O Evangelho Glorioso
Por Charles Haddon Spurgeon
Traduzido e adaptado do texto em espanhol, em domínio público na Internet, pelo Pr Silvio Dutra.
“Fiel é esta palavra e digna de toda aceitação, que Cristo Jesus veio a mundo para salvar os pecadores, dos quais eu sou o principal." -- 1 Timóteo 1:15
Quando antigamente os profetas vinham da parte do Senhor, pregavam tais juízos e ameaças e calamidades que seus rostos refletiam muita tristeza e seus corações pesar. Normalmente começavam sua mensagem anunciando: “A carga do Senhor, a carga do Senhor”. Porém agora, nossa mensagem não é essa carga. Nem ameaças nem trovões formam o tema do ministro do evangelho. Somente se fala de misericórdia. O amor é a suma e a substância de nosso evangelho – amor imerecido – amor para o principal dos pecadores. Mesmo quando falamos da ira de Deus e dos Seus juízos que sobrevirão aos ímpios, é para lhes apontar a graça e a misericórdia que está disponível para eles em Cristo nesta presente dispensação.
Quando pregamos o evangelho, não devemos titubear. Devemos mostrar-lhes hoje um Salvador tal que nem a terra nem o céu podem mostrar. É tão amoroso, tão grandioso, tão poderoso e tão bem adaptado a todas as nossas necessidades que é suficientemente evidente que Ele foi preparado desde o princípio para encher nossas mais profundas necessidades. Sabemos que Jesus Cristo que veio ao mundo para salvar os pecadores era Deus. E que desde muito tempo antes que viesse a este mundo, os anjos o adoravam como o Filho do Altíssimo. Quando lhes pregamos o Salvador, lhes dizemos que ainda que Jesus era Filho do Homem, osso dos nossos ossos e carne de nossa carne, Ele era desde toda a eternidade o Filho de Deus e tem nEle todos os atributos que constituem a perfeita Divindade.
O nome dado a Cristo sugere algo relacionado com sua Pessoa. Ele é chamado em nosso texto: “Cristo Jesus”. Essas duas palavras querem dizer o “Salvador Ungido”. O Salvador Ungido que veio ao mundo para salvar os pecadores.
Cristo veio ao mundo no sentido da mais perfeita e completa união com a natureza humana. Quando pregamos a um Divino Salvador, talvez o nome de Deus é tão terrível para ti, que dificilmente pensas que o Salvador se adapta a ti. Porém escuta de novo a velho história. Ainda que Cristo era Filho de Deus, Ele abandonou seu altíssimo trono na glória e se inclinou até a manjedoura. Ali está como um recém-nascido. Veja-o crescer desde sua infância até a idade adulta e como vai pregar ao mundo e sofrer. Veja-o gemer sob o jugo da opressão. É humilhado e desprezado. Seu rosto está mais desfigurado do que o de qualquer outro homem e sua figura mais que a dos filhos dos homens. Veja-o no horto com suas gotas de sangue. Veja-o na casa de Pilatos onde é açoitado e seus ombros abertos sangram pelos açoites.
Veja-o na cruz sangrenta. Veja-o morrendo numa agonia demasiado terrível para poder imaginá-la, muito menos descrevê-la. Veja-o no sepulcro silente. Veja-o finalmente rompendo as ataduras da morte levantar-se ao terceiro dia para depois subir aos céus “levando cativo o cativeiro”. Pecador, agora tens ao Salvador diante de ti, claramente manifestado.
Aqueles pelos quais morreu são descritos, sem nenhum adjetivo que diminua o alcance da palavra, como pecadores, como simplesmente pecadores, sem nenhum distintivo de mérito ou marca de bondade que os possa distinguir de seus companheiros. Pecadores. Agora o termo inclui uma mostra de cada tipo de pecadores. Os pecados de alguns homens são pouco visíveis. Têm educação religiosa e possuem também educação moral, portanto não se lançam às profundidades do pecado. Se contentam com marchar ao largo das costas do vício – e se guardam de aventurar-se terra adentro. Agora, Cristo tem morrido por estes também, já que muitos deles têm sido levados a conhecê-lo e a amá-lo. Que ninguém pense que devido a que seus pecados são menores, que há menos esperança para ele.
Que estranho que alguns pensem assim! “Se tivesse sido um blasfemo, diz alguém, “ou que tivesse prejudicado a muitos, teria tido mais esperança. Ainda sei que tenho pecado grandemente diante de meus próprios olhos, diante dos olhos do mundo me tenho equivocado pouco e portanto não me sinto plenamente incluído”. Não digas isso! Diz: “Pecadores”. Se te podes incluir neste catálogo, seja do princípio ao fim, não importa onde estejas incluído.
Cristo também morreu para salvar os pecadores sobrecarregados com os piores pecados. Seria uma vergonha mencionar as coisas que eles praticam em privado. Há homens que têm inventado vícios que nem o demônio mesmo conhecia até que eles os inventaram. Tem havido homens de natureza tão bestial que mesmo os cachorros são criaturas mais honoráveis do que eles. Temos sabido de seres cujos crimes têm sido mais diabólicos e mais detestáveis do que qualquer ação atribuída ainda que ao demônio mesmo. Porém meu texto nem sequer exclui a estes.
Há alguns pecadores que indubitavelmente se perderão porque rechaçam a Cristo. O desprezam. Não se arrependem. Elegem sua própria justiça. Não se voltam para Cristo. Não aceitam seus caminhos nem seu amor. Para tais pecadores, não há promessa de misericórdia, já que não existe nenhum outro caminho de salvação. Quando desprezas a Cristo desprezas tua própria misericórdia. Se te afastas dEle terás demonstrado que Seu sangue não é eficaz para ti. Despreza-o, e quando o desprezares, então morrerás sem entregar tua alma em suas mãos e terás dado mostras terríveis que ainda que o sangue de Cristo seja Todo-poderoso, nunca te foi aplicado, nunca foi vertido no teu coração para apagar os teus pecados.
Agora, o que significa “salvar os pecadores? Cristo veio salvar os pecadores, e esta salvação significa todo o trajeto que inclui desde a conversão de uma pessoa caída em seus pecados até o dia em que o seu espírito for elevado às alturas na presença de Deus no céu. Salvação consiste em que nossos velhos pensamentos sejam convertidos em novos, que nossos velhos hábitos e costumes sejam mudados em novos. Que nossos velhos pecados sejam perdoados e recebamos uma justiça que não é nossa. Ter paz em nossa consciência, paz com o homem e paz com Deus. Ter o vestido sem mancha de uma justiça que não é nossa sobre nosso corpo e ser curados e lavados.
Ser salvo é ser resgatado do golfo da perdição. É ser levantado ao Trono do céu. Ser livrado da ira e da maldição e dos trovões de um Deus irado, e ser levados a sentir e a provar o amor, a aprovação e o aplauso de Jeová, nosso Pai e nosso Amigo. E Cristo dá aos pecadores tudo isto. Quando prego este simples evangelho, não tenho nada que ver com aqueles que não se considerem pecadores. Não tenho nada que ver com aqueles que devem ser canonizados, nem com os que reclamam uma santa perfeição obtida por meio deles mesmos. Meu evangelho é para os pecadores e somente para os pecadores. E a totalidade desta salvação, tão ampla e brilhante e indizivelmente preciosa e eternamente segura, está dirigida hoje aos marginais, aos desprezados – numa palavra, está dirigida aos pecadores.
Creio haver declarado a verdade do texto. Certamente, ninguém pode me entender mal a menos que o faça intencionalmente. “Cristo veio para salvar os pecadores.”.
O nosso texto diz: “Fiel é esta palavra” – essa é uma recomendação para o que duvida. E depois diz: “e digna de toda aceitação” – esta é uma recomendação para o indiferente e para o ansioso.
Primeiro, "Fiel é esta palavra". Este texto se recomenda ao que duvida. O diabo tão logo detecta que há um homem sob o som da Palavra de Deus, desliza pela multidão e sussurra no seu coração: “Não o creias!”. E no ouvido de outro: “Ri-te disso”; e no de outro: “Não aceites isso!”. E quando topa com uma pessoa para quem a mensagem foi dirigida – alguém que se sente pecador, então o diabo redobra seus esforços, para que não creia absolutamente na mensagem. Sei o que Satanás tem dito a ti, meu pobre amigo. Ele diz que é demasiado bom para ser certo, e que portanto não deves crer. Deixem-me responder ao diabo com as próprias palavras de Deus: “Fiel é esta palavra”. É boa e é tão verdadeira como boa. É demasiado boa para ser realidade se Deus mesmo não a houvesse dito. Porém, posto que é Ele que a diz, não é demasiado boa para ser realidade. Te direi porque pensas que é demasiado boa para ser certo – é porque tu pesas o trigo de Deus com a tua própria balança. Por favor recorda que teus caminhos não são Seus caminhos, nem Seus pensamentos são teus pensamentos. Como são mais altos os céus que a terra, assim são Seus caminhos mais altos que vossos caminhos e Seus pensamentos mais altos que vossos pensamentos.
Pois bem, tu pensas que se algum homem te ofende, não poderias perdoá-lo. Como, porém Deus não é um homem – Ele pode perdoar onde tu não podes. E nessas situações onde tu agarrarias a teu irmão pelo pescoço, Deus o perdoaria setenta vezes sete. Não conheces a Jesus, de outra maneira crerias nEle. Cremos honrar a Deus quando pensamos graves coisas de nossos pecados. Recordemos que enquanto devemos pensar grandemente em nossos pecados, não damos a devida honra a Deus se pensamos que o nosso pecado é maior do que Sua graça. A graça de Deus é infinitamente maior que nossos maiores crimes. Somente há uma exceção que Ele tem estabelecido e um penitente não está incluído nessa exceção, que é a de blasfemar contra o Espírito.
Meu espírito está enfermo pelo pecado – pode este remédio curar-me? Sim, o evangelho é digno de ti – é equivalente à tua enfermidade, é equivalente às tuas necessidades, é completamente suficiente para tuas demandas. Se tivesse um meio-evangelho que pregar, ou um evangelho defeituoso, não o pregaria com ardor. Mas tenho um que é digno de toda aceitação, a saber: Cristo.
Oh que possam mirá-lo fixamente, e ver nele sua própria salvação e a glória do Senhor.
Observem a confiança com que Paulo fala. É evidente de maneira categórica que não tinha a menor dúvida que o evangelho que ele proclamava é verdadeiramente certo, mais ainda, que é verdadeiro de maneira tão manifesta que se os que o têm escutado não o aceitam, deve ser porque o deus deste mundo tem cegado suas mentes. E cabe destacar que Deus fazia pelas mãos de Paulo sinais e maravilhas poderosos com o fim de confirmar a genuidade da mensagem que ele pregava. O acento da convicção faz que cada palavra seja muito enfática. Ele crê e está seguro e plenamente convencido que aqueles que não creem devem estar sob a escravidão do diabo. Isto não é o estilo ordinário em que o evangelho é pregado hoje em dia. Escutamos muitos homens que se desculpam cortesmente por afirmar algo como certo, pois temem que se pense deles que são fanáticos e de mente estreita: tentam demonstrar coisas que são tão claras como a luz do dia, e de apoiar com argumentos o que o próprio Deus tem dito, como se o sol necessitasse de velas para ser visto, ou como se Deus necessitasse do apoio da razão humana. O apóstolo não assumiu uma posição defensiva de nenhuma maneira: levou a guerra às filas inimigas e pôs sítio aos incrédulos. Trazia uma revelação de Deus, e cada uma de suas palavras indicava uma direção aos homens: “Esta é a palavra de Deus, têm que crê-la, porque se não o fizerem incorrerão em pecado, e provarão que estão perdidos, e que estão sob a influência do diabo.”.
Quando o evangelho era pregado nesse estilo real, prevalecia com poder e aniquilava toda oposição. Supostamente alguns deviam fazer objeções. Que vai dizer este charlatão? Era uma pergunta comum, porém os mensageiros da cruz davam um alto aos que objetavam, pois simplesmente seguiam declarando o evangelho glorioso. Sua única palavra era: “Isto vem de Deus: se creem serão salvos, se o rechaçam serão condenados.”. Não mostravam escrúpulos ou respeito aos desejos corrompidos dos homens, senão que falavam como homens que criam em sua mensagem, e estavam convencidos que a mensagem deixava aos incrédulos sem excusa alguma. Nunca alteraram sua doutrina ou suavizaram o castigo por rechaçá-lo. Como fogo no meio do matagal, o evangelho consumia tudo o que estava ao seu redor quando era pregado como a revelação de Deus. Hoje não se propaga com a mesma fidelidade porque muitos de seus mestres têm adotado, segundo eles, métodos mais sofisticados, têm menos certeza e mais indiferença, e portanto arrazoam e argumentam onde deveriam proclamar e afirmar.
Alguns pregadores passam metade do seu tempo analisando as asneiras que o homem científico ou não científico tem afirmado, e passam a outra metade do seu tempo procurando responder a tais afirmações. Que sentido tem desatar os nós que são atados pelos céticos? Simplesmente vão atar mais. Não compete a mim mensageiro discutir acerca de minha mensagem, senão entregá-la fielmente como minha mensagem, e deixar as coisas assim. Se regressamos à velha plataforma, e falamos a mensagem de Deus, não teremos falado em vão, já que Ele honrará sua própria palavra. Este ponto é importantíssimo, porque é uma grande tentação argumentar em favor ou contra a ciência com base nos seus próprios termos, e com isto se oculta a pregação da mensagem do evangelho. Não somos levantados para fazer apologética com tudo aquilo que Satanás levanta contra o evangelho, atuando no mesmo campo das coisas que são afirmadas contra a Palavra, mas sim, afirmarmos cada doutrina, cada ponto da Palavra na autoridade do Espírito Santo. Foi isto que fez de Lutero o que foi Lutero, de Zwinglio o que foi Zwinglio, e de nós, aquilo que seremos nas mãos de Deus nestes dias em que tem manifestado de forma tão clara a presença do Seu poder entre nós.
O pregador deve falar em nome de Deus, ou é melhor que se cale. Meu irmão, se o Senhor não te tem enviado com uma mensagem, volta à tua cama, ou à escola, ou te dedica aos teus interesses, porque que importa o que tu tens a dizer se somente sai de ti? Se o céu te tem dado uma mensagem, proclama-a como tem que fazê-lo o que é chamado a ser a boca de Deus. Se inventamos nosso próprio evangelho no caminho, produto de nossas cabeças, e compomos nossa própria teologia, como os farmacêuticos preparam seus remédios, temos uma tarefa sem término diante de nós, e o fracasso nos contempla a face. Ai da debilidade do gênio humano e da falácia do raciocínio dos mortais. Porém se temos que entregar o que Deus declara temos uma simples tarefa, que nos levará a grandiosos resultados, pois o Senhor tem dito: “Assim será com a minha palavra que sai da minha boca: Não voltará para mim vazia.”.
Onde aprendeu o apóstolo a falar de maneira tão positiva? No primeiro versículo deste capítulo nos diz: “Por isto, tendo nós este ministério segundo a misericórdia que nos foi dada, não desmaiamos.”. Ele mesmo havia sido uma vez um perseguidor; e havia sido convencido de seu erro quando lhe apareceu o Senhor Jesus. Este foi um grande ato de misericórdia. Agora ele sabia que seus pecados lhe haviam sido perdoados; ele sentia em seu próprio coração que era um homem regenerado, mudado, limpo, criado de novo e isto era para ele uma evidência contundente que o evangelho era de Deus. Para ele, de qualquer maneira o evangelho era uma verdade comprovada, que não necessitava de nenhuma outra demonstração que o efeito maravilhoso que havia exercido sobre ele. Havendo recebido ele mesmo a misericórdia, julgava que outros homens também necessitavam dessa misericórdia, tal como ele, e que o mesmo evangelho que havia trazido luz e consolo à sua própria alma lhes traria a salvação. Isto lhe animava para seu trabalho. Esta consciência que tinha lhe impulsionava a falar como alguém que tem autoridade. Não duvidava nem o mínimo, pois falava do que havia experimentado. Ah, amigos, nós não somente entregamos uma mensagem que cremos que é de Deus senão que dizemos o que tem sido provado e comprovado dentro de nossas próprias almas. Para um pregador não convertido deve ser uma aperto terrível, pois não tem a evidência da verdade que proclama. Um homem que conhece o efeito do evangelho em seu próprio coração deve suportar muita ansiedade quando prega o evangelho. Na realidade, que sabe do evangelho se nunca tem sentido seu poder? Porém se tem sido convertido por sua mediação então tem muita confiança e não será perturbado pelas perguntas e estratagemas dos que se lhe opõem. Sua consciência mais íntima o fortalece durante a pregação da mensagem. Nós devemos sentir também a influência da palavra para que possamos dizer o que conhecemos, e dar testemunho do que temos visto. Havendo recebido misericórdia não podemos senão falar dessa misericórdia positivamente, como uma coisa que temos provado, e experimentado: e sabendo que é Deus quem nos tem dado a misericórdia, não podemos senão falar desejando ansiosamente que outros também possam participara da graça divina.
O evangelho é em si mesmo uma gloriosa luz, pois no versículo quatro Paulo fala da luz do evangelho glorioso de Cristo; em segundo lugar, este evangelho é em si mesmo compreensível e simples, em terceiro lugar, se o pregamos como devemos pregá-lo, o manteremos compreensível, e não o mancharemos com sabedoria do mundo, e em quarto lugar, se é em si mesmo uma grande luz, e se é em si mesmo claro, e se a pregação é clara, então se os homens não o veem é porque estão perdidos e é um sinal fatal que não possam perceber a luz do evangelho da glória de Cristo.
Em primeiro lugar, pois, o evangelho é em si mesmo uma gloriosa luz. (“o povo que jazia em trevas viu grande luz, e aos que viviam na região e sombra da morte, resplandeceu-lhes a luz”. Mt 4.16”). Em inumeráveis lugares do Novo Testamento é descrito dessa maneira. Esta é a luz que tem vindo ao mundo. “Porque as trevas vão passando e a verdadeira luz já brilha”. Observem que esta luz revela a glória de Cristo. Assim o traduzem claramente as novas versões da Bíblia. “O resplendor do evangelho da glória de Cristo”. O evangelho revela a glória de Cristo. Nos diz que Ele é o eterno Filho do Pai, e que todas as coisas foram feitas por meio dEle, e que todas as coisas foram criadas para Ele e que por sua causa continuam existindo. Tomadas isoladamente, estas coisas poderiam não ter sido boas notícias para nós, porque sempre é bom que a criatura esteja informada acerca de seu Criador; porém o evangelho vai mais além e nos revela que este sempre bendito Filho do Altíssimo veio à terra em sua infinita misericórdia, tomou nossa natureza, e nasceu em Belém, e se converteu num homem verdadeiro assim como era verdadeiro Deus. Esta era a primeira nota do evangelho e havia tanto deleite nela que motivou a cantar a todos os anjos no céu, e os pastores que cuidavam dos rebanhos durante a noite, escutaram os anjos cantarem, e um deles lhes anunciou que trazia uma boa notícia de grande alegria para todo o povo, porque havia nascido em Belém o Salvador. Que Deus se fizera homem só podia significar paz para o homem. Que o Herdeiro da glória se encarnara em sua raça somente poderia significar misericórdia para o culpado. Que Aquele que tem sido ofendido assumira a natureza do ofensor deve ser boas novas para nós. O Senhor Deus Onipotente se converteu em Emanuel, que significa “Deus conosco”. “Porque um menino nos nasceu, um filho se nos deu, e o domínio estará sobre seu ombro. Se chamará seu nome Maravilhoso...”. Este é o princípio do evangelho da glória de Cristo. Ele obteve uma maior glória ao se despojar de sua glória divina. Mais ainda, o evangelho nos diz que este mesmo Deus Forte, Pai Eterno, Príncipe da Paz, habitou aqui entre os homens, pregando e ensinando, e fazendo milagres de misericórdia sem igual, mostrando a si mesmo como o irmão do homem, compassivo, terno e manso, recebendo ainda aos mais humildes do povo, inclinando-se para os pequeninos da raça humana. Está escrito: “Se aproximavam dele todos os publicanos e pecadores para ouvir-lhe”, e de novo tomou as crianças em seus braços e as abençoou, e disse: “Deixai vir a mim os pequeninos e não lhos impeçais.”. Houve uma boa nova acerca de tudo o que Ele fez, e uma glória que os homens são puros de coração veem e admiram. Sua vida foi uma boa nova: era algo novo e cheio de gozo que Deus habitasse entre os homens, e que fosse achado na condição de homem. O Deus que odeia o pecado, e cuja ira se acende contra a iniquidade, habitou entre os pecadores, e viu e palpou seus perversos caminhos, e rogou por eles: “Pai perdoa-lhes”. Sua glória consistia em ser tão paciente, tão manso, tão abnegado, ao mesmo tempo que era justo e verdadeiro. Com toda propriedade disse João: “E o verbo se fez carne e habitou entre nós, e contemplamos sua glória, como a glória do unigênito do Pai, cheio de graça e de verdade.”.
Há uma luz infinita no evangelho, tanto para o futuro como para o presente. Ela nos revela a glória de Cristo, a glória do amor, a glória da misericórdia, a glória de um sangue que pode tornar alvo o que é mais escuro, a glória de uma intercessão que pode fazer aceitável a oração mais pobre, a glória de um Salvador que tem triunfado e que vive, que havendo colocado sua mão na obra não falhará nem se desanimará até que todos os propósitos do amor infinito tenham sido alcançados por Ele. Este é: “o Evangelho da glória de Cristo”, e sua luz é muito clara e brilhante.
Agora se nos mostra uma segunda verdade: o evangelho é uma luz que revela a Deus mesmo, pois de conformidade com nosso texto o Senhor Jesus é a imagem de Deus. Não disse Jesus: “O que me tem visto, tem visto ao Pai?”. Pois, antes de tudo, nosso Senhor é a imagem de Deus neste sentido, que é essencialmente um com Deus. Ele é “o resplendor de sua glória e a expressão exata de sua natureza.”. Nosso Senhor mesmo disse: “Eu e o Pai somos um”. Porém o texto contém algo mais que isso. Cristo é a imagem de Deus no sentido que nos mostra o que Deus é. Se conhecem o caráter de Jesus, conhecem o caráter de Deus. Deus mesmo é invisível, e não pode ser visto pelo olho de nenhum mortal, nem pode ser compreendido por uma mente finita. De fato, não pode ser conhecido verdadeiramente de nenhuma maneira, exceto pelo ensino do Espírito Santo. Porém tudo o que se pode conhecer de Deus está claramente escrito com letras maiúsculas na pessoa de Jesus. Que mais alto conceito de Deus podem ter?
Não se pode dizer dos verdadeiros cristãos: “Vocês adoram o que não conhecem”, porque nós sabemos o que adoramos. Cada um de nós pode afirmar: “porque eu sei em quem tenho crido”. Não temos nenhuma dúvida acerca de quem é nosso Deus, ou o que é. Há um conhecimento dado aos homens mediante o evangelho, que gera a luz do dia no entendimento.E Deus mesmo fez esta promessa de que na Nova Aliança, por meio do evangelho, todos os aliançados o conheceriam (Jer 31.34). É por isso que Jesus afirma que conhece as suas ovelhas assim como é também conhecido por elas.
Mas o evangelho é também luz noutro sentido, a saber, no sentido de consolo. Quando um homem vê a Deus em Jesus Cristo, não pode ser infeliz. Estava esse homem carregado de pecados? Quando vê a Jesus Cristo carregando o pecado em seu próprio corpo sobre o madeiro, e crê nEle, nesse momento é liberado de sua carga. Quando se agita sob os cuidados e as provas da vida e por meio da fé contempla a Jesus, que padeceu sofrimentos infinitamente maiores, então é liberado do aguilhão da aflição. Já não tem mais medo da morte, quando ouve que Jesus disse: “Eu sou a ressurreição e a vida”. Um arcanjo não poderia dizer-te o gozo que este “evangelho da glória de Cristo” tem dado aos filhos e às filhas da aflição. Aonde chega libera a mente cativa, e remove as dores do remorso.
Este evangelho é em si mesmo muito compreensível e simples. O evangelho não contém nada que possa deixar perplexo a ninguém a menos que queira voluntariamente ficar perplexo. Não há nada no evangelho que um homem não possa captar se deseja entendê-lo. Tudo é muito simples para o homem que submete seu entendimento a Deus.
Se Deus tem apresentado a Cristo como propiciação por nossos pecados, nossa opção mais razoável é aceitá-lo. Não necessitamos pelejar com a graça somente porque não podemos entender tudo sobre ela. É mais sábio comer tudo o que se põe à nossa frente que morrer de fome devido a que não conhecemos todos os segredos da cozinha. Deus não me pede que entenda como nos justifica em Cristo, porém me pede que creia que Ele o faz.
A algumas pessoas lhes agrada um evangelho de perplexidade, eles preferem um pouco de confusão de intelecto, lhes encanta vaguear em meio a uma neblina luminosa, na qual nada está definido de maneira clara. Pensam que seguem adiante quando deixam outros atrás, enquanto escalam um absurdo sublime. Agora, suponhamos que o evangelho contém terríveis mistérios e que está amarrado a assuntos difíceis de entender, suponhamos que requer previamente a leitura completa de dezoito volumes antes de poder ser entendido, suponhamos que requer precisão matemática e elegância clássica antes de poder vê-lo. Sendo assim, milhões de pessoas não poderiam ir ao céu, porque nunca têm lido nem sequer um volume, e portanto não seriam capazes de digerir uma biblioteca. Alguns homens estão tão ocupados, e alguns têm um cérebro de tal natureza que nunca poderão ser estudantes profundos, e se o evangelho requeresse deles uma reflexão profunda e uma ampla investigação, eles se dariam por vencidos e perdidos. Se os homens necessitassem ser filósofos para poderem ser cristãos, a maioria dos cristãos estaria fora do limite da esperança. Se as massas do povo tivessem que ler muito antes de poder captar a ideia da salvação pela fé em Cristo Jesus, nunca captarão essa ideia, e perecerão inevitavelmente.
Quando se tem o objetivo de definir um profundo e estrito evangelho conforme as próprias conveniências, cava-se com isto um fosso ao redor da cruz para impedir a passagem das pessoas comuns. Esse não é o evangelho nem o espírito do Senhor Jesus. Tenham muito cuidado para que a verdade não fuja de vocês mesmos. Temo que enquanto vocês estão buscando às escuras a porta do céu, o povo que vocês desprezam estará dentro e cantando “glória e aleluia, temos encontrado ao Salvador.”. O Senhor permite que o sábio deste mundo tropece, enquanto recebe os pequeninos no Seu reino.
Suponhamos que o evangelho fosse difícil de entender, que faríamos em nosso leito de morte? Muitas vezes nos chamam em emergência para atender a pessoas que têm sido negligentes em buscar a graça e que estão morrendo na ignorância. É uma tarefa terrível para nós ter que explicar-lhes o caminho quando já estão entrando na obscura descida à morte.
Quando a lâmpada ainda arde, temos esperanças, e portanto explicamos o caminho pelo qual o pecador pode retornar a Deus. Acaso não é bom tê-lo resumido em poucas frases, e poder expressá-lo com palavras comuns? Lhe dizemos que Jesus veio ao mundo para salvar os pecadores, e que qualquer que creia nEle não morrerá, senão que viverá para sempre. Que poderíamos fazer se o evangelho não fosse assim simples?
Em terceiro lugar, se pregamos o evangelho como devemos pregá-lo, o manteremos compreensível. Paulo disse expressamente: “Assim que, tendo tal esperança, atuamos com muita confiança”, e também disse: “Nem minha mensagem, nem minha pregação foram com palavras persuasivas de sabedoria, senão com demonstração do Espírito e de poder.”. O apóstolo Paulo era um pensador profundo, um homem de um grande discernimento e de uma mente sutil. Teria tal estrutura mental que poderia ter sido um filósofo de primeira linha, ou um místico das mais profundas trevas, porém ele foi contra a sua inclinação natural e dedicou todas suas energias para explicar o evangelho.
Nossa única obrigação é explicar o evangelho de maneira simples. Nosso negócio é o alimento, não as flores. Que os ornamentos chamativos fiquem para o teatro e para o bar, onde os homens buscam se distrair, ou deixemos que todas estas pobres tolices fiquem para o Senado, lugar onde os homens defendem causas ou denunciam de acordo ao que convenha a seu partido. Não nos toca a nós converter o pior argumento no melhor, nem esconder a verdade sob montanhas de palavras. No que a nós toca, devemos nos esconder atrás da cruz, e fazer saber aos homens que Jesus Cristo veio para salvar os perdidos, e que se creem nEle, serão salvos de maneira imediata e para sempre.
O apóstolo explica como termina um homem na condição de incrédulo. Nos diz que Satanás, o deus deste mundo, tem cegado sua mente. Que terrível pensamento é este de que Satanás pretenda ser um deus. Cristo é a imagem de Deus, Satanás pretende imitar a Deus: ele imita a Deus e tem um poder usurpador sobre as mentes e pensamentos dos homens. Para manter seu poder se assegura de que suas vítimas do engano não vejam a luz do evangelho. Satanás sabe que é um espírito, e um espírito não pode ser destruído por Deus, senão absolvido ou condenado, e ele sabe que está destinado à condenação eterna, então tudo fará para conduzir ao inferno o maior número de pessoas possível. É por isso que se esforça tanto em seu trabalho de cegar os incrédulos, porque se sente como se fosse um deus pelo exercício do seu poder sobre a mente dos incrédulos. Os véus que ele utiliza são aprovados pelos corações egoístas dos homens; pois ele raciocina assim: “Se te convertes em cristão, nunca progredirás no mundo.”. Tapa cada um de teus olhos com uma moeda de ouro, e então não podes ver, apesar de que o sol brilha com a intensidade do meio dia. O orgulho ata uma banda de seda ao redor de teus olhos, e assim novamente a luz não pode passar. Satanás sussurra: “Se te tornas cristão, vão burlar de ti.”. Assim paralisa sua vítima por temor ao ridículo. Tem muitos mecanismos geniosos mediante os quais perverte o juízo dos homens até que lhes impede de ver o que é totalmente evidente, e não podem crer o que é inquestionável. Faz com que ganhar o céu pareça algo que não é digno de ser considerado quando se compara com a pequena perda que a religião possa implicar. Ele oculta à alma a bênção do pecado perdoado, a adoção na família de Deus, e a certeza da glória eterna, lançando pó em seus olhos para que a alma não possa contemplar verdadeiramente as coisas.
Que posso dizer para terminar senão isto: há alguns perdidos entre vocês? Segundo a explicação do texto, todos vocês são aqueles para quem o evangelho está encoberto. Bem, porém graças a Deus vocês podem ser achados todavia onde estão perdidos, porém não têm que estar perdidos enquanto leem estas palavras, e podem ser achados ao terminar esta leitura. O Bom Pastor tem saído a buscar a ovelha perdida. Sentes algum anelo por Ele, algum desejo de regressar a Ele? Então contempla-o com um olhar de confiança. Não estás perdido se olhas dessa maneira, nem nunca o estarás. O que crê em Jesus é salvo, e é salvo eternamente. Há algum de vocês que está com os olhos vendados? Teus olhos estão vendados se o evangelho está encoberto para ti, de tal forma que não vês sua claridade. Porém não tens que permanecer na obscuridade. Há alguém cujos olhos não veem? Clama a Ele como fizeram os cegos: “Tem misericórdia de nós, filho de Davi!”. O Messias veio precisamente para dar vista aos cegos: era parte de sua missão quando veio da glória do Pai. Ele pode dar a vista a ti. Busca-a.
É o deus deste mundo teu senhor? Assim deve ser se não podes ver a glória do evangelho, porém não tem que seguir sendo teu deus. Peça em oração ao Espírito Santo que te ajude a destronar este intruso. Por que tens que adorá-lo ou servi-lo? Que bem tem te feito alguma vez? Que paz verdadeira ele pode te fazer sentir? Que descanso e salvação pode dar à tua alma? Que elemento há no caráter dele que o faça digno de ser o teu deus? Rompe o jugo, rompe as cadeias que te mantêm em escravidão. O verdadeiro Deus se tem encarnado para te libertar, e para destruir todas as obras do diabo. Ele pode remover qualquer coisa que te impeça de ver a glória de Deu na face de Jesus Cristo. Tenho sido enviado para te dizer em nome do meu Senhor: “O que crê nele não é condenado, e o que crê e é batizado, será salvo.”. Vinde pois, diz Jeová, e arrazoemos juntos, ainda que os vossos pecados sejam como a escarlate, serão embranquecidos como a alva lã.”. Confia no Salvador, confia no Deus encarnado, confia nEle agora e confia nEle imediatamente, e ainda que eras trevas tão escuras como a meia noite, estarás tão limpo e brilhante como o meio dia eterno do céu. Num instante desaparecerão todos os pecados que tens carregado ainda que seja por mais de cinquenta anos; as transgressões de todos os teus dias serão lançadas no fundo do mar, e nunca serão vistas de novo. Somente deseja-o, obedeça-o e submeta-se a Ele, a Jesus Cristo, que vive para sempre para cuidar de quem põe a sua confiança nEle. Que o Senhor os abençoe queridos amigos, eternamente. Amém.