Interpretação da 2ª Petição da Oração do Pai Nosso – Parte 3
“Venha o teu reino.” - Mateus 6.10
Tradução e adaptação realizadas pelo Pr Silvio Dutra, do original em inglês, de autoria de Thomas Watson, em domínio público, intitulado A Oração do Senhor.
Agora, além de orar pelo reino da graça, nós oramos para que o reino da glória possa se apressar. E o que é este reino da glória? Quais são aos suas propriedades? No que ele excede todos os demais reinos? Quando este reino virá? Em que se apóia a certeza da sua vinda? E por que nós devemos orar para a sua vinda?
Primeiro este reino significa a condição gloriosa que os santos desfrutarão para sempre com Deus e com os anjos.
Este reino de glória significará a liberdade de todas as necessidades da natureza. Nós estamos nesta vida sujeitos a muitas necessidades, nós precisamos de comida, de roupas, de repouso, e de muitas outras coisas, mas no reino do céu não haverá nenhuma necessidade destas coisas. Nós não precisaremos destas muletas, e é bem melhor não necessitar de muletas do que tê-las. Que necessidade haverá de comida para corpos espirituais? (I Cor 15.44). Que necessidade teremos de sono onde não há noite?
No reino do céu nós seremos livrados das imperfeições da natureza. O nosso próprio conhecimento natural é imperfeito por causa da Queda. Há muitos nós duros na natureza que nós não podemos desatar facilmente. E nossa ignorância sempre será maior do que o nosso conhecimento.
Nosso conhecimento de Deus é imperfeito. Nós o conhecemos, mas em parte, apesar de termos recebido dEle tantas revelações (I Cor 13.9). Nós temos senão concepções obscuras sobre a Trindade, bem como não podemos compreender todo o poder, onisciência e glória de Deus. Mas quando a luz da glória começar a brilhar no horizonte divino, todas as sombras da ignorância serão dissipadas, e a nossa lâmpada brilhará intensamente com um conhecimento completo de Deus.
No céu não haverá nenhuma necessidade de se labutar pela glória, porque nós teremos a glória pela qual lutamos neste mundo.
Nós descansaremos das nossas obras (Apo 14.13). Assim como Deus descansou no sétimo dia depois de ter concluído a obra da criação, nós também descansaremos do nosso trabalho para a nossa santificação depois que ele tiver sido concluído.
No reino do céu nós seremos livrados completamente da corrupção original que é a raiz e causa de todo tipo de pecado presente. No reino do céu a fonte do pecado original será secada totalmente. E que tempo abençoado será este em que nunca mais entristeceremos o Espírito Santo com os nossos pecados.
No reino do céu nós estaremos completamente fora do alcance da tentação de Satanás, que ficará para sempre preso em cadeias.
No reino do céu nós estaremos para sempre livres de cuidados; de temores; e de todo tipo de dúvidas.
No reino do céu haverá unidade perfeita em amor entre todos os cristãos. Lá não haverá jamais qualquer divisão.
Nós não teremos falta de qualquer coisa no reino do céu, e teremos uma íntima comunhão com o próprio Deus que é um oceano inesgotável de toda a felicidade. Nós veremos Deus face a face (I Cor 13.12).
Além da visão gloriosa do Senhor Jesus em Seu corpo glorificado, nós veremos os anjos e os santos que partiram para a glória antes de nós, e que comunhão maravilhosa não será esta com os santos glorificados! A alegria procede da união e os santos estarão perfeitamente unidos pelos laços do amor de Cristo. Nós não podemos viver a plenitude desta unidade aqui na terra porque há muitas imperfeições, tentações e ataques do reino das trevas contra a unidade dos santos, mas no reino da glória do céu nada disto arranhará a perfeita unidade dos cristãos, e assim eles terão completa alegria. Tão importante e vital é esta união para a nossa alegria que nós somos exortados insistentemente na Palavra a lutar para preservar esta unidade no vínculo da paz. Por isso Satanás procura por todos os meios e modos dividir os cristãos, pois sabe que com isto consegue roubar a alegria deles no Senhor e uns com os outros. Mas no céu não pode haver mais nenhuma tristeza porque o coração dos santos glorificados estará cheio de santa alegria permanentemente.
Um reino insinua honra, e por isso os santos serão honrados no reino do céu recebendo coroas. E uma coroa é um sinal de poder real. E não seria honroso receber uma coroa depois de todas as nossas lutas contra o pecado e contra Satanás?
No reino do céu nós teremos um descanso abençoado, e toda agitação de espírito terá cessado. As ansiedades e perturbações de mente também cessarão.
A glória do reino do céu é sólida e significativa. A palavra hebraica para glória significa peso, para mostrar quão pesada e sólida é a glória do reino celestial. A glória do reino mundano é etérea e passageira.
Há uma certeza e uma infalibilidade do reino de glória porque Cristo disse que foi do agrado do Pai dar aos santos um reino (Lc 22.29); e este reino foi adquirido por preço, porque Cristo o comprou para nós com o Seu sangue (Hb 10.19). A cruz de Cristo é a chave do paraíso celestial; e o sangue de Cristo é a chave que abre os portões do céu. Se os santos pudessem perder o reino do céu, então Cristo também teria a sua compra e propriedade perdidas. Ele jamais desprezaria o duro trabalho da Sua alma para poder comprar tal propriedade (Is 53.11). Todo o Seu sofrimento na cruz teria sido vão. Então como isto é impossível de ocorrer, nós podemos ter a certeza da infalibilidade da vinda deste reino de glória.
Cristo orou para que os santos pudessem estar com Ele no seu reino (João 17.24). E se os santos não pudessem entrar neste reino divino a oração de Cristo seria frustrada. Mas isto não pode suceder porque Ele é o favorito do Pai, e sempre é atendido por Ele (João 11.42).
A certeza da vinda do reino de glória repousa também no fato de que Cristo ascendeu ao céu como precursor da nossa própria entrada. Ele subiu para que nós pudéssemos também subir para estar para sempre com Ele (João 14.2).
Os eleitos podem ter como certa a entrada deles no reino dos céus porque eles estão inseparavelmente unidos a Cristo como membros do Seu corpo. Os arminianos afirmam a possibilidade de uma pessoa justificada pela fé cair da graça e assim a sua união com Cristo seria dissolvida e o reino perdido; mas eu pergunto a eles se Cristo pode perder um membro do Seu corpo? Como ficaria este corpo sem alguns membros que foram planejados pelo Pai para estarem nele, de maneira que o corpo seja perfeito e não um aleijão? Por isso é afirmado na Palavra que todos os eleitos serão salvos e nenhum deles será perdido (João 6.37, 39; II Pe 3.9).
Nós temos que orar “venha o teu reino” porque Deus não fará com que ele venha sem oração. Este reino é muito precioso e nós devemos reconhecer o seu valor orando para que ele venha. Deus se agrada de que demos o devido valor ao que é verdadeiramente eterno, inabalável e glorioso. Nós devemos demonstrar que é sincera a nossa oração pela vinda do reino pelo nosso desejo de sermos livrados completamente do pecado e vivermos em perfeita e eterna santidade diante de Deus; e pelo nosso desejo de vê-lo face a face.
Nós devemos orar pela vinda do reino de glória porque será na sua manifestação que o reino do diabo será definitiva e completamente desfeito.
Moisés desejou ardentemente ver ainda que fosse somente um lampejo da glória de Deus, e como não desejaríamos ver a plenitude desta glória? Então devemos orar “venha o teu reino.”.
Ninguém deveria deixar de examinar o seu coração para saber se irá para o reino de glória depois da sua morte. O céu é chamado de um reino preparado (Mt 25.34). E como nós podemos saber que este reino está preparado para nós?
Nós podemos saber isto se nós estamos preparados para o reino.
Como isso pode ser conhecido?
Sendo pessoas santas. Um coração terrestre não está em nada ajustado para o céu, tal quanto um grão de terra está ajustado para ser uma estrela.
Seria um milagre achar uma pérola numa mina de ouro; e seria um grande milagre achar Cristo, a pérola de grande preço, num coração terrestre. Nós iríamos para o reino do céu?
Nós somos santos? Nossos pensamentos se ocupam com os interesses deste reino celestial?
Nós somos santos em nossos afetos? Nós fixamos nossos afetos no reino do céu? (Col 3.2). Se nós formos santos, nós menosprezamos todas as coisas aqui debaixo em comparação com o reino de Deus; nós veremos o mundo senão como uma bela prisão; e nós não estaremos satisfeitos em achar nossos corações acorrentados ao mundo, ainda que as correntes sejam feitas de ouro, porque os nossos corações estarão no céu, tal como o Senhor nos ensinou e ordenou.
Nós somos santos na nossa conversação? Nosso idioma é o da Canaã celestial? Há muitos que afirmam que irão para o reino do céu mas nada se vê na fala deles acerca das coisas deste reino, senão somente das que são do mundo.
Nós estamos em viagem para o céu e nunca falaremos das coisas do lugar para o qual estamos viajando? Nisto, muitos revelam que não pertencem ao céu porque do que o coração está cheio a boca fala. E o coração de muitos não está definitivamente nas coisas celestiais senão apenas nas que são deste mundo.
Nós trabalhamos em favor do reino do céu, empenhando-nos para ganhar almas para Cristo?
Nós somos santos que procuram imitar o seu Pai celestial? Nós buscamos a semelhança com Cristo?
Se nós formos santos nós podemos ter a certeza de que nós iremos para o reino do céu quando nós morrermos porque está assegurado que é pela evidência da santificação que nós podemos estar seguros de pertencer a Deus e de que veremos a Sua face (Hb 12.14).
Verdadeiramente há muita razão para que nós sejamos santos em nossos pensamentos, afetos e conversação, se nós considerarmos que o fim principal pelo qual Deus nos deu nossas almas, é para que pudéssemos ser participantes do reino do céu, e no céu tudo é puro e santo.
Se há um tal reino de glória esperando por nós, é então nosso dever aperfeiçoar a santidade com temor e tremor. E este temor não é um temor de desconfiança ou dúvida que desencoraja a alma, mas o santo temor de diligência que nos faz aplicados nas coisas espirituais, celestiais e divinas. Temor que faz com que os cristãos sonolentos sejam despertados e vigiem em todo o tempo. Com este temor nós perseveraremos e podemos ter em todo o tempo a certeza da garantia de possuirmos o reino pelo qual oramos “venha o teu reino.”.
Entretanto nunca devemos esquecer que o que garante a entrada neste reino celestial é a justiça que excede em muito a dos escribas e fariseus, isto é, a justiça do evangelho que é pela fé em Cristo. Sem isto, por mais gloriosa que possa ser a profissão religiosa de alguém como era a dos escribas e fariseus, no entanto este alguém estará muito longe do reino. Os escribas e fariseus sentavam-se na cadeira de Moisés, pois se apresentavam ao povo como os representantes legítimos da religião que Deus revelou a Moisés, e os judeus pensavam que se apenas duas pessoas fossem para o céu, uma seria o escriba e a outra o fariseu, mas Jesus revelou o quanto a justiça deles estava distante da única justiça que pode garantir a entrada no reino, porque não se baseava na justiça que é pela fé, mas na justiça das obras baseada na lei. Sem a cobertura do sangue de Jesus e sem nascer de novo do Espírito Santo ninguém pode ver o reino dos céus.
Assim um homem pode ser um cumpridor de ritos e ordenações e ainda não encontrar o reino. Um homem pode lamentar pelo pecado e ainda não achar o reino divino. Um homem pode ter bons desejos e ainda estar fora do reino.
Muitos pecadores desejam misericórdia, mas não graça; eles podem desejar a Cristo como Salvador, mas não como Santo e Senhor; eles desejam a Cristo apenas como uma ponte para conduzi-los ao céu.
Um homem pode abandonar os pecados de embriaguez, impureza e outros vícios e ainda estar fora do reino. Ele pode abandonar muitas formas de pecado, mas ainda não ter nenhuma luta contra o pecado em seu coração.
É possível que muitos deixem de praticar certos pecados por temerem o inferno, ou porque lhes traz vergonha e penúria, contudo ainda amam o pecado. E como se entregam a uma reforma parcial que não é operada pelo Espírito Santo, e não tendo a sua culpa cancelada pelo sangue de Cristo, eles perdem o reino de glória.
Todas as lágrimas no inferno não serão suficientes para lamentar a perda do reino do céu. Aqueles que perdem o reino divino, perdem a doce presença de Deus, e é somente na Sua presença que pode haver plenitude de alegria (Sl 1611).
Se Deus é a fonte de toda a felicidade, então, estar separado dEle, é a fonte de toda a miséria.
Os ímpios não lamentam a perda do reino da glória enquanto estão neste mundo porque não conhecem o seu verdadeiro valor. Mas isto será revelado a eles quando estiverem no inferno e então lamentarão, porque saberão que desprezaram uma pedra preciosa de infinito valor. Quando alguém perde um diamante sem saber que se tratava de uma pedra preciosa, não lamentará a perda, mas quando vier a conhecer o valor do que perdeu, certamente lamentará.
Os eleitos, que têm garantida a sua entrada no reino, não devem ser negligentes e indolentes nas ações e orações necessárias para apressar a vinda do reino de glória, porque se Deus não poupará aqueles que desprezaram o reino sujeitando-os a uma condenação eterna, a quantas dores não poderão ficar sujeitos os filhos de Deus que viverem de maneira contrária à Sua vontade, porque em vez de viverem pela fé na busca de uma vida frutífera, deixam-se vencer pela dureza de seus corações incrédulos e indolentes que desprezam a Canaã celestial e preferem voltar ao Egito de escravidão, incorrendo no mesmo erro dos israelitas dos dias de Moisés. Por isso a Palavra exorta os cristãos a não incorrerem no mesmo exemplo de desobediência, de modo a terem a plena certeza da entrada deles no descanso de Deus.
“Procuremos, pois, entrar naquele repouso, para que ninguém caia no mesmo exemplo de desobediência.” (Hb 4.11).
Pela fé em Cristo temos garantida a nossa entrada no reino de glória, mas importa viver de modo digno desta entrada que nos foi concedida, a saber, não na incredulidade, mas crescendo na fé, pela qual temos entrado no reino.
A incredulidade manteve Israel fora de Canaã. E a incredulidade mantém muitos do lado de fora do céu. A incredulidade é um inimigo da salvação, é o pior dos pecados, porque sussurra que temos vivido na terra sem o céu e que poderemos viver sem o céu depois de termos deixado este mundo. A incredulidade destrói a esperança, e impede que aguardemos pelo reino prometido. A incredulidade produz pensamentos contrários a Deus, e O apresenta como um Juiz severo, que desencoraja a alma de muitos por fazer exigências pesadas. Ninguém que ame viver na carne achará de fato a bondade, o amor e a doçura que se encontram em Deus, e o grande prazer em servi-lo. Os próprios cristãos carnais não podem suportar o alimento sólido de Deus, senão se alimentarem de leite. E isto não é para se admirar porque a carne luta contra o Espírito. A carne não tem prazer na Lei de Deus e não se sujeita a ela. Por isso se ordena a mortificação da carne para que se possa amar e servir a Deus. No final dos tempos, por causa da multiplicação da iniquidade que esfriará o amor a Deus de muitos, os cristãos carnais rejeitarão até mesmo o leite genuíno pelo qual deveriam obter crescimento até poderem se nutrir de alimento sólido (I Pe 2.2). A vontade de Deus será um fardo para eles, especialmente a ideia de que devem santificar as suas vidas purificando os seus corações pela fé no sangue de Jesus e pela aplicação da Palavra pelo Espírito Santo às suas vidas. E como rejeitarão o que é necessário para que a fé possa crescer e ser nutrida, alguns apostatarão da fé, e não somente negarão o Senhor como a Sua Palavra. Este será um golpe duro para o coração bondoso e amoroso do nosso Pai. Por isso os cristãos são alertados sobre o dever de se exortarem mutuamente à santidade, e isto deve ser intensificado quanto mais o tempo de consumação de todas as coisas se aproxima.
Jesus diz que o reino do céu é tomado por esforço, e que muitos tentarão entrar no reino mas não conseguirão, porque há critérios que foram estabelecidos por Deus para tal entrada, e se o homem não se sujeitar aos critérios de Deus, todo o seu esforço terá sido em vão.
Assim ninguém deve se gloriar na sua salvação a não ser que esteja de fato se santificando diariamente e cumprindo as condições estabelecidas por Deus para perseverar na prática da verdade (II Pe 1.5-10).
E a quase totalidade do esforço que se exige do cristão para entrar no reino consiste na fé em Cristo como seu redentor. Cristo pagou o preço para nos resgatar da escravidão do pecado, das trevas, e da maldição da lei. E é pela Sua graça, mediante nossa fé nEle, que o trabalho de regeneração e santificação do Espírito Santo é levado a efeito. Importa pois permanecermos em Cristo em todo o tempo, e isto se faz, como dissemos antes, pelo exercício constante da fé nos Seus méritos e obra. Enquanto caminharmos olhando para o autor e consumador da fé, tudo irá bem, e nada há que temer. Esta é a condição mesma da perseverança dos santos que lhes dará a certeza de entrada no reino, e daí se dizer que aquele que perseverar até o fim será salvo, porque todo cristão autêntico, todo verdadeiro filho de Deus perseverará na fé e se esforçará para crescer na graça e no conhecimento de Jesus. Deus ensina e ordena isto na Bíblia, para que ninguém erre o alvo ou viva em dúvidas quanto à certeza da sua entrada no reino de glória.