Legado Puritano
Quando a Piedade Tinha o Poder
Textos
Interpretação da 6ª Petição da Oração do Pai Nosso – Parte 2
 
“E não nos conduza em tentação, mas livra-nos do mal” -  Mateus 6.13
 
Tradução e adaptação realizadas pelo Pr Silvio Dutra, do original em inglês, de autoria de Thomas Watson, em domínio público, intitulado A Oração do Senhor.
 
 Satanás é representado como sendo o grande dragão vermelho que lançou por terra a terça parte das estrelas do céu (Apo 12.3,4); é chamado também de valente (Lucas 11.21) e de príncipe deste mundo (João 14.30). Assim, embora ele tenha perdido a sua santidade original, no entanto não foi retirado dele o poder que Deus lhe havia dado. 
Sendo um espírito ele pode influenciar a imaginação das pessoas envenenando-a com pensamentos ruins. Foi ele quem colocou no coração de Judas o pensamento de trair a Cristo (João 13.2).
Embora ele não possa compelir a vontade, no entanto pode apresentar objetos agradáveis aos sentidos exercendo grande influência sobre eles. Ele pode usar as artes para gerar idolatria nos corações das pessoas em relação aos artistas. E faz isto especialmente com a música. Ele pode seduzir o coração com riquezas terrenas tal como fizera com Acã fazendo-lhe cobiçar as riquezas condenadas de Jericó nos dias de Josué. Foi Satanás que influenciou Davi a fazer o censo que lhe havia sido proibido por Deus (I Crôn 21.1). Ele pode fazer com que uma faísca de cobiça se transforme numa chama.
Sendo um espírito ele pode encher as nossas mentes de tentações de maneira que tenhamos dificuldade para discernir se elas vêm dele ou de nós mesmos. Assim com um pássaro pode chocar o ovo de um outro pensando que seja seu; nós podemos estar chocando as influências do diabo pensando que elas vêm dos nossos próprios corações.       
Quando Pedro tentou dissuadir Cristo de sofrer, morrendo na cruz, ele pensou que isto vinha do afeto que tinha pelo seu Mestre, sem saber que a mão de Satanás estava naquilo (Mt 16.22).
E se Satanás tem este poder de instilar tentações sem que nós o saibamos, nós temos necessidade de orar para não sermos conduzidos em tentação. É preciso orar a Deus por livramento porque é muito difícil distinguir entre aquilo que procede de insinuações diabólicas e aquilo que procede de nós mesmos.
Mas podemos pelo menos tentar identificar a origem da tentação, se do nosso coração ou do Inimigo, e uma das maneiras de fazer tal identificação é que a tentação de Satanás nos vem de maneira súbita, como um dardo que é atirado (Ef 6.16), e já a tentação que é originada no coração começa através de graus, de maneira vagarosa procurando obter o consentimento da mente. Em segundo lugar, a tentação que é originada em nosso próprio coração não é tão terrível e não agita e assusta a alma como as que são de origem satânica, que chegam a insinuar até mesmo blasfêmia e suicídio. Em terceiro lugar, quando são lançados maus pensamentos na mente nós os detestamos e lutamos contra eles, e fugimos deles como Moisés fugiu da serpente, e isto demonstra que a mão de Joabe está nisto (II Sm 14.19), isto é, foi Satanás quem produziu estes movimentos impuros.   
O poder de Satanás na tentação é oriundo da longa experiência que ele adquiriu através dos séculos e milênios nesta arte. E esta experiência do diabo aumenta o nosso perigo, e nós temos portanto necessidade de orar: “não nos conduza em tentação”. 
Satanás usa de sutilezas e ciladas para enganar, e nós citaremos algumas delas adiante:
1ª - Ele observa o temperamento e a constituição natural da pessoa que pretende enganar. Ele não conhece os corações e os pensamentos dos homens, mas conhece o temperamento deles, e com base neste conhecimento escolhe o melhor tipo de tentação para semear em tal coração para atingir os seus propósitos malignos.
2ª -  Ele escolhe a melhor ocasião para atacar. Aos primeiros sinais de que alguém está sendo convencido pelo Espírito Santo para que se converta a Cristo ele atacará com tentações violentas. Ele tentará a todo custo impedir que ocorra a conversão. Ele também atacará se nos encontrar ociosos. Quando ele observar que estamos sem uma atitude vigilante e descuidados, e desanimados e indolentes em relação aos nossos deveres para com Deus, Satanás não perderá a oportunidade para aprofundar ainda mais esta indolência e desânimo com suas tentações. Ele usará argumentos para nos enganar dizendo que foi inútil servir a Deus ou que é muito cansativo ou impossível fazer a Sua vontade. Enquanto dormirmos ele semeará o seu joio (Mt 13.25). Enquanto Davi descansava no palácio em tempo de guerra, Satanás lançou o dardo da tentação sobre ele e prevaleceu (II Sm 11.2,3). Uma outra ocasião apropriada para o diabo nos tentar é quando a pessoa se encontra entregue a desejos externos e dilemas. Quando Cristo estava jejuando e com fome Satanás o tentou (Mt 4.8). Quando o dinheiro está curto ele também tentará dizendo que a pessoa deve roubar, ou então murmurar contra Deus por não lhe dar a subsistência merecida. E principalmente depois de termos recebido uma bênção de Deus Satanás costuma nos tentar. Jesus estava jejuando e orando quando o tentador veio a Ele (Mt 4.2,3). O fervor de um santo desperta a fúria de Satanás porque ele sabe que terá perdas em seu reino quando alguém está consagrado a Deus, porque fará com que o reino de Deus avance na terra com suas intercessões, pregação, e tudo o mais que esteja relacionado à obra de Deus. Ele costuma também tentar depois de uma bênção porque muitos descuidam na vigilância e ficam presunçosos por causa das bênçãos recebidas, sentindo-se seguros e não mais necessitando pelo menos no período da bênção de continuarem orando para não serem conduzidos em tentação. Isto é como o soldado que tira a armadura depois de ter vencido uma batalha. É neste momento de descuido que propiciará que o diabo tenha vantagem no seu ataque. Ele sempre procurará impedir que uma obra de Deus se estabeleça desde o seu princípio atacando-a violentamente. Esta é a razão de muitos avivamentos terem morrido na origem porque os cristãos foram desestimulados a continuarem orando e perseverando em unidade. Quando Davi iria começar a reinar em Jerusalém Satanás tentou impedi-lo enviando os filisteus em grande número contra ele, mas Davi consultou ao Senhor e prevaleceu. Ele também tenta violentamente os cristãos quando eles estão enfraquecidos, pensando que Deus não pretende mais usá-los a Seu serviço, e quando as evidências parecem confirmar isto como sendo uma verdade. O Inimigo se aproveita desta condição de enfraquecimento para persuadir os cristãos a apostatarem definitivamente da fé. 
3ª - Satanás se transfigura em anjo de luz para distorcer o verdadeiro caráter de Cristo. Ele fala através dos seus ministros aos homens e até mesmo aos cristãos, usando lobos vorazes em pele de ovelha, que são dificilmente discernidos como estando a serviço do diabo e não propriamente ao de Deus. Ele fala de Cristo, da Palavra, mas não do Cristo da Bíblia com a exatidão da verdade da Bíblia. Por isso Jesus alerta a Igreja sobre a importância de provar os espíritos para ver por seus frutos, se procedem de Deus ou não, de maneira que não sejamos induzidos ao erro que é semeado por Satanás através dos instrumentos humanos que ele costuma usar para tentar distorcer ou anular a verdade do Evangelho. Não podemos esquecer que ele tentou o próprio Jesus usando a Palavra e afirmando: “está escrito”. A condição em que muitos se encontram dizendo Senhor! Senhor! referindo-se a Jesus, ao mesmo tempo que desconhecem ou negam as Suas Palavras é gerada não raro por meio de engano satânico em que tais pessoas se encontram com uma falsa convicção acerca da verdade que o Inimigo conseguiu colocar em suas mentes.  
4ª - Satanás tenta para que se peque gradualmente. Assim começa com um pequeno pecado visando chegar à maior forma de expressão daquele pecado. Por exemplo, ele começa com uma ofensa para causar depois um grande crime. Ele coloca uma pequena suspeita para transformá-la depois numa grande desconfiança e inimizade. O pequeno olhar de relance de Davi em Bate-Seba produziu um adultério e um assassinato. Primeiro ele tenta para que se ande em má companhia e depois arruína os bons costumes, para conduzir à mesma condenação dos maus companheiros. Ele começa com pequenas decepções visando ao completo endurecimento do coração. 
5ª - Satanás usa o ardil de nos conduzir em tentações usando aqueles de quem nós menos suspeitamos. Pode ser um amigo próximo, e até mesmo líderes da Igreja, como se deu com a Igreja dos Gálatas e dos Coríntios nos dias do apóstolo Paulo, cujos cristãos haviam sido fascinados por falsos pastores que ministravam a eles. Quando nossos amigos religiosos nos dissuadem de fazer nosso dever, Satanás está sendo um espírito mentiroso nas suas bocas, e tenta nos atrair para o mal por meio deles. A Bíblia alerta para o aumento da atividade de falsos pastores e mestres nos últimos dias. Jó foi tentado através de sua própria esposa e amigos.  
6ª - Satanás tenta algumas pessoas mais do que outras, selecionando os seus alvos. (1) As pessoas ignorantes. O diabo pode conduzir estes em qualquer armadilha. Você pode conduzir um homem cego aonde quiser. Satanás sabe que é fácil fazer com que aqueles que são ignorantes da vontade de Deus tropecem e caiam no inferno. Um homem ignorante das realidades espirituais não pode enxergar as armadilhas do diabo. (2) Satanás tenta os incrédulos. Não há ninguém mais fácil de se conduzir ao inferno do que aquele que não crê em Deus e que não dá crédito à Sua Palavra. (3) Satanás tenta as pessoas orgulhosas, e é sobre estes que ele tem maior poder. Ninguém está em maior perigo de cair na tentação do que aquele que estava elevado em sua própria vaidade. (4) As pessoas melancólicas. A melancolia abate o humor e perturba a razão. Quando o espírito está triste e melancólico o cristão estará desafinado para os deveres espirituais que são caracterizados por fervor de espírito. Satanás diz ao melancólico que Deus não o ama, que não se interessa por ele e pelo estado de sua alma, e é comum que o espírito abatido se renda aos argumentos falsos do Inimigo.  Os que estão sempre descontentes são também outro alvo preferido para os ataques do diabo, porque o descontentamento conduz a muitos pecados, como ingratidão e impaciência, por exemplo. Satanás procura também selecionar para os seus ataques as pessoas inativas. Satanás dará muito trabalho ao ocioso, e ele se achará se ocupando de coisas vãs, pecaminosas, por ter a sua mente e vontade debaixo do domínio do diabo.
7ª - Satanás insinua que se retirou e que nós o vencemos, e quando estamos nos sentindo seguros e esquecidos de suas tentações, ele nos ataca. Esta estratégia é muito usada especialmente para parar o avanço e continuidade de avivamentos, porque quando a obra de Deus se encontra no seu auge, e quando os cristãos pensam terem triunfado definitivamente sobre o diabo, ele trabalha em silêncio semeando o joio da discórdia e desconfiança entre os cristãos, especialmente entre os que são novos na fé, e assim detém o avanço do movimento pela quebra de unidade que normalmente surge de queixas, murmurações, descontentamentos, etc, dirigidos especialmente contra os líderes do movimento. Quando o povo de Israel obteve grandes e poderosas vitórias, da parte de Deus sobre os egípcios, eles logo foram achados em incredulidade e murmurações contra Moisés e contra o próprio Deus. Parecia que o inimigo havia sido definitivamente derrotado, representado em faraó, mas o pior Inimigo deles estava oculto e levou o povo a se voltar contra Deus. Por isso a Bíblia ordena que estejamos revestidos em todo o tempo com nossa armadura espiritual, vigiando e orando no Espírito, em todo o tempo. 
8ª - Satanás tenta persuadir os homens que eles são impuros demais para se aproximarem de um Deus que é perfeitamente santo. Ele não lhes permite verem que o tipo de santidade que se espera deles neste mundo é evangélica, isto é garantida pela graça de Cristo que perdoa aos homens todas as suas ofensas, e assim ficam desencorajados de buscarem a Deus, em sua ignorância da verdade do evangelho, que é Cristo para a salvação de todo o que crê.  
9ª - Satanás põe uma falsa imagem de virtude sobre o quadro sujo do pecado. Ele engana os homens fazendo-lhes crer que paixão imoderada é zelo; que vingança é prudência; que licenciosidade é liberdade; que cobiça e ganância são incentivos para ser produtivo; que desperdício é generosidade etc.
10ª - Ele tenta nos enlaçar com coisas que são lícitas, levando-nos a fazer um uso desordenado delas, como por exemplo excesso de recreações que nos afastam do nosso dever; alimentação saudável, só que com glutonaria; etc. 
11ª - Ele tenta nos ocupar em nossos afazeres normais sob o correto argumento de que isto é nossa responsabilidade, só que produzindo um desequilíbrio em não darmos qualquer tempo para o serviço de Deus, sob a alegação de que é irresponsabilidade e desperdício de tempo. Por outro lado ele pode também fazer com que o desequilíbrio penda para o lado de Deus sob a alegação de que se deve viver somente e exclusivamente pela fé, sem que haja necessidade trabalhar para proverem suas famílias. A outros engana fazendo com que deem apenas atenção ao cuidado que devem ter com seus corpos, negligenciando totalmente o cuidado que se deve ter com as suas almas.
12ª - Ele cria preconceitos contra a religião na mente dos homens, pintando-a como algo melancólico, e que remove toda a alegria de viver dos fiéis. Ele também pinta a santidade como algo penoso, uma carga que deve ser levada e que sujeita a pessoa ao fanatismo. Ele representa os cristãos fiéis como pessoas desprovidas de personalidade. O que é paciente em suportar danos sem vingança ele representa como sendo um covarde; o cristão humilde como sendo alguém deprimido e fraco; e o piedoso ele chama de um bobo que está desperdiçando os prazeres do mundo.  
Silvio Dutra Alves
Enviado por Silvio Dutra Alves em 13/02/2013
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