DEPRESSÃO – Parte 4
Citações do Livro de autoria de D. M. Lloyd Jones, intitulado Depressão.
Lembro-me de um homem que se converteu e se tornou cristão com a idade de 77 anos — uma das conversões mais notáveis que eu já vi. Esse homem tinha vivido de forma muito perversa; havia poucas coisas que ele não tinha feito na vida. Mas ele ouviu a mensagem do evangelho e se converteu na velhice. O grande dia chegou quando ele foi recebido como membro da igreja, e quando ele participou da ceia do Senhor pela primeira vez, no domingo à noite, para ele foi o maior evento de toda a sua vida. Sua alegria era indescritível, e todos estávamos felizes por ele. Mas houve uma sequela, e foi esta. Na manhã seguinte, antes mesmo de me levantar, aquele pobre homem estava à minha porta, a expressão da miséria e do abatimento, chorando incontrolavelmente. Fiquei assombrado e aturdido, especialmente à luz do que se dera na noite anterior, a maior de sua vida, o clímax de tudo o que já lhe acontecera. Finalmente consegui que ele se controlasse, e então perguntei o que havia acontecido. Seu problema era este: voltando para casa, depois daquele culto da ceia do Senhor, ele de repente se lembrou de algo que acontecera trinta anos antes. Ele estava num bar com um grupo de homens, bebendo e discutindo sobre religião. Naquela ocasião, ele dissera, com desprezo e escárnio, que "Jesus Cristo era um bastardo". E isso voltou à sua memória de repente, e ele sentia que para tal coisa não podia haver perdão. Aquele pecado! Ah, sim, ele não tinha problemas para esquecer a bebedeira, a jogatina, e a imoralidade. Aquilo estava resolvido, estava tudo perdoado. Ele entendia isso claramente. Mas as palavras que havia dito sobre o Filho de Deus, o Salvador do mundo — aquilo! Ele não conseguia encontrar consolo nem conforto. Aquele pecado o jogara nas profundezas do desespero. (Dou graças a Deus que, através das Escrituras, pude restaurar sua alegria). Mas é a esse tipo de coisa que estou me referindo, algo que a pessoa disse, ou fez, que a persegue e que volta à sua lembrança, e a torna miserável e infeliz, ainda que ela subscreva a fé cristã. Essa condição, que parece contraditória, é uma realidade, e precisamos reconhecê-la como tal. Em outros casos pode ser a escravidão a uma promessa ou compromisso feito, mas não cumprido, que é a causa do problema. Já testemunhei muitos casos assim, de pessoas que durante uma doença fizeram uma certa promessa a Deus, ou assumiram um compromisso que, se se recuperassem, fariam isso e aquilo. Mas não cumpriram seu voto; na verdade, talvez tenham feito algo que tornou impossível o cumprimento da promessa ou do voto. E essas pessoas se encontram nessa situação infeliz, escravizadas por aquilo.
Esse, então, é o problema para o qual estou chamando sua atenção. São pessoas que entendem claramente a doutrina da salvação, exceto que no seu caso, sentem que há algo — aquele pecado específico, ou a forma que ele assumiu no caso delas — que de certa maneira as coloca numa categoria diferente. Dizem: "Sim, eu sei — mas. . .". E isso as segura; são cristãos miseráveis, sofrendo de depressão espiritual.
Qual é o problema real aqui? Bem, existem duas explicações principais dessa condição. A primeira e principal delas, é claro, é que tudo isso é obra do diabo, pois embora Satanás não possa roubar-nos a nossa salvação, ele definitivamente pode roubar-nos a nossa alegria. Sua grande preocupação é impedir que as pessoas se tornem cristãs; mas quando isso falha, o seu objetivo então passa a ser o de torná-las cristãs miseráveis, para que então possa apresentá-las a alguém que está sob convicção de pecado, dizendo: "Isso é o cristianismo; olhe para essas pessoas! Aí está um quadro do que é cristianismo! Olhe para essas criaturas miseráveis! Você quer ser assim?" Sem dúvida, a causa essencial da maioria desses problemas é o próprio diabo.
Mas há também uma causa secundária, e isso é o que quero enfatizar aqui. Reitero que esse problema é quase inteiramente devido à ignorância de doutrina — uma falha em entender claramente a doutrina da salvação conforme é apresentada no Novo Testamento; e isto é a essência do tratamento desse problema. Quero expressar isso de forma clara e brusca, para enfatizá-lo, mesmo correndo o risco de ser mal interpretado. Num certo sentido, as pessoas que estão nessa situação não devem orar para serem libertas dela! É o que sempre fazem; e é o que invariavelmente estavam fazendo quando vêm em busca de ajuda — de fato, é o que geralmente lhes dizem que devem fazer. Ora, o cristão deve orar sempre, o cristão deve "orar sem cessar", mas este é um ponto em que o cristão deve parar de orar por um momento, e começar a pensar! Sim, porque há certos problemas na vida cristã, meu amigo, a respeito dos quais eu digo que, se você não fizer outra coisa além de orar sobre eles, jamais os resolverá. Há ocasiões em que você deve parar de orar, porque sua oração talvez não esteja fazendo mais do que relembrá-lo do seu problema, e mantendo sua mente fixa nele. Então, você precisa parar de orar e começar a pensar, e esclarecer sua doutrina.
E sobre o que deve pensar? A primeira coisa que eu sugeriria, é que pense no caso do apóstolo Paulo, e no que ele diz aqui: "E dou graças ao que me tem confortado, a Cristo Jesus Senhor nosso, porque me teve por fiel, pondo-me no ministério; a mim que dantes fui blasfemo, e perseguidor, e opressor; mas alcancei misericórdia, porque o fiz ignorantemente, na incredulidade. E a graça de nosso Senhor superabundou com a fé e amor que há em Cristo Jesus. Esta é uma palavra fiel, e digna de toda aceitação, que Cristo Jesus veio ao mundo, para salvar os pecadores; dos quais eu sou o principal. Mas por isso alcancei misericórdia, para que em mim, que sou o principal, Jesus Cristo mostrasse toda a sua longanimidade, para exemplo dos que haviam de crer nele para a vida eterna". Isto é maravilhoso! Note o que o apóstolo diz: o que ele declara aqui, é que, de certa forma, o Senhor Jesus Cristo o salvou para o apresentar como exemplo. Um exemplo em que sentido? Um exemplo para aquelas pessoas que sentem que o seu pecado, de um modo ou de outro, ultrapassa os limites da graça e da misericórdia de Deus. O argumento do apóstolo é que o seu próprio caso é prova suficiente, de uma vez por todas, que nunca devemos arrazoar dessa forma. Em outras palavras, essas pessoas creem que existe uma escala de pecados, e fazem distinção entre certos pecados. Elas os classificam, dizendo que alguns são perdoáveis, enquanto que outros, aparentemente, não são. A esses o apóstolo diz que seu próprio caso é mais que suficiente para refutar esse argumento. "O que quer que vocês possam pensar", ele diz, "o que quer que tenham feito, pensem em mim, pensem no que eu era — blasfemo, perseguidor, opressor". Pode pensar em coisa pior? Ele odiava até o nome de Jesus Cristo de Nazaré, fez tudo que pôde para exterminar Seus seguidores, foi até Damasco, "respirando ameaças e morte" contra eles. Esta era sua condição — perseguidor e blasfemo. E ele diz: "Eu sou uma prova ; o que quer que pensem a respeito de si mesmos, comparem isso comigo, e vejam onde estão". Esse é o primeiro argumento. Você pensa no caso dele e diz a si mesmo: "Se ele obteve misericórdia, se ele foi perdoado, eu preciso reconsiderar esse pecado na minha vida". É aí que você começa.
Todavia, o apóstolo não pára aí, porque num sentido não devemos diferenciar um pecado do outro. À primeira vista, o apóstolo parece estar fazendo isso. Ele diz: "Cristo Jesus veio ao mundo para salvar os pecadores, dos quais eu sou o principal", como se estivesse dizendo que há grandes pecadores, médios pecadores e pequenos pecadores. Mas ele não estava dizendo isso. Esta não podia ser a sua intenção, pois estaria contradizendo sua doutrina essencial. O que ele realmente está dizendo é que, quanto mais o homem se aproxima de Deus, tanto maior ele vê o seu pecado. Quando um homem vê a escuridão de sua própria alma, ele diz: "Sou o principal dos pecadores". E somente um cristão pode dizer isso. O homem do mundo nunca fará tal declaração; está sempre querendo provar como ele é bom. Mas Paulo parece estar dizendo mais do que isso, como eu já afirmei. Ele parece sugerir que esses pecados contra a pessoa de Cristo, de certa forma, são o pecado dos pecados. Mas ele então esclarece o que quer dizer com outras palavras: "Porque o fiz ignorantemente, na incredulidade". Colocando-o dessa forma, ele derruba essa escala de pecados. Se o examinarmos de um certo ângulo, seu pecado foi o pior imaginável, mas de outro ângulo, é a soma de todos os pecados, porque em última análise há somente um pecado, que é o pecado da incredulidade.
Essa é a grande doutrina do Novo Testamento sobre esta questão; é o que estas pessoas precisam captar acima de tudo o mais, que não devemos pensar em termos de pecados específicos, e sim sempre em termos de nosso relacionamento com Deus. Todos tendemos a errar nesse ponto. É por isso que temos a tendência de pensar que algumas conversões são mais extraordinárias do que outras. Mas não são. A mesma graça de Deus é necessária para salvar a pessoa mais respeitável do mundo assim como o pecador mais desprezível. Nada além da graça de Deus pode salvar alguém, e a mesma graça é necessária para salvar a todos. Entretanto não pensamos assim. Pensamos que certas conversões são mais notáveis do que outras. Fazemos distinção entre pecado e pecado, e pensamos que alguns pecados são piores do que outros, porque nossa doutrina está errada. Tudo volta ao nosso relacionamento com Deus; é tudo uma questão de fé ou incredulidade.
D. M. Lloyd Jones