DEPRESSÃO – Parte 8
Citações do Livro de autoria de D. M. Lloyd Jones, intitulado Depressão.
A situação pode parecer desesperadora: "Tudo parece contra nós, para nos levar ao desespero". Vamos então estar preparados para isso. Sim, mas devemos fazer mais que isso. Enquanto tudo isso está acontecendo conosco, o Senhor parece estar totalmente indiferente. É aí que entra o verdadeiro teste da fé. O vento e as ondas eram terríveis, e a água estava entrando no barco. Isso era terrível, mas o que mais os aterrorizou foi a aparente indiferença do Senhor. Adormecido, aparentemente sem se importar. "Mestre, não se te dá que pereçamos?" Ele parece indiferente, sem Se preocupar conosco, nem consigo mesmo, com Sua causa ou Seu reino. Imaginem os sentimentos daqueles homens! Eles O tinham seguido, ouviram Seus ensinamentos sobre a vinda do reino, tinham visto Seus milagres e estavam esperando que coisas maravilhosas acontecessem; e agora parecia que tudo ia acabar em naufrágio e afogamento. Que anticlimax, e tudo por causa da Sua indiferença! Somos realmente muito inexperientes na vida cristã se não sabemos algo a respeito disso. Será que todos nós não conhecemos algo dessa situação de provas e dificuldades, sim e de uma sensação de que Deus parece não Se importar? Ele nada faz a respeito. "Por que Ele permite que eu, um cristão, sofra nas mãos de não-cristãos?" muitos perguntam. "Por que Ele permite que as coisas deem errado comigo, e não com outra pessoa?" "Por que esse homem é bem sucedido, enquanto que eu sou um fracasso? Por que Deus não faz nada a respeito?" Com que frequência cristãos fazem essas perguntas! Eles têm indagado isso sobre a situação geral da Igreja hoje em dia. "Por que Ele não envia um reavivamento? Por que permite que humanistas e ateus tenham tanta proeminência? Por que Ele não interfere e faz algo, por que Ele não reaviva Sua obra?" Quantas vezes somos tentados a dizer tais coisas, exatamente como aqueles discípulos no barco!
O fato de Deus permitir essas coisas, e que muitas vezes parece até indiferente a respeito, realmente constitui o que estou descrevendo como a prova da fé. Essas são as condições sob as quais nossa fé é testada e provada, e Deus as permite, Deus permite tudo isso. Tiago chega até nos dizer que devemos "ter grande gozo" quando essas coisas nos acontecem. Este é um grande tema — a prova da fé. Não falamos muito sobre isso hoje em dia, não é? Mas se voltássemos ao século dezessete ou dezoito, descobriríamos que era um tema muito familiar. Creio que em certo sentido era o tema central dos puritanos. Certamente teve proeminência mais tarde no grande avivamento evangélico do século dezoito. A prova da fé, e como ter vitória sobre essas coisas, o andar pela fé e a vida de fé eram seus temas constantes.
Vamos agora passar para a segunda pergunta. Qual é a natureza da fé, o caráter da fé? Esta, acima de tudo, é a mensagem particular deste incidente, e sinto que se revela de forma especialmente clara no registro do Evangelho de Lucas. É por isso que estou analisando o incidente baseado nesse Evangelho, e enfatizando a forma como o Senhor colocou a pergunta: "Onde está a vossa fé?" Aí está a chave do problema. Observem a pergunta do Senhor. Parece inferir que Ele sabe muito bem que eles têm fé. A pergunta que Ele lhes faz é: "Onde está ela? Vocês têm fé, mas onde ela está neste momento? Devia estar aqui — onde está?" Ora, isso nos dá a chave para entender a natureza da fé.
Antes de tudo, quero colocá-lo de forma negativa. Fé, obviamente, não é uma questão de emoções. Não pode ser, porque nossas emoções numa situação assim podem ser muito variáveis. Um cristão não deve se sentir abatido quando tudo está dando errado. Ele tem o mandamento de se regozijar. Emoções pertencem à felicidade apenas, mas o regozijo envolve algo muito maior do que emoções; e se a fé fosse uma questão de emoções apenas, então, quando acontece algo errado ou os sentimentos mudam, a fé desaparece. Mas a fé não é uma questão de emoções apenas, a fé inclui o homem integral, incluindo sua mente, seu intelecto e seu entendimento. É uma resposta à verdade, como vamos ver.
A segunda coisa é ainda mais importante. A fé não é algo que atua automaticamente, não é algo que atua de forma mágica. E este é um erro do qual eu creio que todos nós, em alguma ocasião, fomos culpados. Parece que pensamos que a fé é algo que age automaticamente. Muitas pessoas, eu creio, concebem a fé como algo parecido com um termostato ligado a algum aparelho de aquecimento — você ajusta o termostato num certo nível, para manter a temperatura num determinado ponto, e ele opera automaticamente. Se a temperatura tende a subir além daquele nível, o termostato entra em operação e a faz baixar; se usamos a água quente e a temperatura da água tiver caido, o termostato entra em ação e esquenta a água de novo, e assim por diante. Não precisamos fazer nada a respeito, o termostato age automaticamente e mantém a temperatura no nível desejado automaticamente. E há muitas pessoas que aparentemente pensam que a fé atua dessa forma. Presumem que não importa o que lhes aconteça, a fé vai operar e tudo estará bem. Contudo, a fé não é algo que atua automaticamente ou de forma mágica. Se fosse assim, aqueles homens não teriam tido esse problema, a fé teria entrado em operação e eles estariam calmos e tranquilos e tudo acabaria bem. Mas a fé não é assim, e esses são conceitos muito errôneos a seu respeito.
O que é fé? Vamos examiná-la de forma positiva. O princípio ensinado aqui é que fé é uma atividade, é algo que precisa ser exercitado. Não entra em operação por si mesma, nós precisamos exercitá-la. É uma forma de atividade.
Quero dividir isso um pouco. Fé é algo que precisamos colocar em ação. Isso é exatamente o que o Senhor disse a esses homens. Ele disse: "Onde está a vossa fé?", o que significa: "Por que não estão tomando a sua fé e aplicando-a a esta situação?" Pois foi porque eles não fizeram isso, foi porque não colocaram sua fé em ação, que os discípulos se desesperaram e ficaram nesse estado de consternação. Como então podemos colocar a fé em ação? Que quero dizer, ao afirmar que a fé é algo que precisamos aplicar? Posso dividir minha resposta desta forma. A primeira coisa que preciso fazer quando me encontro numa situação difícil, é não permitir que a situação me controle. Este é um aspecto negativo. Esses homens estavam no barco, o Mestre estava dormindo, as ondas estavam jogando água dentro do barco, e eles não conseguiam tirar a água com suficiente rapidez. Parecia que iam naufragar, e o problema foi que eles se deixaram controlar pela situação. Eles deviam ter colocado sua fé em ação, assumindo o controle e dizendo: "Não vamos entrar em pânico". Deviam ter começado assim, mas não o fizeram. Permitiram que a situação os controlasse.
A fé se recusa a entrar em pânico. Gostam desse tipo de definição de fé? Isso lhes parece terreno demais, e pouco espiritual? Mas esta é a própria essência da fé. Fé é uma recusa de se entrar em pânico, aconteça o que acontecer. Acho que Browning tinha isso em mente quando definiu fé desta forma: "Para mim, fé significa incredulidade perpetuamente mantida em silêncio, como o dragão sob os pés de Miguel". Aí está Miguel, e aí está o dragão sob seus pés, e ele o mantém quieto sob a pressão do seu pé. Fé é incredulidade mantida em silêncio, mantida prisioneira. E foi isso que esses homens não fizeram, eles permitiram que a situação os controlasse, e entraram em pânico. Fé, entretanto, é uma recusa em deixar isso acontecer. Ela diz: "Não vou ser controlada por essas circunstâncias — eu estou no controle". Então, assumam o controle de si mesmos, ergam-se, dominem-se a si mesmos. Não percam o controle, perseverem e vençam.
Essa é a primeira coisa, mas não termina aí. Isso não basta, porque pode ser nada mais que resignação. Isso não é a totalidade da fé. Depois de dar esse primeiro passo, assumindo o controle de si mesmos, então devem lembrar-se do que creem e do que sabem. E isso também foi algo que aqueles tolos discípulos não fizeram. Se eles tão somente tivessem parado por um momento, dizendo: "Que vai acontecer? É possível que naufraguemos com Ele a bordo? Existe algo que Ele não pode fazer? Nós vimos os Seus milagres, Ele transformou a água em vinho, Ele curou o cego e o coxo, até ressuscitou os mortos; será que Ele vai permitir que tanto nós como Ele naufraguemos desta maneira? Impossível! Em todo caso, Ele nos ama, Ele cuida de nós, Ele disse que até os cabelos da nossa cabeça estão contados!" É assim que a fé raciocina. Ela diz: "Muito bem, eu vejo as ondas e os vagalhões, mas" — ela sempre inclui este "mas". Isso é fé; ela se firma na verdade e raciocina baseada naquilo que sabe ser um fato. Essa é a maneira de aplicar a fé. Aqueles homens não fizeram isso, e por esta razão ficaram agitados e entraram em pânico. E nós também entraremos em pânico e agitação se falharmos em agir assim. Quaisquer que sejam as circunstâncias, portanto, fique firme meu amigo, espere por um momento. Diga: "Reconheço tudo isso, mas..." Mas o quê? Mas Deus! Mas o Senhor Jesus Cristo! Mas o quê? Toda a minha salvação! É assim que a fé age. Tudo pode parecer contra mim, "para me levar ao desespero", e eu talvez não entenda o que está acontecendo; mas eu sei de uma coisa, eu sei que Deus me amou de tal maneira que enviou Seu Filho unigênito a este mundo por mim; eu sei que, quando eu ainda era um inimigo, Deus enviou Seu único Filho para morrer na cruz do calvário por mim. Ele fez isso por mim quando eu era um inimigo, um estranho rebelde. Eu sei que o Filho de Deus "me amou e se deu a si mesmo por mim". Eu sei que, à custa do Seu sangue, eu tenho a salvação e que sou um filho de Deus e herdeiro da bem-aventurança eterna. Eu sei disso. Muito bem, então, sei tudo isso, que "se nós, sendo inimigos, fomos reconciliados com Deus pela morte de seu Filho, muito mais, estando já reconciliados, seremos salvos pela sua vida" (Romanos 5:10). É uma lógica inevitável, e a fé argumenta nesses termos. A fé lembra o que as Escrituras chamam de "grandíssimas e preciosas promessas". A fé diz: "Não posso crer que Aquele que me trouxe até aqui vai me abandonar neste ponto. É impossível, não estaria de acordo com o caráter de Deus". Então a fé, recusando-se a ser controlada pelas circunstâncias, lembra-se do que sabe e em que acredita.
E então o próximo passo é que a fé aplica tudo isso à situação. Novamente, isso foi algo que aqueles homens não fizeram, e por isso o Senhor dirige a eles estas palavras: "Onde está a vossa fé?" "Vocês a têm; por que não a aplicam, por que não trazem tudo que sabem ao nível desta situação, por que não a focalizam sobre este problema?" Esse é o passo seguinte na aplicação da fé. Quaisquer que sejam as circunstâncias neste momento, tragam tudo que sabem a respeito do seu relacionamento com Deus e o apliquem à essa situação. Então terão plena certeza de que Ele nunca permitirá que nada lhes aconteça que possa ser prejudicial. "Todas as coisas contribuem juntamente para o bem daqueles que amam a Deus". Nem um cabelo das suas cabeças sofrerá dano, Ele ama vocês com um amor eterno. Não estou sugerindo que seremos capazes de entender tudo que está acontecendo. Podem não receber uma explicação completa; mas saberão com certeza que Deus não é indiferente. Isso é impossível. Aquele que fez a maior de todas as coisas por vocês, tem que estar preocupado com vocês em todas as coisas, e ainda que as nuvens sejam espessas e não possam ver Sua face, sabem que Ele está ali. "Por trás de uma providência carrancuda, Ele esconde uma face sorridente". Agarrem-se a isso. Talvez digam que não podem ver Seu sorriso. Eu concordo que essas nuvens terrenas impedem a muitos de vê-lo, mas Ele está ali, e nunca permitirá que algo de prejuízo permanente possa acontecer. Nada pode acontecer com vocês sem que Ele permita, não importa o que seja, algum grande desapontamento, talvez, ou uma doença, pode ser alguma tragédia, não sei o que é, mas podem ter certeza de uma coisa, que Deus permitiu que isso lhes acontecesse porque, em última análise, será para o seu bem. "E, na verdade, toda a correção, no presente, não parece ser de gozo, senão de tristeza, mas depois produz um fruto pacífico de justiça. . ." (Hebreus 12:11).
É assim que a fé opera. Mas nós precisamos exercitá-la. Ela não entra em ação automaticamente. Precisamos focalizar a nossa fé nos eventos, e dizer: "Muito bem, mas eu sei isto a respeito de Deus, e porque é verdade, vou aplicá-lo a esta situação. Isto, portanto, não pode ser o que eu penso que é, precisa ter alguma outra explicação". E acabaremos vendo que é o propósito amoroso de Deus para conosco, e tendo aplicado a nossa fé, então ficaremos firmes, e nos recusaremos a ser abalados. O inimigo virá para atacar-nos, a água aparentemente vai jorrar dentro do barco, mas diremos: "Tudo está, bem, venha o que vier". O cristão permanece firme na fé, e diz a si mesmo: "Eu creio nisto, descanso nisto, tenho certeza disto, e embora não entenda o que está acontecendo, eu vou ficar firme nisto!"
Isso me leva à minha última palavra, o terceiro princípio — o valor da fé mais frágil ou ínfima. Examinamos a prova da fé, examinamos a natureza da fé, e para terminar quero falar sobre o valor da fé, por menor ou mais frágil que seja. Por mais fraca, ínfima e incompleta que fosse a fé daqueles discípulos naquela ocasião, eles ainda assim possuíam fé suficiente para fazer a coisa certa no final. Eles foram a Jesus. Agitados, perturbados, alarmados e exaustos, eles foram a Ele. Ainda tinham alguma ideia de que Ele poderia fazer alguma coisa, e assim O acordaram, dizendo: "Mestre, não vai fazer alguma coisa?" Isso é uma pobre amostra de fé, alguém diz, uma fé muito frágil, mas é fé, graças a Deus. E até mesmo fé "como um grão de mostarda" é valiosa porque nos leva a Ele. E quando vamos a Ele, isto é o que vamos encontrar. Ele estará desapontado conosco, e não esconderá o fato. Vai repreender-nos, dizendo: "Por que não raciocinaram, por que não aplicaram a sua fé, por que ficaram agitados diante daquela pessoa incrédula, por que se comportaram como se não fossem cristãos, por que não colocaram a sua fé em ação como deveriam ter feito? Eu teria ficado tão feliz se pudesse ter visto vocês firmes como homens em meio do furacão ou da tempestade — por que não fizeram isso?" Ele deixará claro que está desapontado conosco, e nos repreenderá, mas, bendito seja o Seu nome, Ele ainda assim nos receberá. Não nos mandará embora. Ele não mandou embora aqueles discípulos, recebeu-os e nos receberá também. Sim, e não somente nos receberá, mas também nos abençoará e nos dará paz. "Ele repreendeu os ventos e o mar, e fez-se grande bonança". Ele fez surgir a situação que eles estavam ansiosos por gozar, apesar da sua falta de fé. Assim é o gracioso Senhor em quem nós cremos e a quem seguimos. Ainda que Ele muitas vezes fique decepcionado conosco e tenha que nos repreender, Ele nunca vai Se descuidar de nós; Ele nos receberá e nos abençoará, Ele nos dará paz, e na verdade fará por nós o que fez por aqueles homens. Com a paz, Ele também lhes deu uma compreensão maior de Sua pessoa do que eles haviam tido antes. Eles ficaram maravilhados, e cheios de assombro diante do Seu maravilhoso poder. Ele de certa forma incluiu isso como um bônus adicional às outras bênçãos.
Se você, meu amigo, se encontra nessa posição de prova e perturbação e teste, considere isso como uma oportunidade maravilhosa de provar a sua fé, de expressar a sua fé, de manifestar sua fé, e trazer glória ao Seu grande e santo nome. Mas se você falhar em fazer isso, se aparentemente você for fraco demais para colocar sua fé em ação, se está sendo tão assediado e atacado pelo diabo e pelo inferno e pelo mundo, bem, então, corra para Ele imediatamente e Ele receberá e abençoará você, Ele lhe dará libertação, e lhe dará paz. Mas lembre sempre que a fé é uma atividade, é algo que deve ser colocado em prática. "Onde está a vossa fé?" Vamos nos certificar que ela está sempre pronta a enfrentar as necessidades e as provações.
D. M. Lloyd Jones