Legado Puritano
Quando a Piedade Tinha o Poder
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Existem Duas Vontades em Deus? - Parte 1
Eleição Divina e o Desejo de Deus para que Todos Sejam Salvos

Por John Piper

Meu objetivo aqui é mostrar nas Escrituras que a existência simultânea da vontade de Deus "que todos os homens se salvem" (1 Tm. 2:4) e sua vontade de eleger incondicionalmente todos que, de fato, serão salvos não é um sinal de esquizofrenia divina ou confusão exegética. Um objetivo correspondente é demonstrar que a eleição incondicional, portanto, não contradiz as expressões bíblicas da compaixão de Deus por todas as pessoas, e não anula a oferta sincera de salvação para aqueles que estão perdidos dentre todos os povos do mundo.
1 Timóteo 2:4, 2 Pedro 3:9 e Ezequiel 18:23 podem ser considerados textos pilares dos arminianos em referência a vontade salvífica universal de Deus. Em 1 Timóteo 2:1-4, Paulo diz que a razão pela qual devemos orar por reis e todos que se acham investidos de autoridade é que isto pode trazer uma vida quieta e sossegada, que é algo "bom e agradável diante de Deus nosso Salvador, que quer (thelei) que todos os homens se salvem, e venham ao conhecimento da verdade." Em 2 Pedro 3:8-9, o apóstolo diz que a demora da Segunda Vinda de Cristo se deve ao fato que para o Senhor um dia é como mil anos e mil anos como um dia. "O Senhor não retarda a sua promessa, ainda que alguns a têm por tardia; porém é longânimo para convosco, não querendo (boulomenos) que ninguém se perca, senão que todos venham a arrepender-se." E em Ezequiel 18:23 e 32 o Senhor fala sobre seu coração pelos que se perdem: "Desejaria eu, de qualquer maneira, a morte do ímpio? diz o Senhor DEUS; Não desejo antes que se converta dos seus caminhos, e viva? ... Porque não tenho prazer (ehephoz) na morte do que morre, diz o Senhor DEUS; convertei-vos, pois, e vivei." (cf 33.11).
É possível que uma exegese cuidadosa de 1 Timóteo 2:4 nos levasse a acreditar que "a vontade de Deus para que todos sejam salvos" não se refere a cada indivíduo no mundo, mas antes para todos os tipos de pessoas, pelo fato que "todos os homens" no verso 1 pode significar grupos como "reis e todos em altas posições" (v.2). Também é possível que o "convosco" em 2 Pedro 3:9 ("é longânimo para conosco, não querendo que ninguém se perca") refira-se não a cada pessoa no mundo, mas para nós cristãos confessos que, como Adolf Schlater diz, "são pessoas que apenas através do arrependimento podem alcançar a graça de Deus e a herança prometida."
Todavia, o caso desta limitação na vontade salvífica universal de Deus nunca foi convincente para arminianos, e é provável que não se tornará convincente, especialmente porque Ezequiel 18:23, 32 e 33:11 são ainda menos tolerantes da restrição. Portanto, como um crente sincero na eleição individual e incondicional, eu me regozijo em afirmar que Deus não se deleita na morte do ímpio, e que Ele tem compaixão por todas as pessoas. Meu objetivo é mostrar que esta não é conversa dúbia.
A atribuição desde capítulo não é defender a doutrina de que Deus escolhe incondicionalmente aqueles que irá salvar. Eu tentei fazer isto em outro lugar e outros o fazem neste livro. Não obstante, eu tentarei criar um argumento plausível de que, enquanto os textos pilares arminianos possam ser, de fato, pilares para o amor universal, não são, no entanto, armas contra a eleição incondicional. Se eu tiver sucesso, então, haverá uma indireta confirmação da tese deste livro. De fato, penso que arminianos tem errado em tentar pegar os pilares de amor universal e torná-los em armas contra a graça eletiva.
Afirmar a vontade de Deus de salvar todos, enquanto também afirmar a eleição incondicional de alguns, implica em pelo menos "duas vontades" de Deus, ou duas formas de vontade. Isto implica que Deus decreta um estado de coisas, enquanto deseja e ensina que outro estado de coisas venha a acontecer. Esta distinção entre as vontades de Deus tem sido expressada de várias formas através dos séculos. Isto não é nova invenção. Por exemplo, teólogos já falaram de vontade moral e vontade soberana, vontade eficiente e vontade permissiva, vontade secreta e vontade revelada, vontade de decreto e vontade de comando, vontade decretiva e vontade preceptiva, voluntas signi (vontade assinada) evoluntas beneplaciti (vontade de bom prazer), etc.
Clark Pinnock refere-se de maneira desaprovadora sobre "a noção extremamente paradoxal de duas vontades divinas a respeito da salvação". No volume mais recente de Pinnock (A Case for Arminianism), Randall Basinger argumenta que "se Deus decretou todos os eventos, então logicamente as coisas não podem e não devem ser diferentes do que elas são." Em outras palavras, ele rejeita a noção de que Deus poderia decretar que uma coisa seja de uma maneira e ainda ensinar que devemos agir para fazê-la de outra forma. Ele diz que é muito difícil "conceber coerentemente um Deus em que esta distinção realmente exista".
No mesmo volume, Fritz Guy argumenta que a revelação de Deus em Cristo trouxe uma "mudança de paradigma" na forma como devemos pensar sobre o amor de Deus - a saber como "mais fundamental, e prioritário, que a justiça e o poder." Esta mudança, diz ele, torna possível pensar sobre a “vontade de Deus” como "deleitando-se mais do que decidindo". A vontade de Deus não seria o seu propósito soberano que Ele estabelece infalivelmente, mas sim "o desejo do amante para o amado”. A vontade de Deus é a sua intenção e desejos gerais, e não seu propósito efetivo. Dr. Guy vai tão longe que chega a dizer: "Aparte de uma pressuposição predestinatória, torna-se evidente que a vontade de Deus deve sempre (sic) ser entendida em termos de intenção e desejo [ao contrário do propósito soberano, eficaz]."
Estas críticas não são novas. Jonathan Edwards escreveu há 250 anos, "Os arminianos ridicularizam a distinção entre a vontade secreta e revelada de Deus, ou, mais propriamente expressado, a distinção entre o decreto e a lei de Deus; porque nós dizemos que Ele pode decretar uma coisa, e ordenar outra. E assim, argumentam eles, temos uma contrariedade em Deus, como se uma dessas vontades contradissesse a outra."
Mas apesar destas críticas, a distinção permanece, não por causa de uma dedução lógica ou teológica, mas porque é inevitável nas Escrituras. O exegeta mais cuidadoso do livro de Pinnock A Case for Arminianism (Uma defesa do Arminianismo) admite a existência de duas vontades em Deus. I. Howard Marshall aplica seu dom exegético para as Epístolas Pastorais. Com respeito a 1 Timóteo 2:4 ele diz:
“Para evitar qualquer mal-entendido, deve ficar claro desde já que o fato de Deus querer ou desejar que todas as pessoas sejam salvas, não implica necessariamente que todos responderão ao evangelho e serão salvos. Nós devemos certamente distinguir entre o que Deus gostaria de ver acontecer e o que ele realmente deseja que aconteça, e ambas as coisas podem ser ditas como sendo vontade de Deus. A questão em debate não é se todos serão salvos, mas se Deus fez provisão em Cristo para a salvação de todos, desde que eles creiam, e sem limitar o escopo potencial da morte de Cristo meramente para aqueles que Deus sabia que viriam a crer.”
Neste capítulo eu gostaria de embasar o ponto de Marshall de que "nós devemos certamente distinguir entre o que Deus gostaria de ver acontecer e o que ele realmente deseja que aconteça, e [que] ambas as coisas podem ser ditas como sendo vontade de Deus”. Talvez a maneira mais eficaz de fazer isso é começar por chamar a atenção para a forma como a Bíblia retrata Deus querendo algo em um sentido, que desaprova em outro sentido. Então, depois de ver algumas das evidências bíblicas, poderemos retroceder e refletir sobre como compreender isso em relação aos propósitos salvíficos de Deus.

Ilustrações das Duas Vontades em Deus

A Morte de Cristo

O exemplo mais convincente da vontade de Deus de que o pecado venha a ocorrer enquanto ao mesmo tempo desaprova o pecado é a morte de seu perfeito, divino Filho. A traição de Jesus por Judas foi um ato moralmente mau inspirado de forma imediata por Satanás (Lucas 22:3). No entanto, em Atos 2:23 Lucas diz: “Esse Jesus [foi] entregue pelo determinado desígnio (boule) e presciência de Deus”. A traição foi pecado, e envolveu a instrumentalidade de Satanás; mas era parte de um plano ordenado de Deus. Ou seja, há um sentido no qual Deus quis a entrega de seu Filho, apesar do ato ter sido um pecado.
Além disso, o desprezo de Herodes por Jesus (Lucas 23:11), a conveniência covarde de Pilatos (Lucas 23:24), o "Crucifica-o! Crucifica-o!" dos judeus (Lucas 23:21) e a zombaria dos soldados gentios "(Lucas 23:36), também foram atitudes e atos pecaminosos. No entanto, em Atos 4:27-28, Lucas expressa seu entendimento da soberania de Deus nestes atos ao registrar a oração dos santos de Jerusalém:
"Porque verdadeiramente contra o teu santo Filho Jesus, que tu ungiste, se ajuntaram, não só Herodes, mas Pôncio Pilatos, com os gentios e os povos de Israel; para fazerem tudo o que a tua mão e o teu conselho (boule) tinham anteriormente determinado que se havia de fazer.
Herodes, Pilatos, os soldados e a multidão dos judeus levantaram suas mãos para se rebelarem contra o Altíssimo, apenas para descobrir que sua rebeldia foi um serviço (inconsciente) dos inescrutáveis desígnios de Deus.
A terrível morte de Cristo foi vontade e obra de Deus Pai. Isaías escreveu: "E nós o reputávamos por aflito, ferido por Deus... ao SENHOR agradou moê-lo, fazendo-o enfermar" (Isaías 53:4,10). A vontade de Deus estava muito engajada nos eventos que levaram seu Filho até a morte na cruz. Deus considerou que "convinha que se consagrasse pelas aflições o príncipe da salvação deles" (Hebreus 2:10). No entanto, como Jonathan Edwards aponta, o sofrimento de Cristo "não poderia vir a acontecer, a não ser pelo pecado. Porque desprezo e vergonha eram coisas que Ele deveria sofrer."
É quase desnecessário dizer que Deus quer obediência à sua lei moral, e que Ele quer isso de uma maneira que pode ser rejeitada por muitos. Isto é evidente a partir de vários textos: "Nem todo o que me diz: Senhor, Senhor! entrará no reino dos céus, mas aquele que faz a vontade (thelema) de meu Pai, que está nos céus." (Mateus 7:21). "Porque qualquer que fizer a vontade de meu Pai celeste, esse é meu irmão, irmã e mãe.'' (Mateus 12:50). "Aquele, porém, que faz a vontade de Deus permanece eternamente." (1 João 2:17). A ''vontade de Deus" nesses textos é a instrução revelada e moral, tanto do Antigo quanto do Novo Testamento, que proíbe o pecado.
Portanto, sabemos que não era a ''vontade de Deus" que Judas, Pilatos, Herodes, os soldados gentios e a multidão de judeus desobedecessem a lei moral de Deus, pecando em entregar Jesus para ser crucificado. Mas também sabemos que foi a vontade de Deus que isso viesse a acontecer. Dessa forma sabemos que Deus, em algum sentido, quer o que Ele não quer em outro sentido. A declaração de I. Howard Marshall é confirmada pela morte de Jesus: "Nós devemos certamente distinguir entre o que Deus gostaria de ver acontecer e o que ele realmente deseja que aconteça”.

A Guerra Contra o Cordeiro

Há duas razões para que nossa próxima parada seja Apocalipse 17:16-17. Uma delas é que a guerra contra o Filho de Deus, que atingiu seu clímax de pecaminosidade na cruz, tem sua consumação final de um modo que confirma o que temos visto sobre a vontade de Deus. A outra razão é que este texto revela o entendimento de João da participação ativa de Deus no cumprimento das profecias cujo cumprimento envolve pecado. João tem uma visão de alguns eventos finais da história:
'Os dez chifres que viste e a besta, esses odiarão a meretriz, e a farão devastada e despojada, e lhe comerão as carnes, e a consumirão no fogo. Porque em seu coração incutiu Deus que realizem o seu pensamento, o executem à uma e dêem à besta o reino que possuem, até que se cumpram as palavras de Deus.'(Apocalipse 17:16-17).
Sem entrar em todos os detalhes dessa passagem, a questão relevante é clara. A besta "sai do abismo" (Apocalipse 17:8). Ela é a personificação do mal e da rebelião contra Deus. E os dez chifres são dez reis (v. 12) e eles “empreenderam guerra contra o Cordeiro" (v. 14).
Empreender guerra contra o Cordeiro é pecado e pecado é contrário à vontade de Deus. No entanto, o anjo diz (literalmente), "Porque Deus tem posto em seus corações [dos dez reis], que cumpram o seu intento, e tenham uma mesma idéia, e que dêem à besta o seu reino, até que se cumpram as palavras de Deus.'' (v. 17). Por isso, Deus quis (em um sentido) influenciar o coração dos dez reis de forma que eles pudessem fazer o que é contra a sua vontade (em outro sentido).
Além disso, Deus fez isso no cumprimento das palavras proféticas. Os dez reis irão colaborar com a besta "até que se cumpram as palavras de Deus" (v. 17). Isto implica algo crucial sobre o entendimento de João do cumprimento das "profecias que levaram à queda do Anticristo." Isso implica que (pelo menos do ponto de vista de João) as profecias de Deus não são meras previsões que Deus sabe que acontecerão, mas sim as intenções divinas que ele garante que irá acontecer. Sabemos disso porque o versículo 17 diz queDeus está agindo para fazer com que os dez reis façam aliança com a besta "até que se cumpram as palavras de Deus". João não está exultante com a maravilhosa presciência de Deus em prever um acontecimento ruim. Ao contrário, ele está exultante com a maravilhosa soberania de Deus de fazer certo que esse evento ruim venha a acontecer. A profecia cumprida, na mente de João, não é apenas previsão, mas também a promessa executada.
Isto é importante porque João nos diz em seu Evangelho que haviam profecias do Antigo Testamento sobre os eventos que cercaram a morte de Cristo que envolvem pecado. Isto significa que Deus queria produzir eventos que envolvem coisas que ele proíbe. Estes eventos incluem a traição de Judas a Jesus (João 13:18; Salmo 41:9), o ódio que Jesus recebeu de seus inimigos (João 15:25; Salmo 69:4; 35:19), o lançar sorte pelas roupas de Jesus (João 19:24, Salmo 22:18), e a perfuração do lado de Jesus (João 19:36-37; Êxodo 12:46, Salmos 34:20, Zacarias 12:10). João expressa sua teologia da soberania de Deus com as palavras: "Estas coisas aconteceram para que a Escritura fosse cumprida.'' Em outras palavras, os eventos não foram uma coincidência que Deus meramente previu, mas um plano que Deus propôs realizar. Assim, novamente encontramos as palavras de I. Howard Marshall confirmadas: "Nós devemos certamente distinguir entre o que Deus gostaria de ver acontecer e o que Ele realmente deseja que aconteça"

A obra de Endurecimento de Deus

Outra evidência com o fim de demonstrar Deus desejando um estado de coisas em um sentido que Ele desaprova em outro é o testemunho da Escritura de que Deus quis endurecer o coração de alguns homens para que eles se tornassem obstinados em comportamento pecaminoso, o qual Deus desaprova.
O exemplo mais bem conhecido é o endurecimento do coração de Faraó. Em Êxodo 8:1 o Senhor diz a Moisés: “Depois, disse o SENHOR a Moisés: Chega-te a Faraó e dize-lhe: Assim diz o SENHOR: Deixa ir o meu povo, para que me sirva." Em outras palavras, a ordem de Deus, ou seja, a sua vontade, é que o Faraó deveria deixar ir os israelitas. No entanto, desde o início, Ele também não quis que o Faraó deixasse ir os israelitas. Em Êxodo 4:21 Deus diz a Moisés: "Quando voltares ao Egito, vê que faças diante de Faraó todos os milagres que te hei posto na mão; mas eu lhe endurecerei o coração, para que não deixe ir o povo." Em um momento o próprio Faraó reconhece que sua relutância em deixar ir o povo é pecado: "Agora, pois, peço-vos que me perdoeis o pecado esta vez ainda" (Êxodo 10:17). Assim, o que vemos é que Deus ordenou Faraó fazer uma coisa que o próprio Deus não iria permitir. A boa coisa que Deus ordena Ele evita. E a coisa que Ele faz com que aconteça envolve pecado.
Alguns tentaram se esquivar dessa implicação, salientando que durante as primeiras cinco pragas o texto não diz explicitamente que Deus endureceu o coração do Faraó, mas que ele "estava endurecido" (Êxodo 7:22; 8:19; 9:7) ou que o Faraó endureceu seu próprio coração (Êxodo 8:15,32), e que somente na sexta praga é dito explicitamente "o Senhor endureceu o coração de Faraó" (9:12; 10:20,27; 11:10; 14:4). R.T. Forster e V.P. Marston, por exemplo, dizem que somente a partir da sexta praga que Deus deu a Faraó "força sobrenatural para continuar com o seu caminho mau de rebeldia".
Mas esta observação não sucede em esquivar-se da evidência das duas vontades em Deus. Mesmo se Forster e Marston estiverem certos de que Deus não queria que o coração do Faraó fosse endurecido durante as primeiras cinco pragas, eles admitem que nas últimas cinco pragas Deus quis fazer isso, pelo menos no sentido de reforçar Faraó para continuar no caminho de rebelião. Assim, há um sentido em que Deus quis que o Faraó continuasse a recusar deixar ir o povo, e há um sentido em que Ele queria que o Faraó libertasse o povo. Pois ele ordena: "Deixa meu povo ir." Isto ilustra por que os teólogos falam sobre a "vontade de comando" ("Deixe ir o meu povo!") e a "vontade de decreto" ("o Senhor endureceu o coração de Faraó").
O Êxodo não é o único lugar em que Deus age dessa maneira. Quando o povo de Israel chegou à terra de Siom, rei de Hesbom, Moisés enviou mensageiros "com palavras de paz, dizendo: deixa-me passar pela tua terra; somente pela estrada irei" (Deuteronômio 2:26-27). Mesmo que este pedido tivesse levado Siom a tratar o povo de Deus com respeito, porque Deus queria que seu povo fosse abençoado e não atacado, todavia "Mas Siom, rei de Hesbom, não nos quis deixar passar por sua terra, porquanto o SENHOR, teu Deus, endurecera o seu espírito e fizera obstinado o seu coração, para to dar nas mãos, como hoje se vê." (Deuteronômio 2:30). Em outras palavras, era a vontade de Deus (em um sentido) que Siom agisse de uma maneira que era contrária à vontade de Deus (em outro sentido) que Israel fosse abençoado e não amaldiçoado.
Da mesma forma, a conquista das cidades de Canaã se deve a Deus querer que os reis da terra resistissem a Josué, ao invés de entrar em paz com ele. “Não houve cidade que fizesse paz com os filhos de Israel, senão os heveus, moradores de Gibeom; por guerra as tomaram todas. Porquanto do SENHOR vinha o endurecimento de seus corações, para saírem à guerra contra Israel, para que fossem totalmente destruídos e não achassem piedade alguma; mas para os destruir a todos como o SENHOR tinha ordenado a Moisés” (Josué 11:19-20). Em vista disto, é difícil imaginar o que Fritz Guy quer dizer quando diz que a "vontade de Deus" deve sempre ser pensada em termos de desejo e intenção amorosa, e não em termos de efetivo propósito de julgamento de Deus.” O que parece mais simples é que, quando chegou a hora do julgamento, Deus quis que o culpado fizesse coisas que são contra a Sua vontade revelada, como amaldiçoar Israel, ao invés de abençoá-la.
A obra de endurecimento por Deus não foi limitada aos não-israelitas. Na verdade ela desempenha um papel central na vida de Israel neste período da história. Em Romanos 11:7-9 Paulo fala do fracasso de Israel em obter justiça e salvação desejada: "O que Israel busca, isso não conseguiu; mas a eleição o alcançou; e os mais foram endurecidos, como está escrito: "Deus lhes deu espírito de entorpecimento, olhos para não ver e ouvidos para não ouvir, até ao dia de hoje". Mesmo que seja o mandamento de Deus que seu povo veja, ouça e responda em fé (Isaías 42:18), no entanto, Deus também tem suas razões para enviar o espírito de entorpecimento, por vezes, de modo que alguns não obedeçam seus mandamentos.
Jesus expressou essa mesma verdade, quando Ele explicou que um dos propósitos de falar em parábolas aos judeus de sua época era trazer sobre estes cegueira judicial ou entorpecimento. Em Marcos 4:11-12, Ele disse aos seus discípulos: "A vós outros vos é dado conhecer o mistério do reino de Deus; mas, aos de fora, tudo se ensina por meio de parábolas, para que, vendo, vejam e não percebam; e, ouvindo, ouçam e não entendam;para que não venham a converter-se, e haja perdão para eles." Aqui, novamente Deus quer que uma condição prevaleça, sendo que Ele a considera censurável. Sua vontade é que eles se arrependam e sejam perdoados (Marcos 1:15), mas Ele age de forma a restringir a realização dessa vontade.
Paulo retrata esse endurecimento divino, como parte de um plano global que envolverá a salvação do judeus e dos gentios. Em Romanos 11:25-26, ele diz a seus leitores gentílicos, "Porque não quero, irmãos, que ignoreis este mistério (para que não sejais presumidos em vós mesmos): que veio endurecimento em parte a Israel, até que haja entrado a plenitude dos gentios. E, assim, todo o Israel será salvo". O fato de que o endurecimento tem um alvo final "até que haja entrado a plenitude dos gentios" demonstra que é parte do plano de Deus ao invés de um evento meramente contingente fora do Seu propósito. No entanto Paulo expressa não só o seu, mas também o coração de Deus quando diz em Romanos 10:1, "Irmãos, a boa vontade do meu coração e a minha súplica a Deus a favor deles [Israel] são para que sejam salvos". Deus estende as mãos a um povo rebelde (Romanos 10:21), mas ordena um endurecimento que os entrega por um tempo a desobediência.
Este é o ponto de Romanos 11:31-32. Paulo fala aos seus leitores gentílicos novamente sobre a desobediência de Israel na rejeição de seu Messias: "Assim também estes [Israel] agora foram desobedientes, para também alcançarem misericórdia pela misericórdia a vós [gentios] demonstrada". Quando Paulo diz que Israel foi desobediente "a fim de que" os gentios pudessem obter os benefícios do evangelho, qual era o propósito que ele tinha em mente? Isso só pode ser Deus. Porque Israel não concebeu sua própria desobediência como uma forma de abençoar os gentios, ou ganhar a misericórdia para si, ou algo em torno disso. O ponto de Romanos 11:31, portanto, é que o endurecimento de Israel por Deus não é um fim em si, mas faz parte de um propósito de salvação que abrangerá todas as nações. Mas, no curto prazo, temos de dizer que Ele quer uma condição (dureza de coração), a qual Ele ordena as pessoas a lutarem contra ("Não endureçais o vosso coração" Hebreus 3:8, 15; 4:7).
John Piper
Enviado por Silvio Dutra Alves em 24/06/2013
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