Legado Puritano
Quando a Piedade Tinha o Poder
Textos
Agora e Depois – Parte 2
Entendendo como entendemos e como entenderemos a realidade espiritual

Por Charles Haddon Spurgeon

I – Entre as coisas que vemos agora – todos aqueles que entre nós cujos olhos foram iluminados pelo Espírito Santo – está o fato de que nos vemos a NÓS MESMOS.
Vermos a nós mesmos é um dos primeiros passos da verdadeira religião. A maior parte dos homens nunca viu a si mesmos. Viram a imagem aduladora de si mesmos e imaginam que trata da própria cópia fac-símile sua, mas não o é. Os senhores e eu fomos instruídos pelo Espírito Santo de Deus para vermos nossa ruína pela queda – lamentamos devido a essa queda – tomamos consciência de nossa depravação natural, somos abatidos até chegar ao pó por essa descoberta que nos mostrou nossa natureza pecaminosa real e como transgredimos contra o Altíssimo. Arrependemo-nos disto e fugimos em busca do refúgio em direção à esperança posta diante de nós no Evangelho.  Dia-a-dia vemos algo mais de nós mesmos – garanto-lhes que não vemos nada prazeroso – porém isso é muito útil, pois é algo grande conhecer nosso vazio. É um progresso encaminhado a receber Sua plenitude. É algo importante descobrir nossa fraqueza; é um passo essencial para nossa participação da fortaleza divina. Eu suponho que quanto mais vivamos, mas nós veremos a nós mesmos e provavelmente cheguemos a esta conclusão: “Vaidade das vaidades, tudo é vaidade”, e clamaremos como Jó: “Eu sou vil”. Quanto mais descubramos coisas de nós mesmos, mais nos sentiremos doentes de nós mesmos.
Não duvido, porém, que no céu descobriremos que nem sequer a nós mesmos nos pudemos ver sob a mais clara luz, senão “como em espelho”, “obscuramente”, somente como um profundo enigma, já que entenderemos mais a cerca de nós mesmos no céu do que entendemos agora. Lá, veremos como ainda não vimos aqui ainda, que mal tão terrível foi a Queda, em que sepultura tão terrível caímos; e quão rápido ficamos enganados nesse lugar cheio de lodo. Lá veremos a negrura do pecado como jamais vimos aqui e entenderemos seu inferno merecido como até agora não pudéramos ter feito senão a partir do momento em que olharmos desde a altura totalmente coberta de estrelas aonde nos levará a misericórdia infinita. Quando cantemos “o Cordeiro que foi imolado é digno”, olharemos as roupas que lavamos no Seu sangue e veremos quão embranquecidas ficaram. Entenderemos melhor que agora o quanto necessitávamos da limpeza, quão carmesins eram as manchas e quão precioso era o sangue que fez desaparecer as máculas escarlates. Lá, também, conheceremos nosso lado brilhante melhor do que o conhecemos agora. Hoje sabemos que somos salvos e, portanto,nenhuma condenação há para os que estão em Cristo Jesus; porém veremos melhor este manto de justiça que nos cobre agora, e que nos cobrirá então, e discerniremos quão lustroso é com seu bordado e com seu ouro forjado; muito melhor que as pérolas e joias que decoraram os mantos dos monarcas são o sangue e a justiça do Deus Filho que se entregou por nós. Aqui sabemos que somos adotados. Sentimos no espírito a condição de filhos. “Clamamos: Abba Pai!” Lá, porém, conheceremos melhor em que consiste ser os filhos de Deus, pois aqui ainda não se manifestou o que havemos de ser; porém quando estivermos lá, e quando Cristo se manifeste, seremos semelhantes a Ele, porque veremos tal como Ele é, e entenderemos plenamente o que significa gozar da condição de filhos.
Assim, também, eu sei hoje que sou co-herdeiro com Cristo, porém tenho uma ideia muito pobre daquilo de que sou herdeiro; lá, porém, verei as propriedades que me pertencem, e não somente verei, como também as desfrutarei de fato. Todo cristão terá uma parte da herança imarcescível e sem mancha, reservada no céu para ele, porque está em Cristo Jesus. É um com Cristo, é um por eterna união. Temo, porém, que isso seja mais um enigma para nós que um assunto inteligível. Vemo-lo como um enigma agora, porém lá nossa união com Cristo será tão visível e tão clara como as letras do alfabeto. Lá saberemos o que significa ser um membro de Seu corpo, de Sua carne, de Seus ossos; lá entenderei o laço da união mística que une a alma do crente a Cristo; lá verei como, igual o ramo que brota do caule, minha alma está em união, em uma vital união com seu Bendito Senhor Jesus Cristo. Assim, algo que vemos agora, mas que veremos sob uma luz mais clara no mais além é: “a nós mesmos”.
Aqui também vemos a IGREJA, mas LOGO A VEREMOS MUITO MAIS CLARAMENTE.
Sabemos que há uma igreja de DEUS. Sabemos que o Senhor tem um povo que escolheu desde antes da fundação do mundo; acreditamos que os membros desse povo estão esparramados por todas as partes de nossa terra, e em muitas outras terras. Há muitos deles que não conhecemos; há muitos que se nós as conhecêssemos, me atreveria a dizer que não nos agradaria particularmente, devido suas características externas: pessoas de aparência estranhas e talvez de hábitos muito diferentes e, no entanto, apesar de tudo isso, elas constituem o povo do Deus vivo. Agora, nós conhecemos esta igreja, conhecemos a sua glória e seus membros são impulsionados por uma só vida, são vivificados com um Espírito, redimidos com um sangue; acreditamos nesta igreja e somos apegados a ela por causa de Jesus Cristo, que desposou com a Igreja como Esposo. Mas, oh! Quando chegarmos ao céu, conheceremos ainda mais a igreja, e então a veremos cara a cara e não “como em espelho”, “obscuramente”. Lá conheceremos algo a mais do número dos escolhidos que conhecemos agora, e poderá ser que para nossa surpresa, encontremos entre a companhia dos escolhidos de Deus, alguns a quem em nossa amargura de espírito tínhamos condenado, e lá sentiremos falta de alguns, que em nossa caridade, concebíamos que estavam perfeitamente seguros. Então saberemos melhor quem são aqueles que pertencem ao Senhor e quem são os que não pertencem, algo que jamais poderíamos saber aqui. Na terra todos nossos processos de discernimento são falhos. Judas entra com os apóstolos, e Demas toma sua parte entre os santos, mas lá conheceremos aos justos, pois os veremos; haverá um rebanho com um Pastor, e Aquele que reina sobre o trono eternamente, será glorificado. Entenderemos então o que foi a história da Igreja em todo o passado e porque foi uma história tão estranha de conflito e conquista. Provavelmente no futuro saberemos mais acerca da história da Igreja. Desde aquela elevação sublime e naquela atmosfera mais resplandecente vamos entender melhor quais os desígnios do Senhor concernentes ao Seu povo no último dia. Quanta glória a Seu próprio Nome lhe darão Seus redimidos, quando haja reunido a todos os que são chamados e escolhidos e fiéis entre os filhos dos homens. Este é um dos gozos que estamos esperando: que viremos à congregação dos primogênitos que estão inscritos nos céus, e teremos comunhão com aqueles que têm comunhão com Deus por meio de Jesus Cristo nosso Senhor.
Em terceiro lugar: não é possível, melhor, não é certo que no seguinte estado VEREMOS E CONHECEREMOS MAIS SOBRE A PROVIDÊNCIA DE DEUS QUE CONHECEMOS AGORA?
Aqui vemos a providência de Deus, mas ela está como em espelho, obscuramente. O apóstolo disse “como” espelho. Havia vidro nos dias dos apóstolos, não do tipo da substância de que são feitas nossas janelas, mas um vidro grosso, de cor opaca, não muito mais transparente que o vidro que se usa na fabricação de garrafas comuns, de tal forma que se olhássemos através de um pedaço de vidro não poderíamos ver muito. Isso se assemelha ao que vemos agora da divina providência. Nós cremos que aos que amam a Deus todas as coisas lhes cooperam para bem; vimos como obram conjuntamente para o bem em alguns casos, e comprovamos que na prática é assim. Porém, ainda assim, para nós se trata mais de um assunto de fé que um assunto de vista. Não podemos dizer como “cada linha obscura de sinuosa se junta no centro de seu amor”. Não percebemos ainda como Ele fará para que essas obscuras dispensações de tribulações e aflições que lhe sobrevém a Seu povo realmente sirvam para Sua glória e para a felicidade perene deles. Porém, lá em cima veremos a providência, por assim dizer, cara a cara, e eu suponho que o descobrimento de como o Senhor tratou conosco será uma de nossas maiores surpresas. “Vamos” – diremos alguns de nós – “orávamos justamente contra essas precisas circunstâncias que eram as melhores que pudessem ter-nos sido designadas”. “Ah!” – dirá outro – “eu me inquietei e me turbei pelo que era, depois de tudo, a mais rica misericórdia que o Senhor jamais me enviara”. Algumas vezes conheci pessoas que renegaram uma carta que batia à sua porta, e aconteceu que, em alguns casos, continha algo muito valioso e posteriormente o carteiro comentou: “Você desconhecia o conteúdo, pois do contrário não a teria rejeitado”. E Deus nos enviou frequentemente tal preciosa quantidade de misericórdias no envelope negro da tribulação, que se nós houvéssemos conhecido seu conteúdo, o teríamos aceitado, e nos haveríamos alegrado de ter de pagar por ele, contentes de lhe dar alojamento e abrigo; mas devido o fato de vê-lo negro fomos rápidos em fechar a porta.
Agora, lá em cima não somente nos conheceremos mais a nós mesmos, mas perceberemos em maior escala as razões de muitos dos tratos de Deus para conosco; e talvez descubramos lá que as guerras que devastaram as nações e as pragas que encheram muitas sepulturas e os terremotos que fazem tremer as cidades, depois de tudo, são dentes imprescindíveis da grande roda do maquinário divino; e o que está assentado no trono neste momento e governa supremamente toda criatura que está no céu, na terra ou no inferno, fará manifesto lá para nós que Seu governo era equitativo. É bom pensar nestes tempos quando tudo parece descontrolar-se, que “o principado sobre seu ombro; se chamará seu nome Admirável, Conselheiro, Deus forte, Pai eterno, Príncipe da paz”. Com certeza ao fim tudo sairá bem; tem que sair bem, cada parte e cada porção hão de trabalhar conjuntamente numa unidade de desígnio para promover a glória de Deus e o bem dos santos. O veremos lá e elevaremos nosso cântico com zelo e gozo renovados, conforme novos esclarecimentos da sabedoria e da bondade de Deus – cujos caminhos não podem ser descobertos – sejam expostas diante de nossa assombrada visão.
Charles Haddon Spurgeon
Enviado por Silvio Dutra Alves em 23/06/2013
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