Agora e Depois – Parte 1
Entendendo como entendemos e como entenderemos a realidade espiritual
Por Charles Haddon Spurgeon
“Agora vemos como em espelho, obscuramente; mas então veremos face a face.” 1 Coríntios 13:12
Neste capítulo, o apóstolo Paulo fala do amor nos termos mais sublimes. Considera que é uma graça muito mais excelente do que qualquer dos dons espirituais que acabara de mencionar.
É fácil ver que tinha boas razões para a preferência que lhe concedia.
Esses dons, os senhores observarão, eram distribuídos entre homens piedosos e cada indivíduo recebia sua porção única, de tal maneira que alguém tinha algo que o outro precisava; mas esta graça da caridade pertence a todos aqueles que passaram da morte para a vida.
A prova de que são discípulos de Cristo se encontra no amor que lhe têm tanto a Ele como aos irmãos.
Além disso, aqueles dons tinham o propósito de equipá-los para o serviço, com a finalidade de que cada membro do corpo fosse útil para os demais membros do corpo; porém esta graça é para proveito pessoal: é uma luz no coração e uma estrela no peito de cada pessoa que a possui.
Esses dons, ademais, eram de uso temporal; seu valor estava limitado à esfera em que eram exercidos; porém esta graça do amor cresce em todo tempo e em todo lugar; e não é menos essencial para nosso futuro eterno do que para nosso bem-estar presente.
A todo custo procure os melhores dons, meu caro irmão, assim como o artista desejaria ter habilidade em todos seus membros, e estar alerta com todos seus sentidos, mas sobretudo, aprecie o amor; assim como esse mesmo artista quisesse cultivar o gosto refinado que vive e respira em seu interior, que é o manancial secreto de todos seus movimentos, a faculdade que impulsiona sua habilidade.
Aprendam a estimar este sagrado instinto do amor mais que todos os mais seletos dons. Sem importar quão pobre possam ser em matéria de talentos, o amor de Cristo deve habitar ricamente em vocês.
Uma exortação como esta se faz mais necessária porque o amor tem um rival poderoso. Paulo pôde notar que nas academias da Grécia, como certamente em todas nossas escolas modernas, era costume que o conhecimento levasse todos os prêmios. Quem poderia dizer qual a porcentagem do sucesso do Dr. Arnold, como pedagogo, deveu-se à honra que de que ele possuía a um bom rapaz, de preferência a um rapaz inteligente?
Com toda certeza Paulo detectava na igreja muitos ciúmes contra aqueles que alcançavam habilidades superiores daqueles que podiam falar idiomas estrangeiros, e profetizar ou pregar bem. Então, enquanto Paulo elogia a graça do amor, parece menosprezar mais o conhecimento; pelo menos usa uma ilustração que tende a demonstrar que o tipo de conhecimento que apreciamos não é a coisa mais confiável do mundo.
Paulo lembrou sua infância. Isso é algo muito bom que todos nós deveríamos manter presente. Se a esquecemos, nossas afetividades logo se secam, nosso comportamento fica propenso a se tornar intratável, nossas opiniões se tornam bem mais altivas e nosso egoísmo se torna muito repulsivo. Sendo o homem de maior destaque de seus dias na igreja cristã, o que exercia a mais ampla influência entre os convertidos a Cristo, Paulo se lembrou do passado distante quando era jovem, e sua lembrança foi muito oportuna. Embora Paulo pudesse ter sugerido que as conquistas que havia obtido ou o alto cargo que havia ocupado, e possa haver reclamado algum grau de respeito, prefere olhar o passado, aos seus humildes preceitos. Se bem que há sabedoria em sua reflexão, para mim há uma veia de amenidade na sua maneira de expressá-la: “Quando eu era menino, falava como menino, pensava como menino, brincava como menino, mas quando me tornei homem, deixei as coisas que eram de menino.” Compara assim duas etapas de sua vida natural, as quais lhe servem como uma parábola. No conhecimento espiritual sentia que estava em sua infância ainda. Sua maturidade, sua idade adulta plena, permanecia diante dele como uma perspectiva futura. Podia imaginar facilmente um futuro desde o qual olharia o seu eu atual como um mero aprendiz que andava tateando no seu caminho entre as sombras da sua própria fantasia. “Pois agora” – diz – “vemos com em espelho, obscuramente; mas então veremos cara a cara. Agora conheço em parte, mas então conhecerei como fui conhecido.”
Aqui Paulo emprega uma ou duas figuras novas. “Como em espelho!” Talvez não sejamos capazes de determinar a que tipo de espelho se refere. Bem, deixaremos esta pergunta para que os críticos debatam suas divergências a respeito. A nós basta que o significado seja óbvio. Há uma grande diferença entre ver um objeto através de um obscuro instrumento e inspecioná-lo de perto, à vista. Em ambos os casos havemos de ter o poder da visão, mas no último caso podemos usá-la como maior vantagem. “Agora vemos como em espelho, obscuramente”. Obscuramente, como se fosse um enigma! Nossas percepções mentais são tão frágeis que as claras verdade amiúde nos desconcertam. As palavras que nos instruem são quadros que precisam de uma explicação. Os pensamentos que nos comovem são visões que flutuam em nossos cérebros e precisam de uma retificação. Oh, como precisamos de uma visão mais clara! Precisamos de um conhecimento mais perfeito! Prestem atenção, irmãos, que embora tenhamos muitos motivos para a desconfiança, já que somente “vemos como em espelho obscuramente”, é um motivo de alegria que a menos vejamos. Graças a Deus, porque, em efeito, conhecemos; mas para que sirva de freio à nossa altivez, conhecemos em parte. Amados, os objetos que olhamos estão à distância e nós somos míopes. A revelação de Deus é ampla e profunda, porém nosso entendimento é frágil e superficial.
Há coisas que agora consideramos muito valiosas, porém, logo não terão nenhum valor para nós. Há algumas coisas que conhecemos, ou acreditamos conhecer, e valorizamos demais nosso conhecimento; porém quando alcançarmos a condição de homens, não daremos a esse conhecimento um valor maior que um menino dá a um brinquedo quando se torna um homem. Nossa maioridade espiritual no céu jogará fora muitas coisas que agora consideramos valiosas, assim como um homem adulto abandona os tesouros de sua infância. E há muitas coisas que nos acostumamos a ver que, uma vez que haja concluído esta vida passageira, não as veremos mais. Embora nos deleitássemos nelas e agradassem nossos olhos enquanto transitávamos nesta terra, dissipar-se-ão como um sonho quando alguém acorda; não as veremos nunca mais, nem as desejaremos mais, pois nosso olhos - sob uma luz mais clara e ungidos com colírio – terão visões mais resplandecentes, e nunca lamentaremos o que perdemos, diante da presença das cenas mais lindas que haveremos de encontrar. Há outras coisas que conhecemos agora e que nunca esqueceremos, as conheceremos para sempre, com a diferença que será de forma plena, porque não teremos mais um conhecimento parcial delas; e há algumas coisas que vemos agora e veremos na eternidade, só que lá as veremos sob uma luz mais clara.
Então, vamos falar sobre algumas coisas que vemos agora, porém que havemos de vê-las mais plenamente e mais claramente no mais além; logo pesquisaremos como as veremos mais claramente; e vamos concluir considerando qual o ensino deste fato.
Charles Haddon Spurgeon
Enviado por Silvio Dutra Alves em 23/06/2013