Interpretação da 5ª Petição da Oração do Pai Nosso – Parte 3
“e perdoa-nos as nossas dívidas, assim como nós também temos perdoado aos nossos devedores;” – Mt 6.12
Tradução e adaptação realizadas pelo Pr Silvio Dutra, do original em inglês, de autoria de Thomas Watson, em domínio público, intitulado A Oração do Senhor.
Na oração do Pai Nosso Jesus nos ensinou a pedir o perdão a Deus, mas em outras passagens da Palavra nós somos ensinados quanto ao modo de fazê-lo. Nós vemos que não é apenas com um pedido verbal que se alcança o perdão, mas com as atitudes que são necessárias e ensinadas pelo Senhor na Bíblia. Daí na própria sequência da petição do perdão na oração do Pai Nosso, Jesus ensinou também a necessidade de se pedir a Deus que não nos deixe cair em tentação e que nos livre do mal, porque é fazendo frente efetiva contra toda forma de tentação e de mal que se alcança o perdão gratuito de Deus.
Isto é ensinado pela própria natureza, porque como poderia um rei perdoar um rebelde que continua em hostilidade aberta contra ele? Como Deus perdoaria os nossos pecados vendo em nós uma franca disposição para continuar na prática deles? Como Ele se deixaria enganar? Ele tudo sabe e vê. Ele é onipotente, onisciente e onipresente.
O arrependimento aponta portanto para Deus assim como a agulha da bússola aponta para o Norte.
O filho pródigo não somente deixou as meretrizes como também voltou para o seu pai.
Assim o arrependimento vem antes do perdão, e aquele que nunca se arrependeu não pode ter uma base segura para esperar que os seus pecados sejam perdoados.
Não que o arrependimento mereça e seja a base para o perdão do pecado. Porque sabemos fartamente que esta base e mérito são exclusivos de Jesus, do sangue que Ele derramou para nos lavar das nossas iniquidades. Mas o arrependimento é uma condição, tanto quanto o perdão dos nossos devedores é uma outra condição para o perdão dos nossos pecados, conforme já comentamos anteriormente.
O ensino de nosso texto de Mt 6.12 sobre o dever de buscarmos o perdão de Deus ao mesmo tempo que devemos perdoar os nossos devedores está vinculado não somente a Mt 6.13 que contém a conclusão da oração do Pai Nosso em que devemos pedir a Deus para não nos deixar cair em tentação e livrar-nos do mal, como também aos versículos 14 e 15 que lhe seguem imediatamente. Em Mt 6.14,15 Jesus ensina diretamente que o perdão de nossos pecados por Deus é dependente da condição do nosso perdão efetivo dos nossos devedores.
Não adianta portanto uma pessoa ficar apenas chorando pelos seus pecados e por causa da vergonha e dores que está sentindo por causa destes pecados. Ela não poderá experimentar o perdão e o favor de Deus caso não os confesse, e que também abandone a prática de toda forma de pecado e erro, e se disponha a fazer a vontade de Deus, praticando aquilo que é justo, conforme nos tem revelado na Sua Palavra.
Há muitos que estão chorando, inclusive cristãos, mas que não podem ser ajudados por Deus porque não estão confessando as suas culpas (admitindo que estão errados) e mudando a direção de suas vidas, das trevas para a luz; do erro para Deus.
Mas se ocorrer um efetivo retorno para Deus Ele perdoará os pecados conforme tem prometido:
“16 Lavai-vos, purificai-vos; tirai de diante dos meus olhos a maldade dos vossos atos; cessai de fazer o mal;
17 aprendei a fazer o bem; buscai a justiça, acabai com a opressão, fazei justiça ao órfão, defendei a causa da viúva.
18 Vinde, pois, e arrazoemos, diz o Senhor: ainda que os vossos pecados são como a escarlata, eles se tornarão brancos como a neve; ainda que são vermelhos como o carmesim, tornar-se-ão como a lã.” (Is 1.16-18).
“Desfaço as tuas transgressões como a névoa e os teus pecados, como a nuvem; torna-te para mim, porque eu te remi.” (Is 44.22).
Assim ao afirmarmos a gloriosa graça que há no sangue de Jesus para o perdão dos pecados, não podemos esquecer que a Palavra ensina direta e claramente que há condições para que este perdão seja efetivo.
Deste modo, não é somente a fé no sangue que trará o perdão, mas a conjunção da fé com o arrependimento, porque Deus os tem unido inseparavelmente, de modo que não há verdadeira fé onde não há arrependimento, e nem verdadeiro arrependimento onde não haja fé. Não esqueçamos portanto que há condições, e uma destas condições é o perdão dos nossos devedores, e uma outra importante condição é o arrependimento, e nós vimos que um arrependimento verdadeiro é composto de três componentes: contrição, confissão e conversão.
Não podemos tornar o perdão mais gratuito do que Deus tem estabelecido. Não podemos ficar aquém do que Ele tem exigido. Não podemos baratear a graça, porque Deus é um Deus bondoso, mas criterioso.
Ninguém diga portanto que basta confiar em Jesus e nada mais para que alguém seja perdoado e aceito por Deus. O modo de se demonstrar a nossa confiança em Jesus inclui um necessário arrependimento, por isso Ele pregava a fé mas não sem o arrependimento.
“e dizendo: O tempo está cumprido, e é chegado o reino de Deus. Arrependei-vos, e crede no evangelho.” (Mc 1.15).
Se houver arrependimento e fé Deus fará de pecadores quebrados vasos de ouro de misericórdia para serem usados de modo honroso por Ele. Então nunca nos contentemos com um arrependimento superficial, mas com um que seja verdadeiro, porque há grande galardão para os que se arrependem continuamente dos seus pecados para consagrarem suas vidas a Deus.
“19 Todavia o firme fundamento de Deus permanece, tendo este selo: O Senhor conhece os seus, e: Aparte-se da injustiça todo aquele que profere o nome do Senhor.
20 Ora, numa grande casa, não somente há vasos de ouro e de prata, mas também de madeira e de barro; e uns, na verdade, para uso honroso, outros, porém, para uso desonroso.
21 Se, pois, alguém se purificar destas coisas, será vaso para honra, santificado e útil ao Senhor, preparado para toda boa obra.” (II Tim 2.19-21).
Devemos também saber a diferença que há entre o perdão total dos nossos pecados passados (Jer 33.8; Col 2.13) que praticamos antes do nosso encontro pessoal com Cristo, e o perdão dos nossos pecados presentes, que apesar de serem cobertos pelo mesmo sangue que cobriu os nossos pecados passados, demandam o exercício contínuo de fé e arrependimento para serem perdoados. Nós não seremos condenados por causa destes pecados ao fogo eterno, mas Deus nos corrigirá se não nos examinarmos de modo a confessá-los e deixá-los. Muitos se privam da graça de Jesus por ignorância quanto à aplicação da graça, porque pensam que por estarem na graça podem viver de modo desordenado e pecaminoso, considerando que todos os seus pecados já estão perdoados. Se assim fora, porque seria exigido que o cristão examine-se a si mesmo? (I Cor 11.28-32).
Se os pecados presentes já estão perdoados por que então se ordena que oremos pelo perdão de pecados? (I João 2.1; Mt 6.12). Que necessidade teríamos de um Advogado junto ao Pai se os pecados presentes e futuros já estão perdoados?
Tenhamos fé que o sangue de Cristo é o suficiente para o perdão dos nossos pecados, como causa e base na qual eles são perdoados. Mas não esqueçamos que há condições estabelecidas pelo próprio Deus para que sejamos beneficiados por este sangue, isto é, que ele seja de fato eficaz e operante no perdão real dos nossos pecados, e já vimos e repetimos que a principal condição é o arrependimento, e já mostrarmos fartamente que não há arrependimento sem conversão, isto é, abandono do pecado, e busca real da presença de Deus fazendo a Sua vontade.
Traduzindo isto em termos práticos poderíamos citar alguns exemplos como os que destacamos a seguir:
1 – Quê adianta alguém dizer que se arrependeu do pecado e não perdoa os seus devedores?
2 – Há arrependimento verdadeiro quando se pede a Deus para perdoar os nossos pecados e continuamos fazendo aquilo que nos é proibido pela Sua Palavra, ou então não fazendo o que nos é ordenado nela?
3 – Que arrependimento houve quando não vivemos por fé e sim por vista? Quando amamos o mundo e rejeitamos a santidade de Deus?
4 – Como podemos esperar o perdão dos nossos pecados por Deus se não compartilhamos as necessidades dos santos, se não intercedemos por eles, se não temos qualquer compromisso com a obra do Senhor e não nos importamos em dar o fruto de justiça esperado por Ele, por um andar no Espírito?
Assim a fé que salva e perdoa é sobretudo fé em tudo aquilo que a boca do Senhor tem proferido na Sua Palavra. Que fé é esta que proclama confiança em Cristo mas não se dispõe a praticar a Palavra de Deus e honrá-la? Não é a mesma fé dos demônios? Como pode alguém esperar ser salvo e perdoado com uma fé como esta?
Esta não é a fé no Cristo da Bíblia, porque Ele mesmo definiu a fé nEle como cumprimento dos Seus mandamentos colocando-nos debaixo do Seu senhorio.
“Nem todo o que me diz: Senhor, Senhor! entrará no reino dos céus, mas aquele que faz a vontade de meu Pai, que está nos céus.” (Mt 7.21).
Crer em Cristo é concordar com as condições que Ele tem estabelecido na Sua Palavra.
Aquele que não crê em Cristo deste modo não pode ser beneficiado pelo Seu sangue. Não pode ter parte com Ele.
“Se vós permanecerdes em mim, e as minhas palavras permanecerem em vós, pedi o que quiserdes, e vos será feito.” (João 15.7).
Não há nenhum perdão que não seja precedido por este tipo de fé genuína em Cristo. Daí a grande importância de se conhecer e praticar a Palavra.
“E sede cumpridores da palavra e não somente ouvintes, enganando-vos a vós mesmos.” (Tg 1.22).
Mas é importante também saber diferenciar entre justificação e santificação, porque quando falamos de perdão de pecados passados estamos falando de justificação, e quando falamos de perdão de pecados presentes e futuros estamos falando de santificação, e há grande diferença entre ambas.
A justificação não depende de arrependimento de pecados presentes que venhamos a praticar porque é imputada quando nos unimos a Cristo, isto é, quando Ele passou a ser o Salvador das nossas vidas; quando nos tornamos cristãos. A justificação é imputada pela fé em Cristo e nada mais. E é simultaneamente acompanhada pela regeneração do Espírito Santo que nos torna novas criaturas, operando uma grande purificação de pecados. Neste dia do nosso novo nascimento, todos os nossos pecados passados foram perdoados. Mas daí em diante, nós teremos que viver também pela base de uma justiça que nos é implantada na santificação. E esta é gradual, progressiva. De modo que um cristão pode ser mais santificado do que outro, mas não ser mais justificado do que outro. Um cristão pode ter mais graça do que outro na santificação, mas não ser mais cristão do que outro, porque a justificação está completa, é um ato perfeito, porque nela os cristãos receberam a justiça de Cristo. Mas a santificação é sempre imperfeita, e há manchas em todos os filhos de Deus. As nossas graças estão misturadas com as escórias de pecados e a execução dos nossos deveres é imperfeita.
Se Deus nos perdoasse e não nos santificasse, Ele não poderia receber qualquer glória de nós. Que glória Deus poderia receber de um coração orgulhoso, ignorante, profano?
Se Deus não santificasse o cristão, haveria pecado e mancha no céu, mas lá não pode entrar qualquer mancha ou pecado (Apo 21.27).
Assim, aqueles a quem Deus perdoa, Ele transforma. Deste modo ninguém diga que os seus pecados foram e estão sendo perdoados sem que haja um trabalho de santidade no interior do seu coração.
Onde Deus remove o pecado, Ele imputa justiça.
E isto é feito individualmente e não coletivamente. Há necessidade que cada pessoa assuma a responsabilidade pelos seus pecados diante de Deus, porque o texto diz “perdoa as nossas dívidas” e isto revela que não somos castigados pelos pecados de outras pessoas, mas pelo nosso próprio pecado.
“Eu, o Senhor, esquadrinho a mente, eu provo o coração; e isso para dar a cada um segundo os seus caminhos e segundo o fruto das suas ações.” (Jer 17.10).
“Assim, pois, cada um de nós dará conta de si mesmo a Deus.” (Rom 14.12).
Nós não oramos para que seja perdoado o nosso pecado, mas os nossos pecados, no plural, porque não é por uma única dívida que nós oramos, mas por uma multidão de pecados. Nossos pecados são como as gotas do mar, como os átomos do sol, eles excedem qualquer contagem aritmética.
Se nós avaliássemos corretamente a dívida que temos para com Deus, isto nos levaria a nos humilharmos diante dEle pelo motivo de estar tão cheios de manchas negras em nossas almas, e isto deveria nos colocar em prontidão rapidamente para a busca do perdão dos nossos pecados, para que tais manchas sejam apagadas pelo sangue de Jesus que nos torna mais alvos do que a neve.
Assim como há uma rica misericórdia para alimentar os nossos corpos com o pão diário, há também uma rica misericórdia para nos perdoar. Uma é a misericórdia que nos alimenta e outra a que nos perdoa. Assim, não é nenhum sinal de que fomos perdoados o fato de Deus nos prover com coisas materiais.
Quando Cristo disse ao paralítico que os seus pecados haviam sido perdoados, isto foi uma maior e melhor misericórdia, do que a que havia curado a sua paralisia (Mc 2.5).
Por isso a oração do Pai Nosso coloca em realce o perdão dos pecados e não a cura de enfermidades do corpo, porque é o perdão dos pecados que devemos pedir a Deus antes de tudo o mais; e é importante frisar que muitas enfermidades físicas são curadas como mera consequência do perdão dos pecados.
Ninguém poderá obter o céu sem o perdão de pecados, então de pouco adiantará a cura do corpo se não houver perdão de pecados que é a forma de se entrar no reino dos céus.
Não admira que Jesus tenha repreendido aqueles que haviam sido curados por Ele e visto os muitos milagres que Ele havia feito e que não tinham se arrependido:
“Ai de ti, Corazim! ai de ti, Betsaida! Porque, se em Tiro e em Sidom se tivessem operado os milagres que em vós se operaram, há muito, sentadas em cilício e cinza, elas se teriam arrependido.” (Lc 10.13).
Se o perdão de pecados é tão absolutamente necessário, qual é então a razão de tão poucos no mundo se empenharem por isto? Para serem curados de males físicos eles procuram o médico e se for necessário empreender uma longa viagem para serem curados ou gastarem muito dinheiro, eles o farão prontamente. Mas quando o assunto se refere à cura dos males de suas almas eles parecem desinteressados e não buscam por cura. De onde procede isto?
As pessoas não levam a sério que têm uma grande dívida para com Deus que será executada no dia do juízo. Como estão mortos espiritualmente, não poderão discernir esta verdade a não ser que creiam em Cristo e sejam instruídos pelo Espírito Santo.
Nós vemos então que os homens dependem inteiramente de que Deus lhes revele a sua real condição perante Ele. O quanto são pecadores e o quanto necessitam do Seu perdão para que sejam curados.
A trombeta do evangelho soa por toda parte ordenando aos homens que se arrependam de seus pecados e creiam em Cristo. Mas todo aquele que desprezar o aviso não terá os seus olhos espirituais abertos por Deus para que possa conhecer a condição em que se encontra, de maneira que possa reconhecer humildemente que é pecador e necessita pedir-Lhe: “Perdoa as minhas dívidas porque tenho crido que o único modo de liquidá-las é o sangue de Cristo”.
O homem, por si mesmo, não pode conhecer que de fato lhe espera uma condenação terrível num inferno de fogo caso não se arrependa e creia, por isso é importante que não somente se pregue o único e genuíno evangelho, como também se dê não somente ouvidos a esta verdade pregada, mas que se obedeça o que é ordenado, a saber, que nos arrependamos e creiamos somente em Cristo para sermos perdoados.
Assim a fé que salva vem por se ouvir e obedecer a pregação do evangelho. E o evangelho garante que se crermos em Cristo em nosso coração confessando-o como nosso Senhor, e que Deus o ressuscitou dentre os mortos, seremos salvos.
E os homens não dão crédito à pregação do evangelho e não buscam perdão para os seus pecados conforme Jesus nos ordenou na oração do Pai Nosso porque eles estão buscando outras coisas. Eles estão apegados às coisas do mundo. Eles a buscam imoderadamente. O coração deles está completamente cativado por elas. E assim, não conseguem atinar que têm um espírito imortal e terão que prestar contas a um Deus imortal.