Lutero - A Fé que Opera pelo Amor – P 1
Por Charles Haddon Spurgeon
“Porque em Jesus Cristo nem a circuncisão nem a incircuncisão tem valor algum; mas sim a fé que opera pelo amor.” (Gálatas 5.6)
Paulo faz uma varredura no ato de confiar no exterior da religião, que é a tentação comum de todos os tempos. A circuncisão foi algo grandioso para os judeus e, muitas vezes, eles confiavam nela. Mas Paulo declara que ela de nada aproveita. Poderia haver outras pessoas que estivessem contentes por não serem judeus, mas Paulo declara que sua incircuncisão não lhes aproveitaria mais do que o seu oposto! Determinadas questões relacionadas com a piedade são externas e, ainda assim, úteis, quando em seus devidos lugares, especialmente como no caso do Batismo e da Ceia do Senhor, como a reunião de nossa congregação, a leitura da Palavra de Deus, e oração e louvores públicos. Essas coisas são adequadas e proveitosas, mas nenhuma delas deve ser feita, em qualquer medida ou grau, como fundamento da nossa esperança de Salvação, pois este texto as descarta, e claramente descreve que elas de nada aproveitam, se são feitas de modo a serem os fundamentos de nossa fé.
Nos dias de Lutero, a confiança supersticiosa em observâncias externas havia suplantado a Fé no Evangelho. Cerimônias se multiplicaram excessivamente sob a autoridade do papa. Missas eram realizadas às almas no “purgatório”, e homens vendiam indulgências para o pecado em plena luz do dia! Quando Deus ergueu Martinho Lutero, que nasceu há quatro séculos, ele testemunhou enfaticamente contra a salvação por meios externos e pelo poder do sacerdócio, afirmando que a Salvação se dá pela Fé, e esta sozinha, e que toda a Igreja de Deus é uma junção de sacerdotes, sendo cada crente um sacerdote diante de Deus.
Se Lutero assim não houvesse afirmado, tal doutrina teria sido tão verdadeira quanto, posto que a distinção entre clérigos e leigos não encontra qualquer amparo na Escritura, que chama aos santos de “kleros” de Deus – clérigos de Deus – ou herança de Deus. Novamente, lemos: “Vós sois sacerdócio real”. Cada um que crê no Senhor Jesus Cristo é ungido para exercer o sacerdócio cristão e, portanto, não precisa colocar sua confiança em outro sacerdote, sendo o suposto “padre” não mais que qualquer outro homem. Cada homem dará conta de si mesmo perante Deus. Cada um deve, individualmente, ler e pesquisar as Escrituras, e deve acreditar em proveito de si próprio – e, quando salvo, deve se oferecer como sacrifício vivo a Deus por Jesus Cristo, que é o único Sumo Sacerdote de nossa profissão.
Basta do aspecto negativo do texto, que é cheio de alertas para essa época ritualística. O principal testemunho de nosso grande reformador é de que a Justificação de um pecador, aos olhos de Deus, se dá pela Fé em Jesus Cristo, e nisso somente. Ele poderia perfeitamente ter feito disso o seu lema: “Em Jesus Cristo, nem a circuncisão se aproveita para nada, nem a incircuncisão, mas a fé que trabalha por amor.” Ele estava no mosteiro agostiniano de Wittenberg, sendo incomodado e perturbado pela sua consciência, e lá estava, em uma velha Bíblia latina, este texto: “O justo viverá pela fé.” Era uma idéia nova para ele, e por seus meios, a luz espiritual entrou em sua alma em certa medida. Mas foram tantos os preconceitos de sua educação, e tamanha escuridão que o cercava, que ele ainda esperava encontrar salvação por meios externos.
Assim, Lutero jejuou por muito tempo, até que foi encontrado desmaiado de fome. Ele era extremamente zeloso com a salvação pelas obras. Por fim, ele fez uma peregrinação a Roma, esperando encontrar, ali, tudo o que lhe fosse santo e útil. Ele ficou desapontado em sua busca, mas ainda assim, encontrou lá mais do que procurava. Na falsa Escadaria de Pilatos, enquanto a subia de joelhos, o texto de Wittenberg novamente soou em seus ouvidos como uma trovoada – “O justo viverá pela fé.” Então, ele começou a descer as escadas, para nunca mais rastejar sobre elas! As cadeias foram quebradas, sua alma fora liberta! Lutero havia encontrado a Luz de Deus e, a partir daquele dia, sua vida passou a ser direcionada a iluminar as nações, clamando sempre: “O justo viverá pela fé”.
A melhor homenagem que eu posso fazer para este homem é pregar a Doutrina que ele tanto estimava. E vocês, assim salvos, também podem me auxiliar, acreditando nesta doutrina, provando a verdade dela em suas próprias vidas. Que o Espírito Santo faça com que assim seja com centenas de pessoas!
I. Primeiro, vamos perguntar O QUE É ESTA FÉ? Nós sempre falamos dela, mas o que ela é? Sempre que eu tento explicá-la, eu tenho medo de confundir ainda mais, ao invés de explaná-la.
Há uma história contada a respeito de “O Peregrino”, de John Bunyan. O bom Thomas Scott, seu comentador, escreveu notas para este livro. Ele pensou que o “O Peregrino” era muito complicado, e ele o deixaria claro. Uma piedosa camponesa de sua paróquia possuía o livro, e ela o estava lendo quando seu ministro a chamou. Scott disse para ela: “oh, eu vejo que você está lendo ‘O Peregrino’, de Bunyan. Você consegue entendê-lo?” Ela respondeu, inocentemente: “Sim, senhor, eu entendo o Sr. Bunyan muito bem, mas espero que um dia seja capaz de entender suas explicações”. Tenho com medo de que você talvez diga, quando eu terminar, “eu entendo o que é a Fé da forma em que eu a encontro na Bíblia, e talvez um dia eu seja capaz de entender a explicação do pastor sobre ela”. Assim advertido, vou me expressar do modo mais simples que conseguir!
E, primeiro, preciso lembrar-lhes que a Fé não é simplesmente um credo. É muito bom dizer: “creio em Deus Pai Todo-Poderoso, Criador do Céu e da Terra”, e assim por diante. Mas você pode repetir tudo isso e não ser um “crente”, no sentido escriturístico do termo. Apesar de verdadeira, tal crença pode não sê-la para você – teria o mesmo efeito em você se o oposto fosse verdadeiro, para que você a pusesse de lado, num armário, e não fizesse efeito algum sobre você. “Uma doutrina muito adequada”, você diz, “uma doutrina muito boa”, e assim você a põe de lado, guardada. Não tem qualquer influência sobre o seu coração, nem afeta a sua vida.
Não imagine que professar um credo ortodoxo é o mesmo que ter Fé em Cristo! Um credo verdadeiro é desejado por muitos motivos, mas se for algo morto, inoperante, esse credo não pode trazer salvação. Ter Fé é crer nas verdades de Deus, e ainda mais. Novamente, a Fé não é a mera crença de que existe um Deus, apesar de que devemoster essa crença, pois não podemos chegar a Deus, exceto “crendo que Ele existe, e que Ele é galardoador daqueles que O buscam.” Devemos acreditar em Deus – que Ele é bom, abençoador, verdadeiro, justo e, portanto, confiável e louvável. No que quer que Ele faça, ou que Ele diga, não se deve questioná-lO, mas n’Ele acreditar.
Você sabe o que é confiar num homem, não sabe? Acreditar num homem, seguí-lo, nele confiar e aceitar seu conselho? Do mesmo modo, a Fé acredita em Deus – não só que Ele existe, mas encontra descanso em Seus atributos, Seu Filho, Sua Promessa, Sua Aliança, Sua Palavra, e tudo mais sobre Ele. A Fé, de forma animada e amorosa, confia em seu Deus acima de tudo! Especialmente, devemos acreditar no que Deus nos revelou nas Escrituras – que é verdadeira e, de fato, um testemunho certo e infalível a ser recebido, sem qualquer questionamento. Nós aceitamos o testemunho do Pai a respeito de Jesus e o tratamos “como a uma luz que brilha em lugar escuro.” A Fé deve especialmente acreditar n’Aquele que é a soma e substância de toda a Revelação, Jesus Cristo, que se tornou Deus em carne humana, a fim de redimir nossa natureza decaída de todos os males do pecado, e elevá-la à felicidade eterna.
Nós cremos em Cristo, por Cristo, e sobre Cristo – aceitando-o por causa do registro que Deus nos deu acerca de seu Filho – de que Ele é a propiciação pelos nossos pecados. Aceitamos a indizível dádiva de Deus, e recebemos Jesus como nosso tudo. Se eu quisesse descrever a Fé salvadora em uma só palavra, eu diria que é confiar. É crendo em Deus e, assim, acreditando em Cristo, que confiamos a nós mesmos, bem como nosso destino eterno, nas mãos de um Deus reconciliado. Como criaturas, erguemos nossas vistas ao grande Pai dos Espíritos. Como pecadores, confiamos, para o perdão de nossos pecados, à expiação de Jesus Cristo. Sendo fracos e frágeis, confiamos no poder do Espírito Santo para nos fazer santos e, assim, nos manter. Arriscamos nossos interesses eternos no barco da Graça, contentes em nadar ou afundar com ele. Nós confiamos em Deus por Cristo.
A palavra empregada para expor a Fé nas Escrituras, por vezes, significa inclinar-se. Nós nos inclinamos, com todo o nosso peso, em nosso Deus, por Jesus Cristo. Nós nos penduramos sobre Cristo tal qual um vaso suspenso por um prego. “Descanso” era um dos termos pelo qual os antigos puritanos descreviam a Fé – repousar, ou inclinar-se sobre algo que não nós mesmos. Culpado como sou, acredito na palavra de Deus, que diz que “o sangue de Jesus Cristo, Seu Filho, nos purifica de todo pecado.” Saber que, pelo Sangue, eu sei que estou limpo de todo pecado. Deus estabelece Cristo para ser uma propiciação – nós cremos que Ele é a propiciação e o tomamos para ser nossa propiciação. Por esta apropriação, nossos pecados são cobertos e nós somos libertos! A Fé é o apego, a apropriação, o recebimento para si mesmo do Senhor Jesus Cristo.
Às vezes eu ilustro isto por meio dessa passagem de Paulo, onde ele diz: “A palavra está perto de ti, na tua boca.” Quando um alimento está em sua boca, se você tiver vontade de possuí-lo de modo a nunca mais perdê-lo, qual é a melhor coisa a fazer? Engoli-lo! Deixe-o entrar em seu interior. Ora, a palavra que pregamos está, segundo o Apóstolo, “na boca”; devemos, então, pela graça de Deus, experimentá-la, para que ela vá para nosso coração, e descobriremos a Verdade, “com o coração que se crê para a justiça, e com a boca se faz confissão para a salvação.” Essa é a Fé que salva a alma.
Charles Haddon Spurgeon
Enviado por Silvio Dutra Alves em 15/06/2013