Porque Não se Segue a Cristo
Um dos maiores obstáculos para se viver de modo fiel a Cristo é a falta de negação de si próprio motivado pela recusa de se tomar a cruz que efetua esta negação, pela crucificação ego com suas paixões e desejos desordenados.
Esta recusa se dá ainda que se esteja sob a ministração do evangelho verdadeiro, sendo exposto na unção do Espírito Santo.
Não é por falta de poder em Deus que esta resistência não é rompida, mas pelo não consentimento da pessoa em permitir ser transformada pela Palavra e pelo Espírito Santo.
Deus jamais forçará qualquer pessoa a segui-Lo. Ele somente aceita aquilo que for voluntário, de forma que se não o buscarmos Ele não se deixará achar por nós. Se não batermos à porta do céu, Ele não a abrirá. Se não Lhe pedirmos humildemente que nos salve e nos santifique, Ele também não o fará.
Este falar a que nos referimos pode ser expressado por desejos voluntários do nosso coração, em esforços que nos direcionem à Sua presença e vontade.
John Wesley destacou alguns pontos para exemplificar isto na segunda parte de um dos seus sermões, intitulado “A Negação de Si Mesmo”:
1. Um homem ouve a Palavra que é capaz de salvar-lhe a alma; ele se agrada com o que ouve, reconhece a verdade e sente-se um tanto tocado por ela; contudo ainda permanece “morto em delitos e pecados”, insensível e desacordado. Por que se dá isto? Porque ele não quer romper com seu pecado predileto, conquanto agora reconheça ser uma abominação ao Senhor. Vai ouvir, cheio de cobiça e de desejos impuros – e não quer abandonar essas coisas. Consequentemente, nenhuma Impressão profunda se faz sobre ele, visto que seu louco coração está endurecido, isto é, está ainda insensível e adormecido, porque não quer “negar-se a si mesmo”.
2. Suponhamos que ele comece a despertar do sono e seus olhos se descerrem em parte; por que estes tão prontamente se fecham de novo? Por que outra vez se abisma no sono da morte? Porque de novo cede a seu pecado querido; de novo sorve o agradável veneno. Por isso é impossível que qualquer impressão perdurável se produza em seu coração; isto é, o pecador reincide em sua fatal insensibilidade, porque não quer “negar-se a si mesmo”.
3. Mas este não é o caso em referência a todos. Temos muitos exemplos dos que, uma vez despertados, jamais dormem. As impressões, uma vez recebidas, não se dissipam: não são apenas profundas, mas perduráveis. E, todavia, muitos dentre esses não acharam o que buscavam: choram, e não são consolados. Ora, por que acontece isto? Porque eles não “produzem frutos dignos de arrependimento”; porque, não dando atenção à graça que receberam, “não cessam de praticar o mal e não chegam a fazer o bem”. Não abandonam o pecado comodamente habitual, o pecado de sua constituição, de sua educação ou de sua profissão; ou deixam de fazer o bem que podem e sabem que devem fazer, em razão de alguma circunstância desagradável que o acompanha: isto é, não alcançam a fé, porque não querem “negar-se a si mesmos” ou “tomar sua cruz”.
4. Esse homem recebe, porém, “o dom celestial”; “prova os poderes do mundo vindouro”; vê “a luz da glória de Deus na face de Jesus Cristo”; “a paz que excede a todo entendimento” governa seu coração e mente; e o “amor de Deus foi derramado” nele “pelo Espírito Santo que lhe foi dado”: todavia, é agora fraco como qualquer outro homem. Outra vez apetece as coisas da terra e tem maior prazer nas coisas visíveis do que nas invisíveis; os olhos de seu entendimento outra vez se fecham, de modo que não pode “ver Aquele que é invisível”; seu amor se esfria e a paz de Deus não mais reina em seu coração. E nisto não há motivo de espanto, porque ele outra vez deu lugar ao diabo e entristeceu o Santo Espírito de Deus. Voltou-se novamente para a loucura, para algum pecado agradável, senão pela prática de algum ato exterior, ao menos no coração. Deu lugar ao orgulho, ou à ira, ou ao desejo, à voluntariedade ou à obstinação. Ou, não acendendo o dom de Deus que nele havia, deu lugar à indolência espiritual e não se conformará em “orar sempre e vigiar na oração com toda perseverança”: isto é, ele naufragou na fé, por falta de negar-se a si mesmo e de tomar a sua cruz diariamente.
5. Mas talvez não tenha ele naufragado na fé: possui ainda certa dose do Espírito de adoção, que continua a testificar com seu espírito ser ele filho de Deus. Entretanto, “não está marchando para a perfeição”; não está, como antes, faminto e sedento de justiça, suspirando por toda a imagem de Deus e pelo gozo dele, assim como a corça brama pelas torrentes de águas. Antes está cansado e abatido em seu espírito e, por assim dizer esvoaçando entre a vida e a morte. E por que está ele assim senão porque se esqueceu da Palavra de Deus – que “Pelas obras; a fé se aperfeiçoa”? Ele não usa de toda diligência no realizar as obras de Deus. Não “continua a insistir em oração”, tanto privada como pública, comungando, ouvindo, meditando, jejuando, conferindo as coisas religiosas. Se não negligencia totalmente algum daqueles meios, pelo menos deles não usa como podia. Ou não é zeloso de obras de caridade, assim como de obras de piedade. Não é misericordioso na medida de suas forças, com as qualificações completas que Deus concede. Não serve fervorosamente ao Senhor, fazendo o bem aos homens, de toda espécie e de todo grau que possa, a suas almas como a seus corpos. E por que não continua ele em oração? Porque em tempos de aridez ela lhe é penosa e desagradável. Não continua ouvindo em todas as oportunidades, porque o sono é doce; Ou porque faz frio, ou o tempo está carregado, ou chove. Mas por que não continua em obras de misericórdia? Porque não pode alimentar o faminto, ou vestir o nu, a não ser que comprima as despesas com seu próprio equipamento pessoal, ou use alimentos mais baratos e menos deleitáveis. Ao lado disso, a visita aos enfermos ou aos que se encontrem presos é encarada como a tarefa mais desagradável. E assim são as obras de misericórdia em sua maior parte, principalmente a exortação. Ele quereria admoestar a seu próximo; mas às vezes a vergonha, outras vezes o temor se interpõe: porque pode expor-se não somente ao ridículo, mas a inconveniências demasiadamente pesadas. Por essas e semelhantes considerações, omite uma ou muitas, senão todas, as obras de misericórdia e de piedade. Portanto, sua fé não se aperfeiçoa, nem pode crescer em graça; e isto porque não quer negar-se a si mesmo e tomar diariamente a sua cruz.
6. Segue-se que é manifestamente devido à falta de negação de si mesmo, ou de tomar sua cruz, que o homem não segue perfeitamente a seu Senhor, não é plenamente discípulo de Cristo. É devido a isto que o que está morto em pecados não desperta, embora soe a trombeta; que o que começa a despertar do sono não alcança convicção profunda ou perdurável; o que está profunda e solidamente convencido de pecado não atinge a remissão de seus pecados; que o que recebeu esse dom celestial não o conserva, mas naufraga na fé; e que outros, se não retrocedem para a perdição, ainda se mostram cansados e abatidos em seu espírito e não alcançam o alvo do prêmio de sua alta vocação de Deus em Cristo Jesus.