Legado Puritano
Quando a Piedade Tinha o Poder
Textos
Interpretação da 6ª Petição da Oração do Pai Nosso – Parte 3
 
“E não nos conduza em tentação, mas livra-nos do mal” -  Mateus 6.13
 
Tradução e adaptação realizadas pelo Pr Silvio Dutra, do original em inglês, de autoria de Thomas Watson, em domínio público, intitulado A Oração do Senhor.
 
13ª - Satanás retira dos homens o amor à verdade para que abracem o erro (II Tes 2.11). Sendo um espírito mentiroso ele luta para induzir a mente do homem ao erro. Satanás engana a muitos porque há muitos erros que são parecidos com a verdade. E o erro se propaga rapidamente como uma epidemia. O erro do pelagianismo que prega a salvação sem a necessidade da graça, e somente pelas boas obras; o erro do arianismo que negava a divindade de Cristo; começaram como uma fagulha e incendiaram o mundo inteiro. O diabo semeia o erro porque ele produz divisões na igreja. E quando o diabo consegue fazer com que o erro prevaleça a reforma é impedida; e a igreja continua necessitando ser continuamente reformada. E sem reforma o avanço do evangelho é prejudicado. 
14ª - Satanás encanta e enlaça os homens fixando iscas agradáveis diante deles; como as riquezas, prazeres, e honras do mundo. Ele sabe que o amor ao dinheiro é a raiz de todos os males e que o amor ao mundo impede a permanência no amor de Deus. Os que buscam prazeres entregam-se ao governo dos sentidos físicos e da alma, e assim ficam impedidos de serem governados pelo espírito, e é somente em espírito e em verdade que se pode adorar a Deus.
15ª - Satanás tenta as pessoas alegando que certas atitudes são justificadas por necessidade imperiosa. Ele faz as pessoas crerem que a necessidade da ação desculparia o pecado. Ele usará situações extraordinárias citadas na Bíblia justificadas apenas na época da sua ocorrência, como o fato de Davi ter comido o pão que era reservado pela Lei somente aos sacerdotes, como um procedimento válido para todas as épocas, quanto às coisas consagradas a Deus.
16ª - Satanás tenta os homens para serem presunçosos. A presunção é uma confiança sem base suficiente. Os homens pensam que são melhores do que são de fato. Satanás ilude a muitos com presunção acalmando-os quanto aos seus pecados e infundindo-lhes uma falsa esperança de que tudo vai bem com suas almas diante de Deus. A presunção é a rede com a qual Satanás puxa milhões para o inferno. Ele faz também faz com que muitos cristãos se gloriem nos seus privilégios espirituais e graças e não somente em Cristo. É usando a tentação da presunção que Satanás consegue que muitos cristãos pensem que ele é fraco, e que é facilmente derrotado por eles, sem que estes estejam vivendo por fé, e assim cria esta ilusão neles enquanto os derrota espiritualmente fazendo que vivam de modo contrário à Palavra  de Deus. Eles confiam presunçosamente por inspiração do diabo na própria força e ousadia deles, enquanto vivem de modo desregrado e desordenado contra as ordenanças de Deus relativas à pureza, santidade, moderação, sobriedade, retidão, amor etc.
17ª - Satanás insinuará estar interessado no nosso bem estar tal como fizera com Cristo no deserto dizendo-lhe que deveria saciar a sua fome transformando pedras em pães. Com isto não somente quis mostrar-se amigo e preocupado, como também dando a Cristo uma aparente honra por reconhecer o seu grande poder para até mesmo transformar pedras em pães. Cristo venceu a serpente nesta falsa amizade com a espada do Espírito. Mas Eva caiu no mesmo tipo de insinuação no Éden quando o diabo lhe disse que comesse do fruto para se tornar como Deus, e assim alcançaria uma condição superior à que ela e seu marido se encontravam no jardim. Estes presentes de grego devem ser rejeitados com a oração ”não nos conduza em tentação”.
18ª - Satanás coloca pessoas em posições de liderança para que possa cumprir os seus desígnios através deles, tal como Datã, Coré e Abirão, príncipes da tribo de Levi, dentre os coatitas, que arrastaram uma multidão após si nos dias de Moisés (Nm 16.2,10).
19ª - Ele instila inveja nos cristãos em relação a bênçãos ou dons espirituais que outros cristãos receberam de Deus, gerando amargura e descontentamento. Foi assim com os irmãos de José em relação a ele, e também os de Davi quando souberam que ele foi ungido por Deus para ser rei sobre Israel. Aquilo que era para ser motivo de grande alegria Satanás consegue transformar em motivo de tristeza. E isto começou no Éden quando Caim invejou seu irmão Abel e o matou.
20ª - Satanás ataca a nossa fé, e ele a ataca porque é a principal das graças que nós temos recebido de Deus. É a fé que traz o maior dano ao diabo porque é com ela que resistimos a ele (I Pe 5.9). Nenhuma outra graça contunde mais a cabeça da serpente do que a fé. Ela é uma arma tanto de ataque quanto de defesa. É com ela que apagamos os dardos inflamados do maligno, e é também a espada que fere o dragão vermelho. A fé é tão forte ao ponto de fazer Satanás bater em retirada porque ela traz a força de Cristo à alma. Quando somos atacados a fé corre e chama a Cristo para nos defender, assim como uma criança apela para o seu pai quando está sendo ameaçada. A fé tem promessas nas quais se apoiar como Hebreus 13.5; Mt 12.20; I Cor 10.13; Rom 10.16; João 10.29. Estas cinco promessas são como as cinco pedras que Davi tinha em sua funda para derrubar Golias (I Sam 17.40).  São pedras da fé com as quais o cristão pode ferir o dragão vermelho. Satanás pode atacar a fé mas não quebrá-la enquanto permanecermos firmes nela. Por isso sempre espera ocasião oportuna para atacar, pois sabe que quando a fé está em ação ele é ferido. Por isso ele procura golpear a fé visando enfraquecê-la e destruí-la, porque tem uma grande influência em todas as demais graças que dependem dela para o seu crescimento e operação.   
21ª - Satanás encoraja aquelas doutrinas que são agradáveis à carne. Ele sabe que a carne ama ser satisfeita, que busca facilidade e liberdade, e que não suportará nenhum jugo, a menos que não contrarie o ego. Então, ele usará a isca da tentação para dar alegria à carne. A Palavra ensina que a carne deve ser crucificada; que é por meio de tribulações e aflições que são decorrentes principalmente da nossa luta contra as tentações do diabo,  que se entra na glória, que devemos ser diligentes e fervorosos no serviço de Deus, e que o reino do céu é alcançado mediante esforço, mas Satanás sempre tentará debilitar estas verdades bíblicas nas mentes e corações dos homens e procurará entretê-los lisonjeando a carne, e massageando o ego deles. Ele sempre sugerirá um caminho amplo e fácil para se chegar ao céu. Negará que o caminho que conduz à salvação seja apertado e estreito. Chamará os mandamentos de Cristo de pesados e acusará pejorativamente aqueles que são obedientes aos Seus mandamentos de legalistas. Ele transformará a graça de Cristo em luxúria, fazendo com que muitos cristãos a usem como pretexto para viverem na prática deliberada do pecado. Este produto barato que o diabo vende é comprado por muitos porque doutrinas que agradam a carne são muito baratas e atraem assim muitos clientes, no entanto jamais se poderá agradar a Deus crendo em tais doutrinas e modelando a vida por elas.   
22ª Satanás tentará impedir a execução dos deveres santos como orar, meditar na Palavra, jejuar, congregar com os santos no culto público etc. Ele pode fazer o telefone tocar ou criar uma emergência quando estivermos orando. Ele pode criar desânimos, e toda sorte de dificuldades para não irmos ao templo. Ele pode tornar a meditação da Palavra em algo mecânico, enfadonho e formal, afastando o coração da possibilidade de experimentar o deleite que há na meditação piedosa da Palavra que conduz à Sua prática. Ele pode também levar um cristão ao desespero sob a falsa convicção de que não tem se humilhado o bastante. E assim dará à mortificação de pecados uma ideia totalmente estranha à mortificação evangélica, que leva em conta que enquanto estivermos na carne será impossível erradicar completamente o pecado de nossas vidas, porque a mortificação é como a retirada das ervas daninhas de um jardim, trabalho este que nunca cessa, porque elas sempre retornam e voltam a crescer, e devemos continuar a retirá-las. Esta é a verdade bíblica em relação à mortificação. A completa remoção do pecado não é atingível nesta vida e nem Deus espera isto, porque sabe que é impossível de ser atingido por pecadores. Nossa confiança, esperança, e justiça é Cristo. Não devemos buscar nada disto em nós mesmos, mas conforme a verdade do evangelho que nos deu Cristo como nosso Salvador. Satanás quer que olhemos para nós mesmos e que desesperemos de maneira que não poderemos assim cumprir o nosso dever e nem nos alegrarmos com Deus, por causa de uma consciência dolorida.      
23ª - Satanás por outro lado tenta levando a um outro extremo relativo ao que acabamos de comentar, que é vendendo a ideia de que o arrependimento é fácil e barato, porque está baseado na graça de Cristo. Nós já vimos em nosso comentário anterior sobre a quinta petição do Pai Nosso – “perdoa as nossas dívidas, assim como temos perdoado os nossos devedores” que há condições para o perdão de Deus, apesar do sangue de Cristo e os Seus méritos serem sempre a base do nosso perdão. E dentre estas condições se inclui o dever de perdoarmos aos nossos devedores, e de nos arrependermos dos nossos pecados, e nós vimos que o arrependimento consiste basicamente de três partes a saber: contrição, confissão e conversão (II Crôn 7.14), para que possamos ser efetivamente perdoados e sarados e ouvidos por Deus.
24ª - Satanás nos ilude com a ideia de que a vida cristã vitoriosa está sempre baseada em sucesso neste mundo, tendo-se um coração continuamente animado e alegre para com as coisas terrenas. Mas a vida cristã normal e verdadeira nos imporá muitas vezes a condição do Salmo 51.17 para agradarmos a Deus: ”Os sacrifícios para Deus são o espírito quebrantado; a um coração quebrantado e contrito não desprezarás, ó Deus.” (Sl 51.17). 
Mas por outro lado, ele pode também nos enganar com a ideia de que a condição de coração contrito deve ser um estado permanente diante de Deus; quando a Bíblia ensina claramente que a alegria do Senhor é a nossa força e que temos o dever de nos alegrarmos nEle sempre. Assim, se há uma hora de luto e de tristeza, não podemos permitir que ela seja o fator prevalecente sobre o nosso modo de viver. Devemos buscar consolação e auxílio no Senhor para que possamos ser achados alegres na Sua presença, uma vez passado o momento de contrição e dor, seja pelo pecado, seja pelas aflições que nos alcançam neste mundo.
25ª - Satanás persuade os homens para adiarem o seu arrependimento, para se voltarem para Deus. Ele os ilude com a ideia de que devem aproveitar o mais possível tudo o que o mundo tem para oferecer, para se ocuparem com as questões da segurança eterna de suas almas somente no final de suas vidas, quando não tiverem mais nenhum vigor ou prazer nas coisas terrenas. Mas a Bíblia ensina o dever de se converter no dia que se chama Hoje. Ninguém sabe o que o futuro lhe reservará, mas o que vive longe de Deus, ainda que não saiba por ter sido enganado pelo diabo, está fazendo a pior opção que qualquer homem pode fazer, que é a de viver longe de Seu Criador e contrariando a Sua vontade. E considere-se que quanto mais uma pessoa vive longe de Deus, mais ela fica endurecida pelo pecado, de maneira que conversões são mais comuns na juventude do que em pessoas com idade avançada. Quanto mais frio se torna o gelo, é mais difícil quebrá-lo. Quanto mais um homem se torna impenitente mais difícil será quebrar o seu coração de pedra. Quando o pecado se aloja num abrigo, mais difícil será expulsá-lo.   
26ª - Satanás, tenta, ataca e debilita a paz dos santos. Se ele não puder destruir a graça deles, ele perturbará a paz deles. Ele tenta impedir que os cristãos tenham um céu na terra. Ele tudo fará para roubar a tranquilidade e paz de mente do cristão, porque este é um dos bens mais preciosos que alguém pode ter neste mundo. Para isso ele tanto usará de ataques diretos contra a mente do cristão, como também agirá nas circunstâncias exteriores produzindo adversidades.  O Espírito Santo é o Consolador, mas o diabo é o desconsolador. Ele tudo fará para nos tentar com a mentira que estamos desamparados por Deus em nossas dificuldades e com isto, se lhe dermos crédito, ele conseguirá roubar a nossa paz. 
Com o intuito de tentar roubar a paz do cristão ele também lhe fará duvidar da certeza da sua salvação, quando estiver vivendo de modo indolente quanto aos deveres que contribuem para o seu crescimento em santificação. Assim além da própria incerteza que a falta de diligência trará consigo quanto à certeza da eleição (II Pe 1.5-10), Satanás a reforçará acusando o cristão de hipócrita e que está sujeito à condenação eterna no inferno. 
Ele criará também entraves e injustiças no relacionamento entre os cristãos de maneira que não somente quebre a unidade deles, como também venham a fugir do dever de estarem congregados em nome de Cristo e por amor a Ele e para fazer avançar o Seu reino na terra.  E esta é uma forma muito dolorida de se furtar a paz dos cristãos que eles devem a todo custo evitar orando a Deus: “não nos conduza em tentação”.  
Ele trará também temores e incertezas nas mentes dos cristãos fazendo com que pensem em nada além das suas dificuldades, e que tentem resolver os seus problemas usando apenas estratagemas humanos, que em vez de solucionar, podem agravar os problemas. Depois disto ele lançara a culpa em Deus que não cuidou devidamente dos Seus filhos e que não lhes protegeu na hora da aflição e do perigo. Entretanto, muitas destas aflições são produzidas pelo próprio diabo (como  no caso de Jó) e permitidas por Deus para o aperfeiçoamento da fé dos seus filhos, de maneira que, como Paulo possam estar contentes em toda e qualquer situação (Fp 4.11,12; II Cor 12.10).   
 
Silvio Dutra Alves
Enviado por Silvio Dutra Alves em 13/02/2013
Alterado em 13/02/2013
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