Interpretação da 4ª Petição da Oração do Pai Nosso – Parte 2
“O pão nosso de cada dia dá-nos hoje” – Mt 6.11
Tradução e adaptação realizadas pelo Pr Silvio Dutra, do original em inglês, de autoria de Thomas Watson, em domínio público, intitulado A Oração do Senhor.
A oração modelar que o Senhor ensinou diz “o pão nosso dá-nos” e não “dá-me o meu pão”, e tudo o mais nesta oração está direcionado para o interesse público e não individual, porque o cristão é chamado a agir pelo interesse do corpo de Jesus em primeiro lugar que é a igreja, e depois pelos seus demais semelhantes, e não para alimentar desejos individuais egoístas. O homem não foi criado para viver estreitamente dentro dos interesses relativos à sua própria esfera, mas para ter um espírito público que o leve a se interessar pelas necessidades dos seus semelhantes.
Há pessoas que olham somente para si mesmas e não prestam atenção às necessidades de outros. Assim nunca intercedem por outros em suas orações. Se eles tiverem o seu pão diário não se importarão que outros estejam passando fome. Se eles estiverem vestidos, não se preocuparão com aqueles que estiverem nus. Cristo nos ensinou a orar por outros: “dá-nos”.
Oremos por outros e também por nós mesmos.
Aranhas trabalham apenas para elas, mas as abelhas para o bem de outros.
Alguém é tanto mais excelente quanto mais opera para o bem de outros. Quando mais um cristão for enobrecido com a graça, mas ele se dirigirá ao céu com suas orações em favor de outros.
Davi é um grande exemplo de espírito público em oração e ação porque o bem que Ele buscava em Deus era muito mais para o povo do Senhor do que para si próprio.
Davi estava interessado tanto na prosperidade espiritual quanto material de Israel, e de igual modo todo cristão deve estar interessado não somente no aumento da sua fé e dos seus irmãos em Cristo, como também pela comida deles, para que o Deus lhes dê o seu pão diário.
Jesus nos ensinou:
“Não vos inquieteis, pois, pelo dia de amanhã, porque o dia de amanhã cuidará de si mesmo. Basta a cada dia o seu mal.” (Mt 6.34).
E o apóstolo Tiago afirmou a incerteza do amanhã:
“Digo-vos que não sabeis o que acontecerá amanhã. Porque, que é a vossa vida? É um vapor que aparece por um pouco, e depois se desvanece.” (Tg 4.14).
Isto ensina que o nosso futuro está nas mãos de Deus. Se viveremos ou se morreremos está nas mãos do Senhor porque para nós o futuro é incerto, uma vez que somente Ele conhece e dirige o nosso futuro.
Esta realidade deve nortear as nossas expectativas e com elas as nossas orações, uma vez que não podemos viver senão um dia de cada vez, e assim nossas petições para o suprimento de nossas necessidades materiais e espirituais deve ser feito em cada dia para cada dia, porque o Senhor atenderá sempre nossas necessidades presentes; sem fazer qualquer garantia para uma provisão futura para nós neste mundo, porque não sabemos o que nos reservará o amanhã.
Se o padrão de Deus é a concessão de alimento em cada dia presente, então aquele que tem muitos bens e boa provisão para o futuro deveria dar muitas graças a Deus, porque o padrão de contentamento dEle para nós é que estejamos contentes se tivermos o alimento de hoje garantido, sem saber se o teremos no dia seguinte, tal como Israel dependia no deserto de confiar em Deus que o maná seria dado a eles em cada dia.
Há muitos que têm recebido de Deus bens que podem suprir-lhes por toda a sua vida, e isto mostra que Deus provedor em abundância que nós servimos. Ele diz que devemos estar contentes com a porção para um só dia, mas abre a Sua mão e nos provê para muitos dias. E se provar alguns de seus filhos até mesmo com falta de pão, não permitirá que isto seja por muito tempo (II Cor 11.27; Fp 4.12), porque tem garantido ao que é temente ao Seu nome e que anda de modo justo para com Ele de nunca deixar tal pessoa e a sua descendência mendigar o pão (Sl 37.25).
Nós oramos para que Deus nos supra com o nosso pão diário, mas geralmente Ele nos dá generosamente muito mais do que aquilo que pedimos (Ef 3.20).
Na oração modelar que nos ensinou o Senhor apenas nos ensinou que devemos pedir o nosso pão a Deus, e com isto reconhecer que tudo o que temos provém dEle, mas não ensinou aqui o modo de obtê-lo. O maná foi dado a Israel sem que eles trabalhassem por ele no deserto porque estavam vivendo numa circunstância excepcional, tal como Elias quando foi alimentado miraculosamente por Deus através dos corvos e da viúva de Sarepta. Mas em circunstâncias normais que é o modo geral da vida, devemos trabalhar diligentemente para obter o nosso pão, e isto foi ensinado pelo Senhor e pelos apóstolos em outras passagens da Bíblia.
“11 Porquanto ouvimos que alguns entre vós andam desordenadamente, não trabalhando, antes fazendo coisas vãs.
12 A esses tais, porém, mandamos, e exortamos por nosso Senhor Jesus Cristo, que, trabalhando com sossego, comam o seu próprio pão.” (II Tes 3.11,12).
A oração do Senhor diz “pão nosso” porque deve ser obtido por nós, com o nosso trabalho, e não por furtá-lo de outros, porque certamente este pão não nos pertence, e não se pode dizer dele que seja nosso. De igual modo o pão que ganhamos de outros enquanto nos mantemos inativos, ociosos, porque não somos dignos deste pão, e muito menos o pão que é obtido mediante violência sob a forma de fraude, extorsão ou qualquer outra maneira violenta. Nada disso será o nosso pão pelo qual devemos orar e trabalhar.
Aquele que vive à custa de outros sem nada fazer por eles, que se recusa a trabalhar, não pode orar “o pão nosso”, por motivos óbvios.
A palavra para “pão” do nosso texto é artos no original grego e é usada em várias outras passagens sempre com o significado do pão material.
Muitos indagam por que Jesus não ensinou a orar pedindo pelo alimento espiritual em vez do pão material nesta oração modelar, apesar de ter ensinado isto em outras passagens dos Evangelhos? No entanto é importante reconhecer que ao fazê-lo Ele demonstrou que as necessidades materiais são atendidas a partir do céu pela provisão de Deus. Ele mostrou que nada está fora do alcance da provisão divina, e portanto é nosso dever fixar nossa atenção no Senhor inclusive para a nossa provisão material. É muito comum que os homens estejam naturalmente mais ocupados com as questões de suas necessidades terrenas do que com as suas necessidades espirituais, e Jesus nos ensinou que estas necessidades terrenas não podem ser consideradas à parte do reconhecimento que devemos pedi-las a Deus e sermos gratos a Ele por provê-las a nós. A falta deste reconhecimento será devidamente considerada no juízo, especialmente pela falta de um emprego generoso e segundo a vontade de Deus em relação a estes bens terrenos, especialmente para o atendimento da necessidade de outros:
“41 Então dirá também aos que estiverem à sua esquerda: Apartai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno, preparado para o diabo e seus anjos;
42 Porque tive fome, e não me destes de comer; tive sede, e não me destes de beber;
43 Sendo estrangeiro, não me recolhestes; estando nu, não me vestistes; e enfermo, e na prisão, não me visitastes.” (Mt 25.41-43).
De maneira que a nossa espiritualidade é comprovada particularmente pelo uso correto dos bens materiais para atender as necessidades do nosso próximo.
“Comunicai com os santos nas suas necessidades, segui a hospitalidade;” (Rom 12.13).
“Porque a administração deste serviço, não só supre as necessidades dos santos, mas também é abundante em muitas graças, que se dão a Deus.” (II Cor 9.12).
“Mas, se alguém não tem cuidado dos seus, e principalmente dos da sua família, negou a fé, e é pior do que o infiel.” (I Tim 5.8).
“Então, enquanto temos tempo, façamos bem a todos, mas principalmente aos domésticos da fé.” (Gál 6.10).
Se nós temos bens suficientes para atender as necessidades de outros e fechamos o nosso coração, pecamos.
Mas se não temos o suficiente para compartilhar com outros, Deus não nos cobrará isto em juízo, porque Ele não exige que demos aquilo que nós não temos. Ninguém deve portanto se endividar a pretexto de estar vivendo por fé, ainda que esta dívida seja para beneficiar a outros. O padrão bíblico é de que a ninguém devamos nada, senão somente o amor, de modo que o nome do Senhor não seja infamado.
“11 Agora, porém, completai também o já começado, para que, assim como houve a prontidão de vontade, haja também o cumprimento, segundo o que tendes.
12 Porque, se há prontidão de vontade, será aceita segundo o que qualquer tem, e não segundo o que não tem.” (II Cor 8.11,12).
Devemos também considerar a questão do contentamento com a provisão que tivermos recebido de Deus, seja ela pequena ou grande:
“Tendo, porém, sustento, e com que nos cobrirmos, estejamos com isso contentes.” (I Tim 6.8).
O padrão de contentamento bíblico é confirmado portanto pela simples provisão do pão diário. Segundo a vontade de Deus não há base para que qualquer cristão ensine que deve haver contentamento somente quando houver grande provisão da parte de Deus para nós. Pois a Sua Palavra, que é a verdade, nos ensina claramente que devemos estar satisfeitos caso seja apenas atendida a simples provisão do nosso alimento diário. Entretanto, como já vimos antes, Deus é abundantemente generoso em nos dar muito mais do que Lhe pedimos, mas se isto vem a faltar não temos motivo para estar insatisfeitos porque o Senhor tem nos ensinado a orar pela provisão do alimento necessário para cada dia, de maneira que não teremos razão para estar insatisfeitos se isto não vier a nos faltar. E quando isto ocorrer, por qualquer motivo, a insatisfação com a presente condição não significa direito para murmuração ou reclamar de Deus, mas continuar orando para que seja suprida a nossa provisão diária.
Outro aspecto a considerar é a administração dos bens que temos recebido de Deus, porque não devemos gastar além das nossas posses. Se vivermos fora das nossas possibilidades jamais teremos razão em protestar diante de Deus que Ele tem sido infiel em prover as nossas necessidades. Mas quantos cristãos não têm vivido deste modo para a própria vergonha deles e para dar ocasião que o cuidado de Deus pelos Seus filhos seja injustamente blasfemado! Deus não se obrigou a atender as necessidades que o mundo moderno criou e nem os apelos que são feitos pela mídia para que se consuma desenfreadamente bens e serviços. Deus garantiu a nossa provisão estritamente necessária para a manutenção da vida e não os nosso luxos.
Consideremos também que há muita inquietação nas riquezas especialmente para a obtenção delas. Muitos colocam nisto inteiramente todo o seu interesse, tempo e trabalho e pouco se ocupam com as coisas que são do interesse do Senhor. E estes também prestarão contas em juízo por mais trabalhadores que tenham sido, porque o fizeram para si mesmos para atender aos seus desejos egoístas. A Bíblia também ensina claramente quando ao perigo que há neste modo de vida para acumular riquezas neste mundo, e a oração que nos lembra que devemos orar simplesmente pela nossa provisão diária muito nos ajudaria a fugir deste laço no qual muitos têm caído:
“9 Mas os que querem ser ricos caem em tentação, e em laço, e em muitas concupiscências loucas e nocivas, que submergem os homens na perdição e ruína.
10 Porque o amor ao dinheiro é a raiz de toda a espécie de males; e nessa cobiça alguns se desviaram da fé, e se traspassaram a si mesmos com muitas dores.” (I Tim 6.9,10).
“19 Não ajunteis tesouros na terra, onde a traça e a ferrugem tudo consomem, e onde os ladrões minam e roubam;
20 Mas ajuntai tesouros no céu, onde nem a traça nem a ferrugem consomem, e onde os ladrões não minam nem roubam.” (Mt 6.19,20).
“E disse-lhes: Acautelai-vos e guardai-vos da avareza; porque a vida de qualquer não consiste na abundância do que possui~” (Lc 12.15).
Sem esta total disponibilidade para ser usado por Deus nunca haveria missionários em campos em que as condições de vida são em extremo difíceis.
“33 Vendei o que tendes, e dai esmolas. Fazei para vós bolsas que não se envelheçam; tesouro nos céus que nunca acabe, aonde não chega ladrão e a traça não rói.
34 Porque, onde estiver o vosso tesouro, ali estará também o vosso coração.” (Lc 12.33,34).