Legado Puritano
Quando a Piedade Tinha o Poder
Textos
Lutero - A Fé que Opera pelo Amor – P 4
Por Charles Haddon Spurgeon

IV. Agora, termino este memorial a Lutero de uma maneira adequada. Você muito já ouviu falar sobre Lutero pregar a salvação pela Fé. Agora, VAMOS NOS VOLTAR PARA A VIDA DE LUTERO, e ver o que o próprio Lutero queria dizer com isso. Que tipo de Fé o próprio Lutero mostrava quando ele foi justificado? Primeiro, no caso de Lutero, a Fé o levou a fazer uma confissão aberta do que ele acreditava. Lutero não queria subir ao Céu pelas escadas dos fundos, como muitos jovens tinham a esperança de fazer. Desejar ser cristão às escondidas, de modo a escapar do escândalo da Cruz. Lutero não se recusou a confessar a Cristo, e tomar a sua própria cruz para segui-Lo. Ele sabia que, já que cria com seu coração, também deveria confessar com sua boca – e ele assim fez, nobremente.
Ele começou a ensinar e pregar a Verdade de Deus que havia iluminado a sua própria alma. Um de seus sermões desagradou o Duque Jorge da Saxônia, mas como uma senhora do alto escalão fora salva, Lutero não se preocupou. Ele não era homem de esconder a Verdade de Deus por ser perigoso admiti-la. Tetzel veio com suas preciosas indulgências, com seus livramentos para as almas no “purgatório”. Milhares de bons católicos ficaram indignados, mas ninguém abriu a boca sobre o assunto. Lutero chamou Tetzel de “servo do Papa e do diabo”, e declarou: “Como ele veio entre nós abusando da credulidade do povo, eu não poderia me abster de protestar contra ele, me opondo à sua carreira odiosa”. Sem maquiar suas palavras, nem tentando falar polidamente, Lutero foi contra ele, sem temer as consequências. Ele acreditava nas bênçãos da Graça, “sem dinheiro e sem preço”, e não escondeu suas certezas! Ele pregou suas teses na porta da Igreja do Castelo de Wittemberg, onde todos podiam lê-las.
Quando os astrônomos acham uma nova constelação no céu, fazem tanto alarde quanto martelos batendo pregos. Ó, vós que não professais a Fé, deixai a Fé sincera vos repreender! Seu valor destemido pela Verdade de Deus o levou a ser grandemente odiado em seus dias, com uma ferocidade que ainda permanece. Lutero ainda é o homem mais odiado em certos locais. Vejam vocês mesmos os vis folhetos que foram produzidos, durante a última quinzena, para a desgraça da imprensa que os contamina! Não posso dizer nem o pior, nem o melhor deles, além de que eles são dignos da causa em cujo interesse militam. Mencione o nome de Lutero, e os seguidores de Roma rangem seus dentes! Este mal-estar intenso prova o poder de Lutero. Jovens, eu não sei qual pode ser a sua ambição, mas eu espero que vocês não desejem ser, neste mundo, como reles batatas, que nada acrescem ao sabor do mingau.
A minha ambição não é essa. Eu sei que se eu não tiver inimigos intensos, eu não poderei ter amantes intensos – e, pela Graça, eu estou preparado para ter a ambos. Quando um homem de coração reto vê o amor de um homem honesto pela Verdade de Deus, ele clama “ele é nosso irmão; que seja o nosso defensor!” Quando os de coração tolo reagem, bradando “acabem com ele!”, nós lhes agradecemos pela homenagem inconsciente que, dessa forma, prestam àquela honrada decisão. Nenhum filho de Deus deveria almejar a aprovação do mundo. Certamente, Lutero não o fez. Ele agradava a Deus, e isso lhe era suficiente. Sua Fé também era desta forma – e ela o levou a uma calorosa reverência àquilo que ele acreditava ser as Sagradas Escrituras. Lamento que ele nem sempre agiu sabiamente em seu julgamento do conteúdo da Bíblia, mas, para ele, a Escritura foi o último tribunal de apelação. Se alguma coisa tivesse convencido Lutero de que este livro estava errado, ele ficaria feliz em reconhecê-lo.
Mas isso não era seu plano – eles simplesmente diziam: “Ele é um herege. Condenem-no, ou o façam se retratar”. Nisso, ele nunca cedeu, nem por um instante! Infelizmente, atualmente, grande número de homens fazem de si mesmos seus próprios escritores inspirados. Disseram-me que todo homem que é advogado de si mesmo, tem um tolo por cliente, e eu estou inclinado a pensar que, quando um homem se estabelece como seu próprio salvador e sua própria revelação, a mesmíssima coisa acontece. Essa idéia vaidosa paira no ar neste presente tempo – cada homem deve imaginar ser sua própria bíblia. Mas não Lutero! Ele amava o Livro Sagrado! Ele lutou com sua ajuda. A Bíblia foi seu machado de batalha, sua arma de guerra. O que incendiou sua alma foi um texto da Escritura, e não as palavras da tradição que rejeitou. Ele não se submeteria a Melancton, ou a Zuínglio, ou a Calvino, ou a quem quer que fosse – quer sendo sábio ou piedoso. Ele tomou a sua própria Fé na Escritura e, de acordo com a sua luz, ele seguiu a Palavra do Senhor. Que muitos sejam um Lutero, aqui!
A próxima coisa a se ressaltar foi a intensa atividade de Fé de Lutero. Ele não acreditava que Deus estivesse fazendo seu trabalho, para que pudesse permanecer ocioso. Nem mesmo por um momento! Certa vez, um discípulo disse a Maomé: “eu vou deixar meu camelo solto e confiar na Providência”. “Não”, respondeu Maomé, “confie na Providência, mas amarre o seu camelo com cuidado”. Isto se parece com o preceito puritano de Oliver Cromwell: “confie em Deus, mas mantenha sua pólvora seca”. Lutero acreditava, mais que a maioria dos homens, em manter sua pólvora seca. Como ele trabalhou! Seja por meio da pena, por palavras faladas, ou com sua mão! Ele foi enérgico, de modo quase inacreditável. Ele, sozinho, trabalhava como vários homens. Lutero fez obras que teriam sido tributadas à força de centenas de pessoas mais modestas. Ele trabalhou como se tudo dependesse da sua própria atividade e, em seguida, caiu de volta na santa confiança em Deus, como se ele nada tivesse feito! Este é o tipo de Fé que salva um homem, tanto nesta vida quanto na que está por vir.
Novamente, a Fé de Lutero abundava na oração. Ó, que súplicas eram! Aqueles que as ouviram nos relatam de suas lágrimas, de sua luta, e de seus santos argumentos. Ele entrava em seus aposentos, com o coração pesaroso, e permanecia lá por uma ou duas horas, e, depois, saía cantando: “venci, eu venci!” “Ah”, ele disse um dia, “eu tenho tanta coisa para fazer hoje que não posso passar por isso tudo sem uma oração de menos de três horas”. Pensei que ele iria dizer: “eu não posso me dar ao luxo de orar nem mesmo por um quarto de hora” – mas ele aumentou sua oração, na medida em que seu trabalho aumentava. Esta é a Fé que salva – a Fé que se apodera de Deus, e prevalece com Ele em súplica privada.
A Fé de Lutero foi o que o salvou inteiramente do medo do homem. O duque Jorge estava indo detê-lo. “É esse?”, indagou Lutero. “Se chovessem duques Jorge, eu iria”. Ele é exortado a não ir a Worms, pois lá estaria em perigo. Se houvessem tantos demônios em Worms quanto haviam telhas nos telhados, lá Lutero estaria! E, de fato, lá ele esteve, como todos sabem, trazendo homens para o Evangelho e para seu Deus. Ele não se indispôs com nenhum homem, mas manteve sua Fé em Deus, pura e sem mistura! Papas, imperadores, doutores, eleitores, eram todos como nada para Lutero quando eles se colocaram contra o Senhor. Que assim seja conosco, também! Sua Fé era tal que o fez arriscar tudo para a Verdade de Deus. Parecia não haver esperança de pudesse voltar vivo de Worms. Lutero estava certo de que seria queimado como João Huss – e a maravilha é que ele escapou. Sua ousadia o trouxe seguro do perigo! Ele expressou seu pesar de que a coroa dos mártires, provavelmente, não lhe seria entregue, mas tinha Fé de que estava preparado para morrer, pois Jesus estava com ele. Ele, que em tal caso salvou sua vida, deve perdê-la, mas aquele que perde sua vida pelo amor de Cristo, a encontrará na vida eterna! Esta foi a Fé que fez de Lutero um homem acima dos demais, e o salvou das afetações sacerdotais.
Não sei se você admira o que se pensa ser a religião superior. É uma coisa bela, mas inútil. Deve sempre ser mantida numa redoma de vidro – é feita para grupos de estudos e encontros religiosos, mas não para lojas ou fazendas. Mas a religião de Lutero estava com ele em casa – tanto na mesa, quanto no púlpito. Sua religião era parte integrante de sua vida comum, livre, aberta, corajosa e irrestrita. É fácil encontrar defeitos nele do seu ponto de vista, pois ele viveu em um destemor honesto. Minha admiração se intensifica quando penso como este homem pôde abrir seu coração! Não me admira que, mesmo os descrentes alemães o reverenciavam, pois ele é todo alemão, e todo homem! Quando ele falava, ele não tomava as palavras da sua própria boca para admirá-las, nem para perguntar a Melancton o que fariam. Não: ele batia fortemente, e proferia uma dúzia de frases antes de pensar se elas eram polidas ou não!
Na verdade, Lutero é totalmente indiferente às críticas e falava o que pensava e sentia. Ele está à vontade, pois se sente em casa. Ele não está, em toda parte, na casa de seu Pai? Não tem ele a intenção pura e simples de falar a verdade de Deus, e de fazer o que é certo? Eu gosto de imaginar Lutero com sua esposa e seus filhos. Eu gosto de imaginá-lo com sua família próximo a uma árvore de Natal, compondo uma música, com o pequeno João Lutero em seu colo. Gosto de imaginá-lo cantando um pequeno hino com as crianças, falando ao seu filhinho dos cavalos no Céu, com freios de ouro e selas de prata. A Fé não retirou sua hombridade, mas a santificou para usos ainda mais nobres. Lutero não viveu nem andava como se fosse um reles clérigo, mas como um irmão de toda a humanidade!
Afinal, irmãos e irmãs, vocês devem saber que até mesmo o maior dos santos precisa comer pão e manteiga, como todas as outras pessoas. Eles fecham seus olhos ao dormir, e os abrem pela manhã, assim como nós! Isso é fato, embora alguns cavalheiros empolados queiram que disso duvidemos. Os santos sentem e pensam como os demais homens. Por que eles deveriam parecer como se assim não fossem? Não é uma boa coisa, comer e beber para a glória de Deus, mostrando às pessoas que as coisas comuns podem ser santificadas pela Palavra de Deus e pela oração? E se nós não usarmos aparatos para tal fim? O melhor aparato do mundo é a devoção completa à obra do Senhor! E se um homem vive corretamente, ele faz de toda roupa uma batina, de cada refeição um sacramento, e de cada casa, um templo! Todas as nossas horas são sagradas! Todos os nossos dias, santos! Cada respiração é como incenso, e cada pulsar, uma música para o Altíssimo!
Eles nos dizem que Lutero ignorou boas obras. É verdade que ele não permitiria que as boas obras fossem tidas como meio de salvação, mas daqueles que professavam sua Fé em Jesus ele exigia uma vida santa! Lutero abundava em oração e caridade. Que doador de esmolas foi Lutero! Temo que ele não tenha, em todo o tempo, resguardado, ainda que vagamente, os princípios da Charity Organization Society. Mas ao passo que ele prossegue em seu caminho, se haviam mendigos, ele esvazia seus bolsos para eles. Duzentas moedas que ele acabara de ganhar, e, embora ele tivesse uma família com ele, ele chorava, “duzentas moedas! Deus está me dando toda a minha porção nesta vida”. “Aqui”, ele disse a um pobre irmão ministro, “tome a metade! E onde estão os pobres? Busquem-nos! Eu devo  me livrar disso”. Eu temo que a sua esposa Catarina foi forçada, por vezes, a acenar com a cabeça para ele, pois, na verdade, ele nem sempre foi o mais econômico marido que poderia ser. No quesito das esmolas, ele foi inigualável, e em todos os deveres da vida, ele subiu muito além do padrão de sua idade. Como todos os homem, ele tinha seus defeitos, mas como as cordas da harpa de seus inimigos, que não iam além da verdade, eu não preciso me delongar sobre suas falhas. Eu gostaria que os detratores de Lutero tivessem a metade de sua bondade. Toda a glória da sua grande carreira foi direcionada ao Senhor, apenas!
Por último, a Fé de Lutero foi uma tal que o ajudou em lutas que raramente são citadas. Suponho que nenhum homem teve, em sua alma, maior conflito que Lutero. Ele era um homem de altos e baixos. Às vezes, ele subia ao céu e cantava suas aleluias. E, então, descia, novamente, para o abismo, com seu miserere. Temo que, a despeito do grande e vigoroso homem que ele era, Lutero tivesse um fígado ruim. Ele foi gravemente ferido no corpo de uma forma que eu não preciso mencionar. E ele foi às vezes deixado de lado por meses, sendo de tal forma atormentado e torturado que ele desejava morrer. Suas dores eram extremas, e nós queremos saber como ele as suportou tão bem. Mas sempre, entre os ataques da doença, Lutero seguia pregando a Palavra de Deus. Essas lutas desesperadas com o diabo o teriam esmagado, se não fosse a sua Fé. O diabo parece ter constantemente lhe atacado, e Lutero estava constantemente atacando o diabo.
Nesse duelo tremendo, ele se voltava ao Senhor e, confiando na Sua Onipotência, punha Satanás em derrota. Jovens, oro para que um Lutero surja de suas fileiras. Como os fiéis o receberiam de bom grado! Eu, que sou mais um seguidor de Calvino que de Lutero, e muito mais um seguidor de Jesus do que de qualquer um deles, ficaria encantado em ver outro Lutero sobre a Terra! Deus lhes abençoe, irmãos e irmãs, pelo amor de Cristo. Amém.
Charles Haddon Spurgeon
Enviado por Silvio Dutra Alves em 15/06/2013
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