rei cujo poder é infinito e cujo Reino jamais passará. Temamos este Rei cujos olhos são como chama de fogo (Apo 1.14).
O verdadeiro poder sobre vida e morte está nas mãos deste grande Rei.
Todos aqueles que se levantam contra este Rei serão lançados como uvas no lagar da Sua ira para serem esmagados.
Você tem andado no pecado desafiando o Rei do céu? Então faça depressa a sua paz com ele, submetendo-se à Sua vontade. Beije o Filho para que Ele não fique irado (Sl 2.12). Beije Cristo com um beijo de amor e obediência. Obedeça o Rei do céu quando Ele fala com você através dos Seus ministros e embaixadores (II Cor 5.20). Lutero dizia que obedecer a Deus é melhor que realizar milagres. Mas obedeça de boa vontade (Is 1.19), porque não há obediência verdadeira que não seja por amor e voluntária. Obedecer com alegria é mais doce que o mel dos favos. E que seja além de voluntária uma obediência rápida, isto é, devemos nos apressar para obedecer a Deus.
Mas este mesmo Rei que estabelece leis e condições para ser amado e obedecido, e que impõe santidade a todos os seus filhos como o principal dever deles, é o mesmo Rei que se levantará em favor deles e julgará sempre as suas causas e os protegerá. “Portanto, assim diz o Senhor: Eis que pleitearei a tua causa, e tomarei vingança por ti;  (Jer 51.36a).
“Verdadeiramente bom é Deus para com Israel, para com os limpos de coração.”  (Sl 73.1).
Coração purificado é a condição essencial para ser abençoado pelo Rei com a Sua bondade. Para estes, Ele é como uma parede de fogo ao redor deles (Zc 2.5) de maneira que nenhum mal lhes possa alcançar; ao contrário Ele os fará triunfar sobre o mal. O rosto do Senhor está voltado para a direção destes que praticam o que é justo, mas o seu rosto é contra aqueles que praticam males.
É certo que pela Sua bondade, e por causa do sangue derramado pelo Seu Filho, Ele livrou da ira vindoura todos aqueles que pela fé foram feitos Seus filhos (I Tes 1.10), mas o modo de ser abençoado por Ele neste mundo está associado à obediência que Lhe é devida, porque é de fato Senhor e Rei, e também julga o Seu povo (I Pe 4.17; I Cor 11.31,32).      
Deus sempre julga pelo padrão de exigência de conformação absoluta à Sua santidade, de maneira que Ele é um fogo consumidor para o pecado, onde quer que ele seja encontrado.
“1 O Senhor reina; regozije-se a terra; alegrem-se as muitas ilhas.
2 Nuvens e escuridão estão ao redor dele; justiça e juízo são a base do seu trono.
3 Um fogo vai adiante dele, e abrasa os seus inimigos em redor.”  (Sl 97.1-3).
Por isso Ele é para o Seu povo como o fogo do ourives, para purificá-los das escórias do pecado (Malaquias 3.2). 
Assim, Ele se levantará sempre para julgar a causa dos justos, mas contenderá contra todos aqueles que vivem na impiedade, ainda que alguns destes façam parte do Seu próprio povo. Ele sempre se oporá aos soberbos, mas concederá Sua graça aos que são humildes e contritos de coração, por causa dos seus pecados. 
Deus pode fazer com que os amigos do ímpio se levantem contra ele, mas pode também fazer com que os inimigos daqueles que O amam e guardam o Seus mandamentos celebrem a paz com eles (Pv 16.7).
Senaqueribe que se levantou em grande afronta contra Deus foi morto pelos seus dois filhos (II Rs 19.37).  Ele deixa tais pessoas sem a Sua proteção, de maneira que Ele permite que sejam destruídas por Satanás que é insaciável em seu desejo de roubar, matar e destruir, e que pode ser contido somente pela mão de Deus. Nisto os ímpios são mantidos em vida e não sabem que devem isto a Deus que não deixa sequer cair um só pássaro do céu sem a sua permissão, quanto mais as operações assassinas de Satanás.
Entretanto não há motivo para os ímpios se gabarem nisto, porque aqueles que não se ajuntam a Cristo, espalham-se como o pó, e não têm a garantia da permanente proteção de Deus, contra uma destruição definitiva e final por Satanás, tal como a que têm os cristãos, porque ainda que seja permitido ao diabo tirar-lhes a vida do corpo, no entanto reinarão com Cristo em glória.  
Qual é o significado do reino ao qual Cristo se refere quando diz, “Venha o teu reino.”?
Em primeiro lugar ele não está se referindo a um reino político ou terrestre.
Os apóstolos desejavam no princípio um reinado realmente temporal de Cristo (At 1.6). Mas Jesus disse que o reino dele não era deste mundo (João 18.36). De maneira que quando Jesus ensinou os seus discípulos a orarem “venha o teu reino” ele não quis se referir com isto a qualquer reino terrestre no qual ele reinaria aqui em pompa externa e esplendor. Não significa também o reino providencial de Deus no qual Ele rege sobre tudo (Sl 103.19), porque este reino é um reino já vindo. Deus exercita o reino da Sua providência no mundo. Ele rebaixa a alguns e eleva a outros (Sl 75.7). Ele abate o orgulhoso e exalta o humilde. O reino da Sua providência rege sobre todos e os reis nada mais fazem do que a Sua providência lhes permite e ordena (At 4.27,28). Assim, este reino da providência de Deus é um reino já vindo. 
Então qual é o significado da oração “venha o teu reino”? Este reino tem um significado duplo. Primeiro significa o reino da graça que Deus exercita nas consciências das pessoas do Seu povo. Quando nós oramos venha o teu reino nós estamos pedindo que o reino da graça seja estabelecido no nosso coração e que seja aumentado. Em segundo lugar, quando nós oramos venha o teu reino, nós estamos pedindo que Deus apresse a vinda do Seu reino de glória. Estes dois reinos de graça e de glória não diferem especificamente, mas gradualmente, isto é, eles não diferem em natureza, mas somente em graus. O reino da graça nada mais é do que o começo do reino da glória. O reino da graça é o da glória em semente, e o reino da glória é o da graça em flor. O reino da graça é a glória na alvorada, e o reino da glória é a graça na plenitude do dia.   
O reino da glória é a graça triunfante. Há uma conexão inseparável entre estes dois reinos.
Muitos aspiram pelo reino da glória, mas nunca se ocupam da graça; mas estes dois reinos estão unidos inseparavelmente por Deus e não podem ser tomados à parte. O reino da graça é que dá acesso ao reino da glória, e assim a primeira coisa insinuada nesta petição “venha o teu reino” é que nós estamos no reino das trevas. Nós oramos para que possamos ser tirados do reino das trevas. O estado da natureza é um reino de trevas onde se diz que o pecado reina (Rom 6.12). É chamado de poder das trevas (Col 1.13). 
O homem natural está de muitos modos no reino das trevas.
Primeiro ele está debaixo das trevas da ignorância do verdadeiro conhecimento de Deus. Em segundo lugar está nas trevas da corrupção que são manifestadas nas ações pecaminosas dele (Rom 13.12). O homem natural está também debaixo das trevas da miséria espiritual e exposto consequentemente à ira divina, sem que os homens estejam sensatos disto. 
Há um encanto e engano no reino das trevas de maneira que os homens amam as trevas no lugar da luz. Mas o homem acha conforto nas coisas terrestres? O homem natural pode ter prata e ouro, e toda sorte de bens, ele pode ter amigos para se encantar com eles, mas ele se acha no reino das trevas.  
 Assim devemos orar para que Deus nos tire deste reino de escuridão. O reino da graça de Deus não pode entrar em nossos corações até que sejamos tirados do reino das trevas (Col 1.13).  
Silvio Dutra Alves
Enviado por Silvio Dutra Alves em 07/02/2013
Comentários
Site do Escritor criado por Recanto das Letras