Legado Puritano
Quando a Piedade Tinha o Poder
Textos

Quem Necessita do Evangelho?

Por Charles Haddon Spurgeon

Traduzido e adaptado do texto em espanhol, em domínio público na Internet, pelo Pr Silvio Dutra.

 
“Os sãos não precisam de médico, e, sim, os doentes; não vim chamar justos, e, sim, pecadores.” (Mc 2.17).
“Cristo morreu pelos ímpios.” (Rom 5.6).
“Deus prova o seu próprio amor para conosco, pelo fato de ter Cristo morrido por nós...” (Rom 5.8).
“Fiel é a palavra e digna de toda aceitação, que Cristo Jesus veio ao mundo para salvar os pecadores, dos quais eu sou o principal.” (I Tim 1.15).
 
Vou pregar simplesmente o A B C do evangelho, os primeiros rudimentos da arte da salvação, e dou graças a Deus que isto não será novo para mim. Que o Espírito Santo, em resposta às suas orações, nos conceda uma recompensa no dia de hoje, e assim, nosso coração estará muito feliz.
Nossa missão é mostrar que o evangelho está dirigido aos pecadores, e tem os seus olhos postos nos culpados; que não tem sido enviado ao mundo como uma recompensa para as pessoas boas ou excelentes, ou para aqueles que pensam que têm certas qualidades ou que estão preparados para o favor divino, senão que está destinado aos que não cumprem a lei, aos indignos, aos ímpios, a quem se tem extraviado como ovelhas perdidas, ou têm abandonado a casa de seu pai como o filho pródigo. Cristo morreu para salvar os pecadores, e Ele justifica aos ímpios. A verdade é  suficientemente clara na Palavra, porém como o coração dá coices contra ela, devemos insistir nela com muita dedicação. Mesmo numa época difícil como a nossa em pleno começo do século XXI, em que Satanás tem semeado todo tipo de semente de perversidade nos corações dos homens e tem alcançado grande sucesso em tornar mais densas as trevas sobre a face da terra, o evangelho de Cristo não perdeu a sua função de proclamar a todos os pecadores que há salvação gratuita disponível para todo aquele que se arrepender dos seus pecados e se entregar a Cristo. Ainda que o padrão da cultura mude continuamente, afetando a família e as pessoas de modo a que se tornem cada vez mais pecaminosos, o padrão de Deus não mudou e jamais mudará quer para as pessoas individualmente, quer para a família, e é impossível viver este padrão fora de uma vida inteiramente consagrada a Cristo e ao seu evangelho. Todo aquele que tendo sido transformado num cristão, terá vitória sobre o pecado que tão de perto o assedia, somente se entregando à obra de Cristo, pela consagração real de sua vida num verdadeiro compromisso com Ele. É se exercitando nos deveres espirituais que se pode ficar fortalecido pela graça que está em Cristo Jesus. Não há outro modo para se andar em vitória. Assim como um atleta não pode vencer a corrida se não treinar muito, e permanecer em atitude de treinamento, assim também o cristão não poderá viver em vitória se não se exercitar nas coisas referentes ao reino de Deus. Assim, somente há salvação em Jesus tanto para ser justificado e regenerado, para ser livrado do inferno, da escravidão ao pecado e ao diabo, e à condenação da lei à morte eterna, quanto para se ter um andar em vitória em sua peregrinação terrena.  Fora da videira verdadeira e se não for podado pelo processo da santificação o ramo não pode frutificar. Se não permanecermos em Cristo, depois de tê-lo conhecido, Ele não pode permanecer em nós, assim como as Suas Palavras, e com isto entristeceremos o Espírito Santo que é o único que pode vencer a batalha contra a carne, o mundo e o diabo. Numa palavra bem prática para isto: que as reuniões da igreja, quer de adoração, quer de oração, sejam verdadeiramente espirituais e centradas em Cristo, e que nelas se busque de fato a presença e o socorro de Deus. E que o cristão seja assíduo em frequentá-las, em dar testemunho pessoal de sua fé a outros, onde quer que esteja ou vá. Que santifique sua vida em sua casa, na escola, no trabalho, na igreja. Que louve ao Senhor com cânticos espirituais. Que medite na Bíblia e a pratique. Sem ser diligente nestas coisas, não poderá de modo algum prevalecer com Deus e com os homens. Porque a graça é derramada abundantemente somente sobre aqueles que sabem reconhecer o seu profundo valor. Ela é abundante mas não é comum e vulgar. Deus controla o seu derramar sobre os que são diligentes em fazer a Sua vontade, de modo que a graça se mantém preciosa apesar de ser derramada abundantemente sobre nós.          
Agora, ainda que se espere de nós completa diligência,  toda a nossa vitória está em Cristo, e procede da mão de Cristo, nosso Salvador.
Mesmo uma olhada superficial à missão de nosso Senhor bastará para mostrar que sua obra foi para o pecador. Porque, queridos irmãos, a vinda do Filho de Deus a este mundo como Salvador significou que os homens necessitavam ser libertados de um mal muito grande por meio de uma mão divina. A vinda de um Salvador que mediante sua morte proporcionaria o perdão para o pecado do homem, significava que os homens eram sumamente culpados, e incapazes de procurar o perdão por meio de suas próprias obras. Vocês nunca viriam um Salvador se não tivesse havido uma queda. O Éden foi um prefácio necessário para as angústias do Getsêmani. Vocês nunca teriam sabido de uma cruz nem de um Salvador sangrando nela, se não houvessem escutado primeiro da árvore da ciência do bem e do mal, nem de uma mão desobediente que arrancou o fruto proibido. Se a missão de nosso Senhor não se referisse ao culpado, seria, até onde podemos entender, uma tarefa totalmente desnecessária. O que justifica a encarnação senão a ruína do homem? Que pode explicar a vida de sofrimento de nosso Senhor senão a culpa do homem? Sobretudo, que explica sua morte e a nuvem sob a qual morreu senão o pecado do homem? Todos nós nos desgarramos como ovelhas. Porém Jeová colocou nele o pecado de todos nós. Essa é a resposta a um enigma que, de qualquer outra maneira, não teria resposta.
Isto nos conduz a um segundo ponto muito importante. Há muitas coisas que devemos fazer, mas a nossa aceitação por Deus, por sermos pecadores, nunca será baseada na nossa própria justiça ou na qualidade do mérito das nossas boas obras, porque tudo está amarrado à justiça do próprio Cristo e aos Seus méritos. Fazemos o que devemos fazer porque não há outro modo para um filho de Deus viver. Mas o comportamento que é aprovado em nós não pode de modo algum proceder da nossa natureza terrena, pois todo bem que houver em nós procederá obrigatoriamente da nova natureza recebida na conversão. O Senhor nos fortifica na Sua graça e é isto o que nos habilita a fazer o bem e a vencer o mal. Se não somos fortificados pela Sua graça, não podemos andar nos seus caminhos.
Se tivesse existido uma salvação por obras teria sido por meio da lei, já que a lei é íntegra e justa e boa, porém o novo pacto evidentemente trata com pecadores, porque não fala de recompensa ao mérito, senão que, promete sem condições: “Serei misericordioso quanto às suas injustiças e jamais me lembrarei de seus pecados.”. Se não tivesse existido pecados e iniquidades e injustiças não teria havido necessidade do pacto da graça, do qual Cristo é o mensageiro e o embaixador. A mais ligeira olhada no caráter oficial de nosso Senhor como o Adão de um novo pacto deveria ser suficiente para nos convencer que sua missão é para os homens culpados. Moisés vem para nos mostrar como deve se comportar o homem santo, porém Jesus vem para revelar como pode ser limpo o impuro. 
Sempre que escutamos algo da missão de Cristo, é descrita como uma missão de misericórdia e graça. Na redenção que está em Cristo Jesus é a misericórdia de Deus que sempre é exaltada. Nos salvou por sua misericórdia. Ele, por meio de Jesus, por sua abundante misericórdia, perdoa nossas ofensas. “A lei foi dada por meio de Moisés, porém a graça e a verdade nos têm chegado por meio de Jesus Cristo.”. O apóstolo Paulo, que foi o que explicou de maneira mais clara o evangelho, estabelece a graça como a única palavra em que se apoiam as mudanças: “Onde abundou o pecado, superabundou a graça.”. Porque pela graça sois salvos por meio da fé, e isto não vem de vós, pois é dom de Deus.”. 
Porém, irmãos, a misericórdia, implica pecado: não se pode reservar nenhuma misericórdia para os justos, porque é a justiça mesma quem lhes outorga todo o bem. Assim mesmo, a graça somente pode ser outorgada a pecadores. Que graça necessitam aqueles que têm guardado a lei, e merecem o bem das mãos de Jeová? Para eles a vida eterna seria mais uma dívida, uma recompensa muito bem ganha, porém se o tema é o da graça, imediatamente há que se eliminar a ideia de mérito e tem que ser introduzido outro princípio. Somente se pode praticar a misericórdia onde há pecado, e a graça não pode ser outorgada senão a quem não tem nenhum mérito. Isto está muito claro e, contudo, todo o conteúdo da religião de alguns homens está baseado em outra teoria. Assim, mesmo no processo de santificação de cristãos, a justiça própria é de todo excluída, porque tudo procede da graça e da misericórdia de Deus. Por maiores que sejam nossas obras e testemunho são mera consequência da nossa comunhão com Cristo, quem é que faz tudo em nós e por meio de nós. Assim todo o mérito Lhe pertence e faríamos bem em tributá-lo assim como Paulo que disse que tudo o que era e fazia era por causa da graça de Jesus (I Cor 15.10). Mas ainda que endurecidos e envaidecidos pela carne, não reconheçamos que todo o bem em nós tem realmente sua procedência na graça do Senhor que em nós opera, isto não mudará nem um milímetro a verdade de que tudo o que somos e fazemos de agradável a Deus é movido pela Sua graça em nós. Os próprios anjos, arcanjos, querubins, os vinte e quatro anciãos tributam honra e glória ao Cordeiro nos céus, por reconhecerem a excelência da Sua obra em favor dos pecadores, e por isso afirmam que somente Ele é digno de toda honra, glória e louvor, ainda que não sejam objeto da Sua misericórdia e graça por não terem pecado, quem somos nós pecadores que somos o alvo do Seu santo favor, para não tributar-Lhe o que somente a Ele é devido? Se não o fazemos por ignorância, não é isto uma grande ofensa à bondade e misericórdia de Deus?  
O fato é que, quando começamos o estudo do evangelho da graça de Deus, vemos que sempre volta seu rosto para o pecado, da mesma maneira que o médico olha a enfermidade, ou a caridade a necessidade. O evangelho lança seus convites porém que são os convites? Não estão dirigidos a quem está sobrecarregado com o peso do pecado, e que está fatigado tentando escapar de suas consequências? Convida a toda criatura porque toda criatura tem suas necessidades, porém especialmente diz: “Deixe o ímpio seu caminho, e o homem iníquo seus pensamentos”. Convida ao homem que não tem dinheiro, ou em outras palavras, sem nenhum mérito. Chama àqueles que estão necessitados, e sedentos, e pobres, e desnudos e todas estas condições são figuras de estados equivalentes produzidos pelo pecado.
Os próprios dons do evangelho implicam pecado; a vida é para os mortos, a vista é para os cegos, a liberdade é para os cativos, a limpeza é para os sujos, a absolvição é para os pecadores. Nenhuma bênção do evangelho é proposta como uma recompensa, e não se faz nenhum convite a quem reclama as bênçãos da graça como algo a que tem direito; os homens são convidados a vir e receber dons gratuitamente de acordo com a graça de Deus. E quais são os mandamentos do evangelho? O arrependimento. Porém quem se arrepende senão um pecador? A fé. Porém crer não é um mandamento da lei, a lei somente fala de obras. Crer tem a ver com os pecadores, e com o método de salvação, por meio da graça. 
As descrições que o evangelho faz de si mesmo usualmente apontam para o pecador. O grande rei que fez uma festa e não encontrou a nenhum convidado que se sentasse à mesa entre aqueles que naturalmente se esperava que chegassem, obrigou seus mensageiros que fossem para as ruas e becos da cidade para convidar pessoas a virem à sua festa. Se o evangelho se descreve a si mesmo como uma festa, é uma grande festa para os cegos, para os coxos e para os pobres e aleijados; e se descreve a si mesmo como uma fonte, é uma fonte aberta para limpar o pecado e as impurezas. Em todas as partes, em tudo o que faz e diz e dá aos homens, o evangelho se manifesta como o amigo do pecador. O lema de seu Fundador e Senhor é este: “amigo dos pecadores”. O evangelho é um hospital para os enfermos, ninguém senão o culpado aceitará seus benefícios; é remédio, os sãos e os que creem em sua própria justiça nunca poderá experimentar seus remédios salvadores. Quem imagina que possui alguma excelência diante de Deus nunca se preocupará em ser salvo pela graça soberana. O evangelho, eu digo, olha para o pecador. Nessa direção e somente nessa direção lança suas bênçãos. E aqui cabe reforçar o que disse Paulo, pois quando já era um cristão afirmou ser o principal dos pecadores. Esta condição do evangelho ser para pecadores indignos continua prevalecendo mesmo depois da nossa conversão, porque enquanto neste corpo continuamos ainda sujeitos ao pecado e inteiramente dependentes da graça e misericórdia de Deus para sermos inteiramente aceitos por Ele, apesar das nossas imperfeições. A lembrança desta verdade continuamente é algo muito importante para manter-nos sempre humildes na presença de Deus.
Irmãos, vocês sabem que o evangelho sempre tem encontrado seus maiores troféus entre os maiores pecadores, e alista seus melhores soldados não somente nas filas dos culpados senão dos maiores culpados: “Simão”, disse nosso Senhor: “Tenho algo que dizer-te: certo credor tinha dois devedores, um lhe devia quinhentos denários, e o outro cinquenta. Como eles não tinham com que pagar, perdoou a ambos. Então, qual destes o amará mais?”. O evangelho se baseia no princípio de que quem tem tido muito para ser perdoado, amará mais, e assim seu Senhor misericordioso se deleita buscando aos mais culpados e manifestando-se a eles com amor superabundante, dizendo: “Tenho apagado como névoa as tuas rebeliões, e como a nuvem os teus pecados.”.    
Entre os maiores transgressores encontra os que mais intensamente o amam uma vez que os tem salvado, destes recebe a acolhida mais cordial e neles obtém os seguidores mais entusiastas. Uma vez que são salvos, os grandes pecadores coroam a esta graça imerecida com seus dilemas. Podemos estar bem seguros que o evangelho tem seus olhos postos nos pecadores. Contudo há pessoas que se opõem a esta ideia.
Saibam os homens que não vive na face da terra um só homem a quem Deus possa contemplar com prazer se considerasse a esse homem sob a luz da Sua lei. “Cada um se tem desviado, a uma se têm corrompido. Não havia quem fizesse o bem, não havia nem sequer um.”. Nenhum coração por natureza é são ou justo diante de Deus, nenhuma vida é pura ou limpa quando o Senhor vem para examiná-la com seus olhos que tudo veem. Estamos encerrados na mesma prisão com todos os culpados, se não somos igualmente culpados, somos culpados na medida de nossa luz e de nosso conhecimento, e cada um é condenado justamente, porque nos temos desviado em nosso coração e não temos amado ao Senhor. A quem, então poderia olhar o evangelho se não dirigisse seus olhos para o pecador? Por quem mais poderia haver morrido o Salvador? Que pessoas há no mundo para as quais os benefícios da graça poderiam ser destinados?
A obra de salvação certamente não foi levada a efeito em favor de nenhum de nós que somos salvos por causa de alguma bondade em nós. Se houvesse algo bom em nós seria posto pela graça de Deus, e certamente não estava ali, quando no princípio, as entranhas do amor de Jeová começaram a se mover na nossa direção. Se consideramos o primeiro sinal distintivo da salvação que foi realmente visível na terra, a saber, a vinda de Cristo, se nos diz que “ainda sendo fracos, Cristo morreu a seu tempo pelos ímpios. Dificilmente alguém morreria por um justo. Contudo, poderia ser que alguém ousasse morrer pelo bom. Porém Deus demonstra seu amor para conosco por ter Cristo morrido por nós quando ainda éramos pecadores.”.  Todos os dons que Jesus Cristo veio dar, ou quando menos a maior parte deles, implicam que há pecado. Qual é seu primeiro dom, senão o perdão? Como pode perdoar a um homem que não tenha transgredido? Falo com toda reverência, não pode haver uma tal coisa como perdão onde não haja ofensa cometida.
Propiciar pelo pecado, e apagar a iniquidade, ambas coisas requerem que haja um pecado para que possa ser apagado. Cristo veio para trazer a justificação, e isto mostra que deve haver uma falta de santidade natural nos homens, porque caso contrário, seriam justificados por si mesmos e por suas próprias obras. E por que todas estas expressões acerca da justificação pela justiça do Filho de Deus, se os homens estão já justificados por sua própria justiça? Essas duas bênçãos, e outras do mesmo tipo, são claramente aplicáveis somente aos pecadores. Para ninguém mais podem ter utilidade. 
Todos os dons e bênçãos que Jesus tem trazido para nós derivam muito de seu brilho por sua relação com os pecadores. É em Jesus Cristo que somos eleitos e para mim a glória desse amor que elege descansa nisto, que foi dirigido para tais objetos sem mérito algum. Como pode existir uma eleição se houvesse sido de acordo com o mérito? Então os homens seriam classificados por direito próprio de acordo com suas obras. Porém as glórias da eleição brilham com a graça, e a graça tem sempre como sua envoltura e como seu conteúdo interno a falta de méritos dos objetos para os quais se manifesta. A eleição de Deus não é de acordo com nossas obras, senão uma imerecida eleição dentre os pecadores. Adoremos e maravilhemo-nos. Ele não escolhe entre excelentes mas entre pecadores.
Qual é a glória da adoção, senão que Deus tem adotado àqueles que eram estranhos e rebeldes para fazê-los seus filhos? Qual é a beleza especial da regeneração, senão que ainda destas pedras Deus pode levantar filhos a Abraão? Qual é a beleza da santificação, senão que tem tomado a criaturas tão ímpias como nós para fazer-nos reis e sacerdotes para Deus, e para santificar-nos completamente, espírito, alma e corpo? Penso que é a glória do céu pensar que aqueles membros do coro vestidos de branco estiveram alguma vez sujamente corrompidos, esses felizes adoradores foram num tempo rebeldes contra Deus.
Alguns apresentam objeções: “Não admiro este sistema. Vou ser salvo da mesma maneira que um ladrão moribundo?”. Precisamente é assim, a menos que sucedesse que te seja dada maior graça a ti, em teu orgulho, do que a ele. Alguém mais dirá: “Vou ser colocado no mesmo nível da mulher que foi uma pecadora? Tenho sido puro e casto, e vou dever minha salvação à absoluta misericórdia de Deus tanto quanto ela?”. Sim, exatamente assim. Só há um princípio sob o qual Deus salva os homens, e é o da graça imerecida. Certo homem havia conspirado várias vezes contra o imperador Napoleão, e foi pronunciada a sua sentença de morte. Sua filha suplicou por sua vida, e finalmente, quando obteve uma audiência com o imperador, caiu de joelhos diante dele. “Minha filha”, disse o imperador, “é inútil que supliques por teu pai, porque tenho a evidência mais clara de seus muitos crimes, e a justiça requer que morra.”. A jovem lhe disse: “Senhor, não peço justiça, imploro misericórdia. Eu confio na misericórdia de teu coração e não na justiça do caso.”. Ele a ouviu pacientemente, e por sua petição a vida do seu pai foi salva. Imitem essa súplica e exclamem: “Tem piedade de mim, oh Deus, conforme a tua misericórdia.”.
A justiça não te deve nada senão a morte, somente a misericórdia pode te salvar. Confia na misericórdia da corte e pede misericórdia, misericórdia por pura graça, misericórdia imerecida, favor gratuito, isto é o que deves pedir, e tal como na lei há uma forma de juízo chamada in forma pauperis, a saber, na forma de um indigente, adota o método e como um homem cheio de necessidades suplica o favor das mãos de Deus, in forma pauperis, e te concederá.
Penso que todos verão que o perdão imerecido para os pecadores promove uma parte do caráter verdadeiro, a saber, disposição para perdoar a outros, porque a quem se lhe tem perdoado muito lhe será fácil perdoar as transgressões dos demais. Se não o fizer, bem pode duvidar se tem sido ele mesmo perdoado, porém se o Senhor tem apagado sua dívida de mil talentos ele logo perdoará os cem centavos que seu irmão lhe deve.
Finalmente, alguns de nós sabemos, e gostaríamos que todos o soubessem por experiência pessoal, que um sentimento de favor imerecido e livre perdão é a alma mesma do entusiasmo, e o entusiasmo é para os cristãos o que o sangue é para o corpo. Alguma vez se entusiasmaram diante de um discurso frio sobre a excelência da moralidade? Sentiram que sua alma se sacudia dentro de vocês ao escutar um sermão sobre as recompensas da virtude pessoal? Alguma vez se entusiasmaram quando se lhes falou acerca dos castigos da lei? De nenhuma maneira, porém preguem as doutrinas da graça, deixem que o favor soberano de Deus seja exaltado, e observem os resultados.
Há algo na alma do homem que está buscando o evangelho da graça, e quando vem, há fome para ouví-lo.
Há uma doçura acerca da misericórdia, da misericórdia divina, graciosamente dada, que captura o ouvido do homem e sacode seu coração. Quando esta verdade penetra na alma cria entusiastas, mártires, confessores, missionários, santos. Se há cristãos sérios, e cheios de amor a Deus e aos homens, são aqueles que sabem o que a graça tem feito por eles. Se há quem permaneça fiel diante das perseguições e cheios de gozo diante das dificuldades e das cruzes, são aqueles que estão conscientes de sua dívida para com o amor divino. Se há quem se deleite em Deus enquanto vive, e descansa nele quando morre, são os homens que sabem que são justificados pela fé em Jesus Cristo que justifica o ímpio. 
Toda a glória seja para o Senhor que elevou ao mendigo desde o montão de esterco e o pôs em meio aos príncipes, os príncipes de Seu povo. Ele toma aos desprezados pelo mundo e os adota como membros de sua família e os faz herdeiros de Deus. O Senhor nos permite conhecer o poder do evangelho sobre nosso eu pecador. O Senhor nos faz desejar o nome, a obra e a pessoa do Amigo do Pecador. Oxalá que nunca esqueçamos o lodaçal do poço do qual fomos retirados, nem a mão que nos resgatou, nem a imerecida bondade que moveu essa mão. A partir de agora e cada vez com maior zelo teremos que falar da graça infinita. “Graça imerecida e amor até a morte.”. Bem diz esta canção espiritual. “Soam essas campainhas encantadoras.”. Graça imerecida e amor até a morte, são as janelas da esperança do pecador. Nossos corações se alegram com essas palavras. Glória a ti, oh Senhor Jesus, sempre cheio de compaixão. Amém.
 
Silvio Dutra Alves
Enviado por Silvio Dutra Alves em 18/02/2013
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