Interpretação da 5ª Petição da Oração do Pai Nosso – Parte 4
“e perdoa-nos as nossas dívidas, assim como nós também temos perdoado aos nossos devedores;” – Mt 6.12
Tradução e adaptação realizadas pelo Pr Silvio Dutra, do original em inglês, de autoria de Thomas Watson, em domínio público, intitulado A Oração do Senhor.
Satanás usa as riquezas do mundo como armadilhas para manter almas cativas ao pecado. Os desejos pelas coisas terrenas gritam tão alto nos corações dos pecadores que eles não conseguem ouvir a trombeta de alarme que é tocada pelos ministros do evangelho.
E se o homem não obtiver o perdão de Deus para os seus pecados, pelo único caminho para isto, que é a fé em Jesus Cristo, ele não poderá escapar de modo algum da condenação eterna, porque Deus não pode inocentar de modo algum o culpado, senão apenas perdoá-lo (Ex 34.7) caso se arrependa e creia.
Muitos não buscam seriamente o perdão dos seus pecados porque têm esperança de que não serão punidos. Eles afirmam que Deus é pai, que Deus é bom, misericordioso, e de modo algum mandará alguém para o inferno. Eles afirmam isto contra tudo o que o próprio Deus afirma claramente na Sua Palavra quanto à condenação futura.
Outros negam até mesmo a existência de Deus, e há outros que afirmam até mesmo que não existe pecado. A condenação de todos eles é justa e certa.
Mas há também aqueles que acham que Deus não pode perdoar os seus pecados porque são muitos e graves, e não admitem que um Deus santo possa habitar pelo Seu Espírito nos pecadores. Estes desonram a Deus Pai e particularmente a Cristo, porque com isto negam a bondade de Deus e que o sangue de Jesus seja de fato suficiente para cobrir o pecado.
Desonram também a Deus aqueles que creem que é possível o perdão de pecados, só que buscam isto através da prática de suas obras de justiça própria. Isto não somente desconsidera o tamanho da dívida impagável que têm para com Deus, como despreza o sacrifício que Jesus fez para salvá-los morrendo na cruz. Estes estão declarando indiretamente que o sangue de Jesus não pode lhes perdoar.
Quem não tiver os seus pecados perdoados não achará a vida e permanecerá morto espiritualmente.
A própria vida está em ser perdoado por Deus (Rom 5.18). Por isso que os cristãos, ainda que vivos para Deus em Cristo Jesus vivem como se estivessem mortos espiritualmente quando vivem deliberadamente na prática do pecado. Porque somente a submissão ao Espírito Santo dá para a vida e paz, e a submissão à carne para a morte espiritual (Rom 8.6). A carne produz as obras da carne, e estas obras são o pecado propriamente dito, cujo salário sempre é a morte.
Sendo Cristo o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo, nós devemos considerar que quando ele nos ensinou o dever de pedirmos o perdão dos nossos pecados a Deus, Ele não estava insinuando a busca de um simples alívio de consciência por alguma falta cometida, considerada isoladamente, mas o cumprimento da própria obra que Ele veio realizar em favor dos pecadores e diz respeito à salvação e santificação deles. Foi com esta perspectiva em vista que Ele pronunciou não somente estas palavras de Mt 6.12 mas todo o Seu ensino no Sermão do Monte, bem como tudo o mais que fez e ensinou em Seu ministério terreno, com a promessa de tudo o que seria ainda ensinado pelo Espírito Santo aos apóstolos. É o resgate do homem da condição a que ficou sujeito por causa do pecado original que Cristo se ocupou e continua se ocupando à destra do Pai nos céus como nosso Advogado e Sumo Sacerdote. Não podemos considerar tudo que se refira a este assunto numa perspectiva menor do que a que Ele próprio considerou e tem considerado.
E este perdão dos pecados foi um trabalho penoso para a alma de Cristo em Seu ministério terreno, especialmente quando foi elevado na cruz, bem como continua sendo um trabalho penoso para toda a trindade divina, porque se não houve qualquer tipo de oposição para a criação do mundo, no entanto há grande oposição de Satanás, dos principados e do próprio pecador, na nova criação que está sendo feita pelo novo nascimento operado pelo Espírito Santo, pela fé em Jesus.
E este é um trabalho que pode ser feito somente pelo poder de Deus. Ninguém está habilitado para salvar uma única alma que seja. Perdoar e remover a culpa do pecado é um trabalho exclusivo para o Cordeiro de Deus.
Jesus disse que todo pecado e ofensa pode ser perdoado aos homens, exceto o pecado de blasfemar contra o Espírito Santo. Então Deus não tem revelado a nenhum homem em particular que ele é um réprobo e que não há esperança de salvação para ele. O pensamento de que nós não somos eleitos e que não há portanto nenhuma possibilidade de perdão para nós, vem de Satanás, que é o acusador, e nos acusa diante de Deus que somos grandes pecadores; e acusa Deus a nós dizendo que Ele é um grande tirano, que vigia para destruir as suas criaturas. A estas sugestões diabólicas devemos dizer: “para trás de mim Satanás!”.
Deus tem afirmado em Sua Palavra que é rico em misericórdia e que não tem prazer na morte dos ímpios, antes que se arrependam e vivam (Ef 2.4; Ez 18.32; 33.11). Assim usa de grande longanimidade e espera muito tempo para que os pecadores se arrependam e busquem nEle o perdão para os seus pecados.
Então sejamos encorajados pelas promessas de Deus a buscar perdão para os nossos pecados, sabendo que somos perdoados não porque o mereçamos, mas porque Deus é generoso (Ex 34.6). Ele perdoa por misericórdia. Atos de perdão são atos de graça, de maneira que o nosso perdão aos nossos ofensores deve ser também um ato de misericórdia, que está condicionado também ao arrependimento dos nossos ofensores. Nós devemos ter uma atitude perdoadora, mas especialmente os ministros do evangelho devem cuidar para não perdoarem indiscriminadamente, admitindo na comunhão do corpo de Cristo cristãos que não se arrependeram dos pecados que praticaram contra os seus irmãos em Cristo. Estes devem ser considerados como gentios e publicanos, e de modo algum devem receber o perdão se não houver o necessário arrependimento (Mt 18.17).
Mas em havendo o arrependimento, somos obrigados a perdoar setenta vezes sete, conforme o Senhor nos ensinou (Mt 18.21,22).
A atitude perdoadora deve no entanto permanecer em aberto para um possível futuro arrependimento mesmo destes que são considerados gentios e publicanos, isto é, como se fossem estranhos para o corpo de Cristo. Eles perderam a nossa confiança mas poderão se reabilitar através do arrependimento, tal como nós somos reabilitados na nossa comunhão com o Senhor, através do arrependimento dos nossos pecados.
“14 Mas, se alguém não obedecer à nossa palavra por esta carta, notai-o e não tenhais relações com ele, para que se envergonhe;
15 todavia não o considereis como inimigo, mas admoestai-o como irmão.” (II Tes 3.14,15).
Esta atitude perdoadora para com um irmão faltoso só será possível se estivermos vivendo e andando no Espírito, tendo o amor de Deus derramado nos nosso corações pela presença do Espírito Santo, porque será isto que nos habilitará a possuir a atitude perdoadora a que nos temos referido, mesmo quando cortarmos o nosso relacionamento com algum irmão por causa do seu endurecimento no pecado, de maneira que venha a andar contrariamente à doutrina de Cristo.
A reconciliação de um irmão caído é uma das jóias da graça do evangelho, e é uma glória que enaltece o caráter bondoso, longânimo, amoroso e misericordioso de Deus e daqueles que são Seus imitadores como filhos amados. Então devemos orar pela reabilitação daqueles que apostataram da fé e que são cristãos verdadeiros, porque nos é ordenado amparar os que são fracos na fé.
“1 Irmãos, se um homem chegar a ser surpreendido em algum delito, vós que sois espirituais corrigi o tal com espírito de mansidão; e olha por ti mesmo, para que também tu não sejas tentado.
2 Levai as cargas uns dos outros, e assim cumprireis a lei de Cristo.” (Gal 6.1,2).
Vejamos então atentamente se o motivo da queda de alguém que faça parte da membresia de nossa congregação é por motivo de fraqueza, e oremos para que tal pessoa seja reabilitada e nos esforcemos para reconduzir tal pessoa à verdade, com toda longanimidade e pelo uso da sã doutrina.
Não nos cansemos de nos estimular uns aos outros ao exercício do perdão e a buscar o perdão e também perdoarmos a outros porque quando alguém tem os seus pecados perdoados por Deus o seu coração fica cheio, consequentemente, de amor por Deus, porque o Espírito Santo que estava entristecido e apagado por causa do pecado, tornará a encher o espírito de alegria e amor. Aquele que é muito perdoado, muito ama, disse Cristo. O perdão desperta grande gratidão a Deus, e um coração grato é um coração cheio de graça. Que jóia preciosa é então o perdão dos nossos pecados. Peçamos então: “Perdoa as nossas dívidas, assim como temos perdoado os nossos devedores.”.
O amor da mulher que foi perdoada por Jesus (Lc 7.47) não foi a causa do seu perdão, mas um sinal dele. Uma alma perdoada é um monumento da misericórdia de Deus, e a pessoa perdoada pensa que nunca poderá ser grata a Deus e amá-la o bastante, tal a grandeza do perdão, em face de passar por alto, como vimos antes, uma culpa infinita, resultante de uma dívida infinita, que é a do pecado.
Um coração perdoado está inflamado de zelo e fervor por Deus, de maneira que onde há um coração duro e frio como o mármore é porque não experimentou ainda o perdão dos seus pecados.
Onde o pecado é perdoado a natureza é purificada (Os 14.4). Todo pecador é culpado e doente por natureza, e quando Deus remove a sua culpa, ele cura a sua doença (Sl 103.3).
Quando Deus perdoa Ele muda o coração. No lugar do coração de pedra ele coloca um coração de carne (Ez 36.26). Ele muda os nossos trajes sujos por trajes festivos (Zac 3.4).
Então que ninguém pense que tem sido perdoado dos seus pecados, se lhe faltam estas evidências da operação da graça divina que acompanham o perdão.
Aqueles que têm os seus pecados perdoados são consolados pelo Espírito Santo de Deus (Is 40.1,2).
Os que são perdoados seguirão o Cordeiro aonde quer que Ele vá (Apo 14.4), estando dispostos a morrerem por Ele (At 21.13).
Os que têm sido perdoados sentem um doce calma e paz interior depois de terem passado por muitas tempestades.
Quando o pecado é perdoado o coração fica sem malícia (Sl 32.1,2). Não ter malícia no coração significa simplicidade de coração. Não há ruins suspeitas, nem um coração dobre, nem conspiração. Não apenas as ações serão corretas mas também o coração estará correto quando ele está sem malícia. O coração servirá a Deus pelo princípio correto que é o amor, e para um fim correto, que é para a exclusiva glória de Deus.
Um coração sem malícia não se permite ter no seu interior o menor pecado e evita pecados ocultos. Ele sabe que Deus tudo vê e julga; e assim se guarda de toda a forma de iniquidade (Sl 18.23).
Um coração sem malícia tem completo interesse na verdade de Deus e a defenderá ainda que seja com o sacrifício da própria vida. E lamentará quando o estado da igreja estiver numa condição baixa na qual Deus não esteja sendo honrado e glorificado (Ne 2.3). Assim, quando a igreja do Senhor estiver sofrendo, uma alma sincera sentirá tristeza como se a sua própria pessoa estivesse sendo atingida. Um coração sem malícia se alegra somente com a verdade e quando vê que a causa do evangelho está fundamentada e triunfando.
“Toda a amargura, e ira, e cólera, e gritaria, e blasfêmia e toda a malícia sejam tiradas dentre vós,” (Ef 4.31).
“1 Deixando, pois, toda a malícia, e todo o engano, e fingimentos, e invejas, e todas as murmurações,
2 Desejai afetuosamente, como meninos novamente nascidos, o leite racional, não falsificado, para que por ele vades crescendo;” (I Pe 2.1,2).
“6 Ninguém oprima ou engane a seu irmão em negócio algum, porque o Senhor é vingador de todas estas coisas, como também antes vo-lo dissemos e testificamos.
7 Porque não nos chamou Deus para a imundícia, mas para a santificação.” (I Tes 4.6,7).
A palavra daquele que tem um coração sem malícia é fidedigna, porque se baseia no princípio de Cristo, de sim, sim, não, não.
Aquele que tem um coração sem malícia é fiel aos seus amigos, e nunca fingirá e dissimulará o que sente junto a eles. Falsificar o amor é hipocrisia e então um coração sem malícia não lisonjeará quando tiver que censurar. Nunca trairá a quem quer que seja com um beijo.
Assim não podemos julgar amizades pela língua, pelas juras de fidelidade e amor. As palavras podem estar cheias de mel enquanto o coração está cheio do fel da malícia. Aquele que atraiçoa o seu amigo não tem um coração que seja verdadeiro para com Deus. Quando isto acontece é um sinal que o pecado não foi perdoado, porque Deus não imputará nenhum pecado àquele cujo coração está sem malícia.