A Serpente de Bronze Levantada
Parte 1
por Charles Haddon Spurgeon
“E Moisés fez uma serpente de metal, e pô-la sobre uma haste; e sucedia que, picando alguma serpente a alguém, quando esse olhava para a serpente de metal, vivia.” (Nm 21:9)
Este sermão, quando impresso, será o número 1500 dos que têm sido publicados com regularidade, semana após semana. Esse é um feito extraordinário. Não conheço nenhum outro caso em que 1500 sermões tenham sido impressos e tenham conseguido atrair um grande número de leitores. Desejo expressar meu profundo agradecimento a Deus por sua Divina ajuda em conceber e expressar esses sermões, que não foram somente impressos, mas lidos com avidez e também traduzidos para outras línguas. Eles são lidos publicamente, neste mesmo domingo, e em centenas de outros lugares onde não se tem um ministro. Esses sermões são benção para conversão de muitas almas.
Posso – e devo – regozijar-me por essa grande benção, pois a atribuo, de todo coração, à graça do Senhor! Pensei que a melhor forma de demonstrar meu agradecimento seria pregar Jesus Cristo, de novo, e apresentar um Evangelho claro como a alfabetização de uma criança. Espero que ao completar a lista de 1500 sermões o Senhor me dê uma palavra muito mais abençoada que qualquer uma que as tenha precedido, para conversão de quem ouvi-la e lê-la. Que os que presidem na escuridão por não entenderem a liberdade da salvação e o método fácil pelo qual ela é obtida, sejam levados à luz pela descoberta do caminho de paz através da fé em Jesus. Perdoe-me por essa introdução: meu agradecimento não poderia me abster disso.
Com respeito ao nosso texto e a serpente de metal, se nos voltarmos ao Evangelho de João, notaremos que em seu início há uma espécie de lista ordenada de servos tirados da Santa Escritura. Isso começa com a criação. Deus disse: “Haja luz” e João diz que Jesus, o Verbo eterno, é “a luz verdadeira que ilumina todo homem que vem a este mundo”. Antes de terminar seu primeiro capítulo, João introduziu um modelo fornecido por Abel, pois quando [João] Batista viu Jesus chegando-se a ele, disse: “Eis o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo” (Jo 1:29). Nem é terminado esse capítulo e nos lembramos da escada de Jacó, descobrimos que o Senhor a explica a Natanael: “Na verdade vos digo que daqui em diante vereis o céu aberto, e os anjos de Deus subindo e descendo sobre o Filho do homem.” (Jo 1:51).
Chegando ao terceiro capítulo, chegamos tão longe quanto Israel no deserto e lemos as jubilosas palavras: “E, como Moisés levantou a serpente no deserto, assim importa que o Filho do homem seja levantado para que todo o que n’Ele crê não pereça, mas tenha a vida eterna.” (Jo 3:14,15). Falaremos desse ato de Moisés esta manhã, para que possamos observar a serpente e encontrar a promessa verdadeira, “aquele que for mordido, olhando para a serpente de metal, viverá”.
Pode ser que em você que já tenha olhado alguma vez, produza um benefício renovado, enquanto alguns que nunca o fizeram podem contemplar o Salvador erguido e, nesta manhã, podem ser salvos do veneno da serpente, desse veneno mortal de pecado que agora se infiltra em sua natureza e gera a morte de suas almas. Que o Senhor possa fazer essa palavra eficaz para seu misericordioso fim!
I. Convido você a considerar o assinto, primeiramente, olhando a PESSOA EM PERIGO MORTAL, para qual a serpente de metal foi feita e erguida. Nosso texto diz: “e sucedia que, picando alguma serpente a alguém, quando esse olhava para a serpente de metal, vivia” (Nm 21:9). Notemos que as serpentes venenosas, antes de tudo, chegaram até o meio do povo porque eles haviam desprezado o caminho e o pão de Deus. “O povo ficava cada vez mais desencorajado por causa do caminho” (-). Esse era o caminho de Deus – Ele o havia escolhido para eles e Ele havia escolhido em sabedoria e misericórdia – porém eles murmuravam disso.
Como dizia um velho teólogo: “era solitário e detestável”, mas ainda assim era o caminho de Deus, então não foi detestável – Sua coluna de fogo e sua nuvem foi adiante deles e de seus servos, Moisés e Arão os guiaram como um rebanho – eles os devem ter seguido alegremente. Cada passo de sua jornada fora guiado com retidão, também. Mas não, eles desprezaram o caminho de Deus e quiseram seguir seus próprios caminhos. Essa é uma das maiores idiotices do homem- não se contentar em esperar o caminho do Senhor e prosseguir nele – preferir um desejo e um caminho próprio.
O povo ainda reclamou do alimento que Deus proveu. Ele os deu a melhor parte, pois “o homem comeu comida dos anjos’’ (Sl 78:25), mas se referiram ao maná como um título ultrajante, que para os hebreus tem um ar de ‘ridículo’, e até na nossa tradução conduz à uma idéia de desprezo. Disseram: “e a nossa alma tem fastio deste pão tão vil” (Nm 21:5), achando eles que era uma comida não substancial e que só serviria para inchá-los, já que era de fácil digestão e não produziria neles o aquecimento e a tendência de se procriar doenças (o que uma dieta mais pesada produziria). Descontentes com seu Deus, eles reclamaram do pão que Ele colocou em suas mesas, que sobrepujava qualquer outro alimento que um homem já havia comido antes ou depois.
Outra tolice do homem- ele se recusa a se alimentar da Palavra de Deus e de acreditar na Verdade. O homem deseja o alimento pecaminoso da razão carnal, o alho das tradições supersticiosas e o pepino da especulação! Ele não pode se humilhar e acreditar na Palavra de Deus ou aceitar uma Verdade tão simples, tão adequada à capacidade de uma criança. Muitos exigem algo mais fundo que o Divino, mais profundo que o infinito, mais liberal que a Graça. Eles discutem com o caminho e o pão de Deus e, então, as serpentes venenosas de luxúria, orgulho e pecado se achegam até eles.
Talvez eu esteja falando com alguns que, até esse momento, que relutam contra os preceitos e doutrinas do Senhor e eu, carinhosamente, os informaria que essa desobediência e presunção os irão conduzir ao pecado e sofrimento. Rebeldes contra Deus estão aptos a tornar-se cada vez pior. As modas e maneiras do mundo pensar o conduzem ao vício e crimes. Se desejarmos os frutos do Egito, em breve sentiremos as serpentes do Egito! A conseqüência natural de tornar-se contra Deus como serpentes, é encontrar serpentes surpreendendo nosso caminho. Se abandonarmos o Senhor em espírito, ou em doutrina, as tentações irão nos espreitar e o pecado nos picará.
Eu lhe peço que observe cuidadosamente que aquelas pessoas para quem a serpente foi erguida já haviam sido mordidas pelas serpentes. O Senhor mandou serpentes venenosas, mas não foram as serpentes no meio deles que envolveu o erguimento da serpente de bronze - foi o fato delas terem envenenado o povo, o que exigiu a provisão de um remédio: “e sucedia que, picando alguma serpente a alguém, quando esse olhava para a serpente de metal, vivia.” (Nm 21:9). As únicas pessoas que olharam e provaram do benefício dessa maravilhosa cura levantada no meio do acampamento foram as que haviam sido picadas pelas víboras.
A noção comum é que salvação é para as pessoas boas, as que lutam contra as tentações e para os que estão espiritualmente sadios. Mas como é diferente da Palavra de Deus! O remédio de Deus é para os doentes e Sua cura é para os necessitados! A Graça de Deus, através da Expiação de nosso Senhor Jesus Cristo, é para quem é real e seriamente culpado. Não pregamos uma salvação sentimental, de uma culpa inconcebível, mas perdão real e verdadeiro para ofensas reais! Não ligo para falsos pecadores- você que nunca fez nada errado, você que é tão bom que está sempre certo, eu te deixo- pois eu prego para os que estão cheios de pecados e são dignos da ira eterna!
A serpente de bronze era um remédio para os que haviam sido picados. Que terrível coisa ser picado por uma serpente! Eu ouso dizer que alguns de vocês lembram o caso de Gurling, um dos guardadores de répteis do Zoological Gardens. Aconteceu em outubro de 1852, então alguns de vocês lembrarão isso. Esse triste homem acabava de se despedir de um amigo que iria à Austrália e, de acordo com muitos, ele tomou uns drinks com seu amigo. Bebeu quantias consideráveis de gim e ficaria aborrecido se alguém o chamasse bêbado, embora razão e senso comum tenham vencido.
Ele voltou para seu posto embriagado. Ele havia visto alguns meses antes, uma exibição de encantamento de serpentes, o que ainda permanecia em sua pobre e confusa mente. Ele seguiu os passos dos egípcios e começou a brincar com as serpentes! Primeiro ele tirou uma serpente de Marrocos da jaula, colocou ao redor de seu pescoço e a enroscou e permitiu que ela rodeasse seu corpo. Felizmente, pra ele, o assistente gritou para ele: ‘pelo amor de Deus! Coloque a cora em seu lugar!’, porém o tolo homem respondeu: ‘estou inspirado’.
Essa serpente mortal estava de alguma maneira, entorpecida pelo calor da noite anterior, então o homem imprudente a colocou em seu peito até ela despertar e deslizar-se até chegar à parte detrás de seu colete. Ele a pegou pelo corpo, com um pé de distância da cabeça, e com a outra mão aí a agarrou um pouco mais abaixo (tentando sustentá-la pela cauda) para fazê-la girar por sua cabeça. Sustentou-a por instante contra seu rosto e, como um raio, a serpente o picou entre seus olhos. O sangue começou a escorrer por sua face e pediu por socorro, mas seu companheiro fugiu horrorizado!
Como declarou ao júri, não sabia por quanto tempo ficou ausente, pois estava perplexo. Quando o socorro chegou, Gurling estava sentado em uma cadeira e com a serpente devolvida a seu lugar. Ele disse: ’sou um homem morto’. Puseram-no em um táxi o levaram ao hospital. Primeiramente, não consegui falar- somente apontava para sua garganta e gemia. Depois, sua visão falhou e por último sua audição. Sua pulsação foi caindo gradualmente e uma hora depois da fatalidade, ele era um cadáver. Havia apenas uma pequena marca em seu nariz, mas o veneno se espalhou por seu corpo e ele era um homem morto.
Conto-lhe essa história, pois você poderá usá-la como uma parábola e aprender a nunca brincar com o pecado e também para mostrar-lhe vividamente o que é ser mordido por uma serpente. Suponha que Gurling pudesse ter sido curado ao olhar um pedaço de metal- isso não seria uma ótima notícia para ele? Não houve nenhum remédio para essa pobre criatura encantada, mas há um remédio pra você! Par os homens que foram picados por essa serpente brilhante do pecado: Jesus é erguido- não só para você que brinca com a serpente, não só para você que a colocou em seu peito e a viu escorregar por sua carne- mas para você que está realmente picado e mortalmente ferido! Se algum homem for picado e chegue a ponto de ficar doente com o pecado e sentir o veneno mortal em seu sangue, isso é pra ele que Jesus é apresentado hoje. Apesar de ele pensar que é um caso extremo, é para esses que a Graça Soberana de Deus é um remédio!
A picada da serpente foi dolorida. Nesse texto, é dito que as serpentes são ‘ardentes’, uma palavra que se refere à sua cor, entretanto mais provavelmente faz referência aos efeitos destrutivos de seu veneno. Ele aquece e inflama o sangue em tão cada veia se torna um rio em ebulição, crescendo com aflição. Em algumas pessoas que o veneno de víboras que chamamos de pecado inflamou suas mentes. Eles estão sem descanso, descontentes e cheios de medo e angústias. Eles escrevem sua própria condenação- eles têm certeza que estão perdidos- recusam todas as notícias de ajuda. Não se pode esperar que prestem uma atenção calma e sóbria à mensagem da Graça. O pecado os atemoriza tanto que se rendem como homens mortos. Eles estão em sua apreensão, como Davi diz: “Livre entre os mortos, como os feridos de morte que jazem na sepultura, dos quais Te não lembras mais” (Sl 88:5).
Para os homens picados pela serpente ardente que a serpente de bronze foi erguida e é para os homens realmente envenenados pelo pecado que Jesus é pregado. Jesus morreu por aqueles que estão completamente desesperados- por aqueles que não podem pensar retamente, por aqueles que sua mente é sacudida de cima a baixo, por quem já está condenado- por esses o Filho do Homem foi erguido na cruz! Que coisa maravilhosa que podemos te falar hoje. A picada dessas serpentes, eu já disse, era mortal. Os Israelitas não tiveram dúvidas sobre isso, porque em sua presença, “muitas pessoas de Israel morreram”. Eles viram muitos de seus amigos morrerem da picada das serpentes e ajudaram a enterrá-los. Eles sabiam por que os outros estavam morrendo e tinham certeza que era por causa do veneno das serpentes ardentes que estava em suas veias. Não tinham nenhuma desculpa para imaginarem que seriam mordidos e, ainda sim, viveriam.
Agora sabemos que muito pereceram como resultado do pecado. Não temos dúvidas do que o pecado pode fazer, pois a Palavra Infalível nos ensina que “o salário do pecado é a morte” (Rm 6:23), e ainda, “o pecado, sendo consumado, gera a morte.” (Tg 1:15). Também sabemos que essa morte é o sofrimento sem fim, para qual a Escritura descreve quando os perdidos são jogados em profunda treva, “porque o seu verme nunca morrerá, nem o seu fogo se apagará” (Is 66:24). Nosso Senhor Jesus nos fala dos condenados que irão para o juízo eterno, onde haverá choro, gemidos e ranger de dentes. Não devemos ter nenhuma dúvida quanto a isso! Mas os que dizem duvidar disso são os que temem que isso seja para eles- eles sabem que irão para a eterna desgraça, então, eles fecham os olhos para fingir não ver sua inevitável maldição.
Ah, que terrível é que encontrem lisonjeadores nos púlpitos que estimulam seu amor pelo pecado e tocam a mesma melodia. Nós não somos dessa classe. Acreditamos no que o Senhor falou em sua toda sua solenidade de temor, e, conhecendo o temor do Senhor, nós persuadimos os homens a escapar disso. Mas isso é para quem sofreu a picada mortal, para sobre cujos rostos pálidos a morte começava a por seu selo, para os homens cujas veias estavam ardendo por dentro – para eles era o que Deus falou a Moisés: “Faze-te uma serpente ardente, e põe-na sobre uma haste; e será que viverá todo o que, tendo sido picado, olhar para ela” (Nm 21:8).
Não há nenhum limite para a etapa do envenenamento. Não importava quanto tempo tivesse passado o remédio ainda fazia efeito! Se uma pessoa fosse mordida instantes antes e só visse algumas gotas brotando, e só tivesse sentindo uma pequena dor, ela olhava a serpente e vivia! E se, infelizmente, tivesse esperado, por meia hora, com a voz começando a falhar e sua pulsação caindo, se ele somente conseguisse olhar para a serpente, viveria! Não se estabeleceu nenhum limite para o poder desse remédio Divino ou para a liberdade de sua aplicação para os que necessitavam. A promessa não tinha nenhuma clausula condicional: “e sucedia que, picando alguma serpente a alguém, quando esse olhava para a serpente de metal, vivia.”.
Em nosso texto vemos que promessa de Deus acontecia em todo caso, sem exceção, onde lemos: “picando alguma serpente a alguém, quando esse olhava para a serpente de metal, vivia.”. Assim, então, descrevi a pessoa que se encontrava em perigo mortal.