Interpretação da 4ª Petição da Oração do Pai Nosso – Parte 1
“O pão nosso de cada dia dá-nos hoje” – Mt 6.11
Tradução e adaptação realizadas pelo Pr Silvio Dutra, do original em inglês, de autoria de Thomas Watson, em domínio público, intitulado A Oração do Senhor.
Na oração do Senhor, primeiro nós oramos para que o nome de Deus seja santificado, depois para que venha o Seu reino, e somente depois disso nós oramos pelo pão diário. Isto indica que a glória de Deus deve vir antes da própria honra e necessidade do homem.
Cristo preferiu a glória do Pai antes da Sua própria como homem (João 8.49,50).
A glória de Deus é muito estimada por Ele; é a menina dos Seus olhos; tudo o que Lhe é precioso repousa nela. Deus jamais se separará da Sua glória e não a transferirá a outrem (Is 42.8). A Sua glória vale mais que o céu, tem mais valor que a salvação de todos os homens. Anjos caíram do seu estado original no céu; homens se perdem; reinos são dissolvidos, mas Deus jamais permitirá que qualquer parte da Sua glória seja perdida.
Se Deus atribui tão imensa estima à Sua glória, é então nosso dever tudo fazer para a Sua glória, e tê-la em elevada estima. Nós devemos preferir a glória de Deus antes mesmo das nossas próprias necessidades.
A nossa honra é uma jóia preciosa mas a glória de Deus deve ser mais estimada que a nossa própria honra. Nós devemos estar dispostos a ver a nossa honra pisada para que a glória de Deus possa ser mais elevada. Os apóstolos se alegraram por terem sido considerados dignos de sofrerem vergonha por causa do nome de Jesus (At 5.41). Nos é ordenado estimar mais a glória de Deus que os nossos próprios familiares (Lc 14.26).
Nós temos que estimar a glória de Deus muito além da estima que damos aos nossos bens terrenos (Hb 10.34), e até mesmo acima da nossa própria vida (Apo 12.2).
Agora nós temos diante de nós a petição que o Senhor nos ensinou: “O pão nosso de cada dia dá-nos hoje”. Esta petição consiste em resumo num reconhecimento de que a competência para atender nossas necessidades externas é concedida por Deus.
”...não me dês nem a pobreza nem a riqueza; mantém-me do pão da minha porção de costume;” (Pv 30.8).
Tudo vem de Deus; Ele faz o trigo crescer, e as ervas florescerem.
A petição “o pão nosso de cada dia dá-nos hoje” comprova a nossa indigência e que todos nós vivemos das esmolas e dons gratuitos de Deus. Tudo que há neste mundo vem da mão generosa de Deus. Nós não podemos ter além do que Ele dispõe no Seu celeiro.
Com este reconhecimento que tudo vem das mãos do Senhor, então nós temos que Lhe pedir toda a nossa provisão diária. Tudo o que nós tivermos se não vier através da oração não poderá ser recebido através do amor do Senhor e poderá vir a nós em ira assim como as codornizes foram dadas a Israel como resposta à murmuração deles.
Se pedimos e o recebemos como um dom, então não o merecemos. E se o dom é de Deus procedem muito mal aqueles que procuram suprir suas necessidades indo ao diabo fazendo um pacto com ele. É melhor padecer fome do que ter o diabo como nosso provedor.
Se tudo é um dom de Deus então não é uma dívida que Ele tem para conosco. E se tudo que recebemos de Deus é um dom, nós nada podemos dar a Ele que Ele próprio não tenha dado a nós (I Crôn 29.14).
Se nós damos esmolas a outros é porque Deus deu primeiro Suas esmolas a nós em tudo que providenciou no mundo para o nosso sustento e tendo permitido e nos dado sabedoria, saúde e todas as condições necessárias para obtê-lo e desfrutá-lo.
Não há nada em nós que nos recomende a merecer a bondade de Deus, contudo tal é a doçura da Sua natureza, que Ele nos dá uma rica provisão e nos alimenta com o melhor trigo. Ele nunca se cansa de nos prover com boas coisas. Deus se encanta em dar. Ele tem prazer na misericórdia (Mq 7.18). Deus dá boas coisas até mesmo aos Seus inimigos. Ele faz com que o orvalho da Sua generosidade caia até sobre os piores da humanidade. Deus dá o pão às bocas que se abrem contra Ele. Se tudo é um dom de Deus veja quão odiosa é a ingratidão dos homens que pecam contra o doador deles. Deus os alimenta e eles lutam contra Ele. Deus lhe dá o pão e eles lhe devolvem afrontas. Quão ingrato é isto!
“7 Como, vendo isto, te perdoaria? Teus filhos me deixam a mim e juram pelos que não são deuses; quando os fartei, então adulteraram, e em casa de meretrizes se ajuntaram em bandos.
8 Como cavalos bem fartos, levantam-se pela manhã, rinchando cada um à mulher do seu próximo.
9 Deixaria eu de castigar por estas coisas, diz o Senhor, ou não se vingaria a minha alma de uma nação como esta?” (Jer 5.7-9).
Oh, quão horrendo é pecar contra um Deus generoso. Ferir a mão que nos alimenta e alivia. Deus dá inteligência aos homens e eles a usam para servir ao diabo com ela. Ele lhes dá força e eles a desperdiçam com meretrizes. Ele lhes dá alimento e eles levantam o seu calcanhar contra Ele (Dt 32.15).
Mas quão perigoso é abusar da longanimidade, bondade e misericórdia de Deus. Os favores e as misericórdias reais de Deus serão um testemunho contra os tais. Esta misericórdia e favor acabarão se transformando em ira, assim como o óleo não pega fogo facilmente mas que sendo muito aquecido continuamente acaba se incendiando.
Se é o Senhor quem tudo nos dá, então sejamos gratos a Ele.
“O que dá mantimento a toda a carne; porque a sua benignidade dura para sempre.” (Sl 136.25).
“Antes te lembrarás do Senhor teu Deus, que ele é o que te dá força para adquirires riqueza; para confirmar a sua aliança, que jurou a teus pais, como se vê neste dia.” (Dt 8.18).
Nós devemos louvar ao Senhor pela provisão que nos faz não somente com nossos lábios, mas com os nossos bens.
“9 Honra ao Senhor com os teus bens, e com a primeira parte de todos os teus ganhos;
10 E se encherão os teus celeiros, e transbordarão de vinho os teus lagares.” (Pv 3.9,10).
Deus nos dá o pão e nós devemos gastar a força que nós recebemos da Sua provisão no Seu serviço. Isto é ser grato de modo prático, e para sermos gratos devemos ser humildes. O orgulho quebra a corrente da gratidão. Um homem orgulhoso nunca será grato porque pensa que é pela sua própria inteligência, força e méritos que ganha o seu pão. Ele não consegue enxergar que tudo é um dom de Deus, e sequer somos merecedores destes dons porque somos pecadores. Entretanto Ele os concede por causa da Sua grande misericórdia.
Assim, em face de tudo o que vimos, aprendemos que é correto orar por coisas temporais, porque somos ensinados a orar todos os dias para que recebamos o nosso pão das mãos de Deus. Entretanto há uma grande diferença entre orar por coisas temporais e coisas espirituais. Quando oramos por aquilo que é espiritual nós devemos ser absolutos, isto é, não devemos contar com nenhuma negação da parte de Deus, porque a Palavra nos garante a certeza de que receberemos a graça e o perdão de pecados que são necessários a nós. Mas quando oramos por coisas temporais, nossas orações devem ser limitadas, porque temos que orar condicionalmente, porque Deus somente nos dará o que for bom para nós. Há coisas que seriam armadilhas para afastar o nosso coração do Senhor, então devemos orar por estas coisas em submissão à vontade de Deus. O povo de Israel recebeu grandes castigos de Deus no deserto nos dias de Moisés porque pensavam que Ele estava obrigado a lhes dar as coisas temporais de modo absoluto (Nm 11.18), segundo o próprio desejo deles. Deus lhes deu o maná mas o paladar deles desejava muito mais; eles teriam que ter codornizes. Deus atendeu o desejo deles, mas tiveram que provar o gosto amargo das suas codornizes.
“29 Então comeram e se fartaram bem, pois ele lhes trouxe o que cobiçavam.
30 Não refrearam a sua cobiça. Ainda lhes estava a comida na boca,
31 quando a ira de Deus se levantou contra eles, e matou os mais fortes deles, e prostrou os escolhidos de Israel.” (Sl 78.29-31).
Nós temos portanto que orar pelas coisas temporais com submissão a Deus.
É uma boa norma, quando nós oramos pelas coisas que pertencem a esta vida, que nós desejemos coisas temporais para fins espirituais. Nós temos que buscar estas coisas como uma auxílio em nossa viagem para o céu.
Se nós oramos por saúde, nós podemos melhorar a nossa saúde para usar nossa vida para a glória de Deus, colocando-nos a Seu serviço. Se orarmos por prosperidade material que seja para um fim santo, de modo que fiquemos longe das tentações às quais a miséria nos expõe, e para que possamos ter uma melhor capacidade de semear as sementes de ouro da generosidade aliviando aqueles que estão em necessidade. Ana orou por um filho mas para poder dedicá-lo ao serviço de Deus (I Sm 1.11).
Muitos oram por coisas terrenas somente para satisfazerem os apetites dos seus sentidos (Tg 4.3). Nós devemos apontar para o céu quando oramos pelas coisas da terra.
Alguns oram por mais poder para que possam prevalecer contra os seus inimigos. Outros oram para aumentar suas posses para poderem encher de inveja os seus vizinhos. É uma vergonha e um descaramento orar a Deus para nos dar coisas temporais para que possamos servir melhor os interesses do diabo.
Se nós devemos orar por coisas temporais, quanto mais por coisas espirituais. Se nós devemos orar pelo pão terreno, quanto mais pelo pão vivo! Se por azeite, muito mais pelo azeite de alegria! Se para matar a nossa fome, muito mais para a salvação das nossas almas e para matar a fome e sede de justiça. Se Deus atendesse somente nossas orações por coisas materiais e nada mais, em que seríamos melhores? O que adianta ter comida e ter falta de graça?
Devemos então orar para que Deus não somente nos alimente, mas que também nos santifique; que nos dê antes um coração cheio de graça do que uma casa cheia de ouro.
A comida que dava alegria a Jesus era muito mais fazer a vontade do Seu Pai, do que o pão terreno que sustentava o seu corpo (João 4.32-34).
É por isso que Jesus disse ao diabo quando foi tentado por ele no deserto: “Nem só de pão viverá o homem, mas de toda palavra que sai da boca de Deus.” (Mt 4.4).
É óbvio que enquanto estiver neste mundo, o homem terá necessidade do pão material e por isso Jesus confirmou que até mesmo Ele, enquanto homem, participante da humanidade, por ter assumido a natureza humana, necessitava também do pão material.