Legado Puritano
Quando a Piedade Tinha o Poder
Textos
Interpretação da 6 Petição da Oração do Pai Nosso – Parte 1
 
“E não nos conduza em tentação, mas livra-nos do mal” -  Mateus 6.13
 
Tradução e adaptação realizadas pelo Pr Silvio Dutra, do original em inglês, de autoria de Thomas Watson, em domínio público, intitulado A Oração do Senhor.
 
O verbo eisfero, no original grego, traduzido no nosso texto por conduzir, é usado em outras seis passagens do Novo Testamento (Mt Lc 5.18, 19; 11.4; At 17.20; I Tim 6.7; Hb 13.11), com o mesmo significado de conduzir, trazer para dentro ou introduzir. 
E a palavra para tentação no original grego é peirasmos, e significa experimento, tentativa, teste, prova, adversidade, tribulação ou aflição enviada por Deus para testar ou provar o caráter, a fé ou a santidade de alguém.
Esta petição da oração do Pai Nosso coloca diante de nós a seguinte questão: Porventura Deus conduz alguém em tentação? A resposta óbvia com apoio em outros textos bíblicos como Tiago 1.13 é que não, porque Ele a ninguém tenta e nem pode ser tentado.
Mas se a ninguém tenta, no entanto pode conduzir Seus filhos a condições para que sejam provados. E o Senhor Jesus nos ensina a pedir a Deus para que não nos conduza a tais provas em que seremos testados.
Uma chave para a compreensão desta petição da oração do Pai Nosso é I Pe 1.6,7:
“6 Em que vós grandemente vos alegrais, ainda que agora importa, se necessário, que estejais por um pouco contristados com várias tentações,
7 Para que a prova da vossa fé, muito mais preciosa do que o ouro que perece e é provado pelo fogo, se ache em louvor, e honra, e glória, na revelação de Jesus Cristo;” (I Pe 1.6,7).
Neste texto é dito que somos contristados, por um breve tempo, com várias tentações, mas somente se isto for necessário, a saber: Deus não nos provará desnecessariamente caso andemos em conformidade com a Sua vontade.
Quando a fé é provada, testada, Deus quer que conheçamos qual é a nossa real condição espiritual, para que possamos entender o quanto necessitamos progredir em santidade pelo aumento da nossa fé.
O ponto é o seguinte: se formos achados aprovados não necessitaremos ser submetidos a provas. 
Entretanto, esta não é a condição normal que é encontrada na quase totalidade dos cristãos, e de um modo ou outro, num ou noutro grau, todos são provados de alguma maneira para o benefício da sua fé.
Então por que o Senhor ensinou a pedirmos a Deus para não nos conduzir em tentações, uma vez que o apóstolo Tiago afirma que devemos ter por motivo de toda a alegria o passarmos por várias provações?
A chave para a compreensão desta aparente contradição se encontra na continuidade do texto de Mt 6.13 no qual Jesus também ensinou a pedirmos a Deus que nos livre do mal. Então o tipo de tentação referido no texto se restringe às provas em que o maligno estará atuando, como a tentação à qual o próprio Jesus foi submetido no deserto (Lc 4.1,2). 
Em Gênesis 22.1 nós vemos o próprio Deus colocando a fé de Abraão a prova quando lhe pediu que sacrificasse Isaque. Não houve qualquer participação de Satanás nesta provação da fé e do amor de Abraão. O Senhor queria comprovar para o próprio Abraão e para todos nós o quanto ele O amava, de maneira que a sua obediência tornou-se um exemplo a ser seguido por nós, na demonstração de que os interesses do Senhor devem sobrepujar os dos nossos afetos naturais pelos nossos familiares.   
Há grande diferença portanto entre testar a graça dos cristãos, e permitir que as corrupções deles sejam excitadas pela própria natureza deles corrompida pelo pecado ou pelo diabo.
Assim o pedido da oração do Pai Nosso tem a ver com o fato de sermos guardados por Deus em não ficar sujeitos ao poder das várias tentações que há no mundo, e que são estimuladas pelo pecado e pelo diabo, de maneira que nos dê graça e força para vigiarmos e nos guardarmos destas tentações, fugindo delas, resistindo a elas, e tendo o suporte de graça e poder do Espírito Santo necessários para viver de modo santo. O Senhor poderia ter dito: “livra-nos da tentação”, mas disse “não nos conduza em tentação”, isto é, não nos deixe entrar nelas, não permita que sejamos trazidos para dentro delas, de maneira que um cristão fará muito bem em se manter afastado de todas as possíveis fontes de tentação que poderão levá-lo a pecar.
É necessário contar e ter efetivamente o poder da graça de Deus no coração para poder resistir às fontes de tentações. 
E uma destas fontes flui de dentro de nós mesmos (Tg 1.14). O coração é a fonte de todo pecado. O maior tentador é o nosso próprio coração, de maneira que todo homem é tentado pela sua própria cobiça.
Mas além de virem de dentro de nós as tentações têm também uma fonte externa que é Satanás. Ele é chamado de o Tentador (Mt 4.3). Ele arma ciladas para nos causar danos, e usa as tentações como explosivos para explodir o forte da nossa graça. 
Um cristão ficará exposto às tentações durante todo o curso da sua vida. E elas são numerosas e variadas, de maneira que não é sem razão que o Senhor nos ensinou a pedir ao Pai que não permita que sejamos conduzidos às tentações. E é de se supor que aquele que não orar neste sentido, conforme o Senhor nos ensinou ficará muito mais exposto e sujeito a ser afligido por múltiplas tentações que procurarão enfraquecer as suas graças e lhe furtar a paz.  
A tentação é um grande molestamento para um filho de Deus, porque quanto mais formos tentados pelo mal, mais somos impedidos de praticar o bem. Nós estamos em grande perigo de receber constantes ataques do Inimigo, e por isso devemos orar frequentemente: “não no conduza em tentação”.  
Se Deus não impusesse limites às tentações de Satanás e deixasse os Seus filhos sem o fortalecimento de graça e à mercê do poder do diabo, ele poderia facilmente levá-los até mesmo à insanidade mental ou ao colapso nervoso, mas há um clamor no coração de cada cristão que pede ao Senhor que O livre das ciladas do diabo, e este clamor deve ser traduzido em orações verbais nas quais peçam humildemente a Deus que não os conduza em tentação.
Por isso é algo que deve ser evitado a todo custo por todos os cristãos, não apostatarem da fé pela prática deliberada do pecado, de maneira que sejam conduzidos por Deus em tentação, sendo entregues a Satanás para a destruição da carne.
Se necessário for, que sejamos conduzidos em tentação somente para o cumprimento de Seus propósitos elevados, em obediência à Sua vontade, assim como se deu no caso de Jó, que foi entregue a Satanás por Deus, sendo assim conduzido em tentação, mas para que ficasse provado o caráter da fé e do amor genuínos que Jó possuía. E de igual forma o apóstolo Pedro, e até mesmo o próprio Senhor Jesus no deserto, mas vemos que isto é sempre por um breve tempo, e segundo o controle e vontade de Deus, e não por exclusiva iniciativa do diabo, senão ele teria motivo para se gloriar do seu poder diante dos cristãos e do próprio Deus.     
“Não veio sobre vós tentação, senão humana; mas fiel é Deus, que não vos deixará tentar acima do que podeis, antes com a tentação dará também o escape, para que a possais suportar.” (I Cor 10.13).
Nós estamos vendo a complexidade deste assunto relativo a tentações. Há nuances nele e distinções de operações, que nos fazem entender que nem todo tipo de tentação é um motivo para nos gloriarmos nelas (como o caso de ser entregue a Satanás para destruição da carne por motivo de desobediência deliberada a Deus), mas para que nos envergonhemos da nossa condição e nos arrependamos. 
Veja o caso de muitos na Igreja de Corinto conforme se depreende das seguintes palavras do apóstolo:
“17 Nisto, porém, que vou dizer-vos não vos louvo; porquanto vos ajuntais, não para melhor, senão para pior.
18 Porque antes de tudo ouço que, quando vos ajuntais na igreja, há entre vós dissensões; e em parte o creio.” (I Cor 11.17,18).
 
“30 Por causa disto há entre vós muitos fracos e doentes, e muitos que dormem.
31 Porque, se nós nos julgássemos a nós mesmos, não seríamos julgados.
32 Mas, quando somos julgados, somos repreendidos pelo Senhor, para não sermos condenados com o mundo.” (I Cor 11.30,32).
A Igreja de Corinto estava sendo vencida pelo engano do diabo, através de falsos apóstolos que exploravam financeiramente aquela Igreja que havia sido fundada pelo apóstolo Paulo. Por causa disto, para não ser considerado igual àqueles apóstolos fraudulentos, ministros de Satanás (II Cor 11.3,13,14), Paulo havia servido a Igreja de Corinto com o salário que recebia de outras Igrejas, especialmente da Macedônia (II Cor 11.7,8), e afirmou que continuaria pregando gratuitamente o evangelho em Corinto para cortar ocasião de maledicência entre eles, por inspiração satânica, de que pregava por interesse financeiro como os demais “apóstolos” que estavam entre eles (II Cor 11.9), e que triste coisa é esta, ter que fazer tal tipo de afirmação que comprovava a infidelidade deles para com os verdadeiros ministros de Deus. Não admira que tantos estivessem sendo enfermados, enfraquecidos e mortos naquela Igreja como forma de disciplina que o Senhor estava usando para conduzi-los ao arrependimento. 
Eles haviam caído no laço do diabo por causa do endurecimento no pecado. Eles estavam inchados em sua sabedoria carnal e não estavam se sujeitando à simplicidade do evangelho de Cristo, em plena obediência à doutrina verdadeira. Assim, tornaram-se uma presa fácil para o Inimigo, e deste modo bem faríamos em considerar quão perigosas são as tentações de Satanás.
Satanás inveja com ódio mortal a felicidade que o cristão tem com Deus. É algo insuportável para ele ver que um ser feito do pó da terra venha a ser glorificado enquanto ele será derrubado ao mais profundo abismo, ele que uma vez foi um querubim glorioso, expulso do paraíso divino. Em Apocalipse 12.12 é afirmada a grande ira com que ele desceu à terra para tentar os seus habitantes. 
Então o maior prazer do diabo é encantar e arruinar almas e trazê-las à sua mesma condenação, e quando isto lhe escapa pela conversão de alguns, estes serão continuamente espreitados por ele, esperando que fracassem em sua vigilância, de maneira que possa tragá-los, não para o inferno, porque sabe que não poderá mais ter cristãos autênticos em sua companhia no inferno, mas para conduzi-los a uma condição de desobediência a Deus e à Sua Palavra, de maneira que fiquem sujeitos à Sua disciplina e correção, enquanto ficam privados da comunhão com Ele. Com isto ele consegue ferir tanto o coração do cristão quanto o do próprio Deus.  
Sendo Satanás um espírito vingativo, malicioso, traiçoeiro, enganador, nós devemos orar continuamente: “não nos conduza em tentação”, para que Satanás não prevaleça sobre nós.
Satanás anda inquieto como um leão à procura da sua caça. Ele rodeará o mar para fazer um prosélito. Ele não desperdiça o seu tempo e está sempre ocupado e se nós o repelirmos ele não desistirá, e virá novamente sobre nós com uma tentação.
Se ele conseguir uma pequena vantagem sobre nós numa tentação, ele procurará a todo custo levar isto até o seu ponto extremo.
Ele tem uma variedade de tentações para usar e não se limita a um único tipo de tentação. Se não conseguir prevalecer com um tipo, ele usará outro; se não puder tentar com cobiça, tentará com orgulho; se não conseguir amedrontar o homem, ele o tentará com presunção; se não conseguir levá-lo a profanar, tentará torná-lo formalista; e se não conseguir conduzir ao vício, tentará conduzir ao erro. Para isto enganará através de revelações falsas e toda forma de artifício que estiver ao seu alcance. Por isso precisamos orar: “não nos conduza em tentação”.
 
Silvio Dutra Alves
Enviado por Silvio Dutra Alves em 13/02/2013
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