O Exemplo dos Puritanos Ingleses – Parte 1
Errol Hulse
Por que deveriam os cristãos de hoje ter algum interesse pelos Puritanos ingleses? A resposta para isso é que os Puritanos ingleses deixaram para a Igreja Cristã uma das mais valiosas bibliotecas de livros expositivos. Em anos recentes tem havido um redescobrimento desta herança literária.
Quem eram os Puritanos ingleses?
Quando ocorreu a Reforma do século XVI três focos distintos de reforma se desenvolveram: o alemão, o suíço (incluindo a França) e o inglês. Destes três o mais fraco e menos auspicioso era o inglês. No princípio a oposição era feroz. Foram queimados até a morte na estaca 277 líderes cristãos durante o reinado da Rainha Maria. Ela chegou a ganhar o título de “Maria a Sanguinária’ durante o seu reinado de 1553 a 1558. Felizmente o reinado dela foi curto. No entanto, foi pelo sangue derramado e pelas cinzas queimadas dos mártires que a causa de Cristo cresceu e prosperou. Foi durante o reinado da Rainha Elizabeth (1558-1603) que o movimento Puritano nasceu. Ministros piedosos multiplicaram-se pela nação.
Esses ministros apoiaram um ao outro em uma fraternidade religiosa. No início os Puritanos receberam o nome Puritano porque eles buscaram purificar a Igreja Nacional de Inglaterra. Em tempos posteriores, porém, eles foram chamados de Puritanos por causa da pureza de vida que eles buscaram. Eles tinham a intenção de reformar a Igreja da Inglaterra. O seu anseio era conformar a Igreja nacional à Palavra de Deus em seu governo, adoração e prática.
"Na exposição de Baxter da Vida Cristã vemos a idéia Puritana de que a graça deve permear a natureza."
A Rainha Elizabeth era a cabeça da Igreja nacional e ela se opôs e bloqueou o avanço da reforma. Quando James I (que reinou entre 1603 a 1625) subiu ao trono havia a esperança de que finalmente a reforma progredisse. Ao invés disso a luta se intensificou. Nada melhorou quando Charles I subiu ao trono em 1625. Os ministros começaram a desacreditar de que haveria alguma melhora e alguns partiram para a América onde uma nova estirpe de Puritanos se desenvolveu. A situação chegou a um clímax quando a guerra civil começou durante a década de 1640. Naquele tempo Oliver Cromwell tornou-se o governador supremo em lugar do Rei. Quando Cromwell morreu não havia ninguém satisfatório para substituí-lo. A nação voltou à monarquia. Charles II subiu ao trono.
A luta na Igreja renovou-se com conflitos ainda mais árduos do que antes. Um ato do Parlamento foi aprovado, o qual exigia plena conformidade com regras que os Puritanos simplesmente não poderiam seguir. Em 1662 mais de 2000 ministros e líderes da Igreja de Inglaterra foram forçados a sair. Em lugar de comprometer suas consciências eles optaram por renunciar. Os historiadores consideram que o período Puritano encerrou-se naquele ano, 1662. Porém foi depois de 1662 que os Puritanos escreveram algumas de suas melhores obras. John Bunyan ficou preso durante doze anos depois de 1662. Foi na prisão que ele escreveu O Peregrino.
Dois Puritanos que viveram neste período posterior merecem especial atenção.
John Owen (1616-1683) é chamado “O Príncipe dos Puritanos’. Ele foi capelão no exército de Oliver Cromwell e vice-chanceler da Universidade de Oxford, mas a maior parte da sua vida ele serviu como pastor de uma igreja. Suas obras escritas somam 24 volumes e representam o que há de melhor em termos de teologia no idioma inglês. Em vários assuntos importantes como o Espírito Santo, Mortificação do Pecado e Apostasia, ele é insuperável.
Richard Baxter (1615-1691) foi um prolífico escritor e incluído em seus trabalhos está O Manual Cristão (The Christian Directory) que consiste em uma aplicação prática detalhada do evangelho a todos os aspectos da vida. Esta provavelmente é a exposição desse tipo mais abrangente que já foi escrita.
Na exposição de Baxter da Vida Cristã vemos a idéia Puritana de que a graça deve permear a natureza.
"É fácil ver quão próximos os batistas reformados estão dos presbiterianos (os filhos de João Calvino) quando comparamos a 2ª Confissão de Fé Batista de Londres de 1689 com a Confissão de Fé de Westminster. Vinte e oito dos trinta e dois capítulos são virtualmente idênticos. Estas Confissões de Fé representam o ponto alto do Puritanismo."
Durante o período pré-reforma a graça e a natureza ficavam separadas. Este é o conceito do Universo em dois pavimentos. Escada acima está o espiritual e santo. Escada abaixo fica o pecaminoso, carnal e profano. Por exemplo, o clero foi proibido de se casar já que o matrimônio era considerado terrestre e, portanto, pecaminoso. Lutero reformou isso em parte e trouxe a graça para ficar lado a lado com a natureza. Por exemplo, ele se casou com uma ex-freira, Catarina. João Calvino foi mais adiante e ensinou que a graça deve permear a natureza. O que é terreno deve ser santificado pelo divino. Os Puritanos foram mais adiante ainda e ensinaram com maior detalhamento do que Calvino que os princípios bíblicos devem ser aplicados a todos os aspectos da vida. Há princípios bíblicos ou ética bíblica para o matrimônio, a educação de crianças e condução do lar, para os professores e professores universitários, médicos, advogados, arquitetos e artistas, para os fazendeiros e jardineiros, políticos e magistrados, para os homens de negócios e lojistas, para os militares e para os banqueiros. Para os Puritanos a dicotomia (divisão) entre natureza e graça, que era a visão prevalecente entre os teólogos medievais, estava essencialmente errada. Eles negaram qualquer ensino do tipo em que as coisas divinas são coisas santas e as terrestres são malditas e maculadas. Para os Puritanos a graça tem que penetrar e permear toda a vida terrestre e tem que santificá-la. Até mesmo os sinos dos cavalos são santificados para Deus (Zac 14:20).
Em contraste com isso os Anabatistas se retiraram da sociedade com base no argumento de que esta era pecadora e corrupta. Os Anabatistas desencorajavam os homens de tornarem-se políticos ou magistrados. Com respeito à guerra tanto Calvino quanto os Puritanos ensinaram que a defesa era permitida. Os Anabatistas eram pacifistas e não queriam ter nenhuma relação com assuntos militares. É importante que lembremos que há tipos diferentes de batistas. Por exemplo, John Bunyan era um batista firmemente arraigado na tradição Puritana assim como os batistas reformados de hoje. É fácil ver quão próximos os batistas reformados estão dos presbiterianos (os filhos de João Calvino) quando comparamos a 2ª Confissão de Fé Batista de Londres de 1689 com a Confissão de Fé de Westminster. Vinte e oito dos trinta e dois capítulos são virtualmente idênticos. Estas Confissões de Fé representam o ponto alto do Puritanismo. Os Puritanos ingleses seguiram o exemplo de Calvino ao se envolverem com todos os aspectos da vida.
Por exemplo, Calvino era muito ativo na promoção da educação. Em 1559 ele fundou a Academia de Genebra com o intuito de construir uma Comunidade Cristã. Esta Academia atraiu estudantes de todas as partes da Europa e ao tempo da morte de Calvino, em 1564, contava com 1200 estudantes. Os Puritanos estavam igualmente preocupados de forma apaixonada com a educação e com os altos padrões acadêmicos. Quase todos os Puritanos eram formados em Oxford e Cambridge. Sidney Sussex College e Emmanuel College, em Cambridge, eram famosas instituições de ensino puritanas.
Calvino também preocupava-se com o sustento das 5000 famílias de refugiados que afluíram para Genebra entre 1542 e 1560. Ele foi fundamental no estabelecimento de dois hospitais e em um deles havia uma indústria de tecidos bem como uma tecelagem e uma fábrica de potes. (cf Building a Christian World View, vol 2, p 242, edited by W. Andrew Hoffecker, Presbyterian and Reformed, 1988). Até aqui eu descrevi Calvino em termos positivos. Como Lutero e como todos os demais líderes ele também teve pés de barro. Havia tendências autoritárias em Genebra que desfiguraram em parte o ministério de Calvino. Recomendo os ensaios no volume editado por Hoffecker por apresentarem uma visão equilibrada de Calvino em detrimento daqueles que idolatram aquele reformador.