Legado Puritano
Quando a Piedade Tinha o Poder
Textos
 
A Perpetuidade da Lei de Deus
 
Por Charles Haddon Spurgeon
 
“Porque em verdade vos digo: até que o céu e a terra passem, nem um i
ou um til jamais passará da Lei, até que tudo se cumpra.” (Mateus 5:18)
 
É dito que aquele que compreende os dois Pactos é um teólogo, e
isto é, sem dúvida, verdadeiro. Posso também afirmar que o homem
conhecedor das posições relativas da Lei e do Evangelho possui as
chaves da situação no que diz respeito à doutrina. O relacionamento da
Lei comigo e como ela me condena; o relacionamento do Evangelho
comigo e como ele, se sou um crente, me justifica – são dois pontos que
todo cristão deveria entender com clareza. Neste aspecto, ele não deve
enxergar “homens andando como árvores”, senão poderá causar a si
mesmo grande angústia e cair em erros dolorosos ao seu coração e
prejudiciais à sua vida. Fazer confusão entre a Lei e o Evangelho é
ensinar algo que não é Lei nem Evangelho, mas o oposto de ambos. Que
o Espírito de Deus seja o nosso mestre e Sua Palavra nosso livro de
lições, e assim não nos enganaremos.
Grandes erros têm sido cometidos com respeito à Lei. Não muito
tempo atrás houve aqueles perto de nós afirmando que a lei está
totalmente anulada e abolida. Ensinaram abertamente que os crentes
não tinham o compromisso de tomar a Lei moral como regra de suas
vidas. O que teria sido pecado em outros homens não foi considerado
pecado neles. Que Deus nos livre de tal Antinomianismo! Não estamos
sob a Lei como o meio de salvação, mas nos deleitamos em vê-la na mão
de Cristo e desejamos obedecer ao Senhor em todas as coisas.
Outros se depararam com ensinos sobre a atenuação e a
flexibilização da Lei por Jesus. Alguns, de fato, afirmaram que a Lei
perfeita de Deus era muito árdua para seres humanos imperfeitos e,
para tal, Ele nos deu uma regra mais branda e mais fácil. Estes trilham
perigosamente os limites de um erro terrível, embora acreditamos que
possuem muito pouca consciência deste fato.
Infelizmente, temos encontrado autores os quais foram muito
além deste fato e têm murmurado severamente contra a Lei. Ó, as
duras palavras que às vezes leio contra a sagrada Lei de Deus! Quão
distintas daquelas ditas pelo Apóstolo: “Por conseguinte, a lei é santa; e
o mandamento, santo, e justo, e bom.” Quão diferentes do espírito de
reverência que o impeliu dizer: “Porque, no tocante ao homem interior,
tenho prazer na lei de Deus.” Você sabe como Davi amava a Lei de Deus
e como cantava seus louvores ao longo dos Salmos. O coração de todo
cristão verdadeiro tem completa reverência pela Lei do Senhor. Ela é
perfeita, não, é a própria perfeição! Cremos que nunca teremos
alcançado a perfeição até que estejamos conformados a ela de modo
completo. Uma santificação aquém da total conformidade à Lei não
pode, na verdade, ser considerada perfeita santificação, porque
qualquer falta de total conformidade à Lei perfeita é pecado.
Que o Espírito de Deus nos auxilie enquanto, imitando nosso
Senhor Jesus, nos esforçamos para engrandecer a Lei. Com base em
nosso texto, concluo dois fatos sobre os quais discursarei agora. O
primeiro é que a Lei de Deus é eterna—“Até que o céu e a terra passem,
nem um i ou um til jamais passará da Lei, até que tudo se cumpra.”
Significa que, mesmo nos mínimos detalhes, ela deve permanecer até
que tudo se cumpra. Em segundo lugar, percebemos que a Lei de Deus
deve ser consumada — Nem “um i ou um til jamais passará da Lei, até
que tudo se cumpra.” Aquele que veio introduzir a dispensação do
Evangelho afirma não ter vindo para revogar a Lei, mas sim para
cumpri-la.
 
I. Primeiro, A LEI DE DEUS DEVE SER ETERNA. Não existe nem
anulação nem emenda. Não deve ser abrandada ou ajustada a nossa
condição decaída, mas cada um dos justos juízos do Senhor permanece
para sempre. Ressaltarei três razões que irão alicerçar este ensino. Em
primeiro lugar, nosso Senhor Jesus declara que não veio para abolir a
Lei. Suas palavras são totalmente pontuais —“Não penseis que vim
revogar a Lei ou os profetas: não vim para revogar, vim para cumprir.” E
Paulo nos afirma com respeito ao Evangelho: “Anulamos, pois, a lei pela
fé? De maneira nenhuma: Antes, confirmamos a lei.” (Romanos 3:31) O
Evangelho é o meio para o firme estabelecimento e vindicação da Lei de
Deus. Jesus não veio para mudar a Lei, mas para explicá-la, e este
mero fato mostra que ela permanece, porque não é necessário explicar
algo que está anulado.
A respeito de uma particularidade sobre a qual havia um pouco
de cerimonialismo envolvido – em outras palavras, guardar o Sábado –
nosso Senhor a ampliou e mostrou que o pensamento judeu não era
verdadeiro. Os fariseus proibiam até mesmo as obras de necessidade e
misericórdia, como debulhar espigas de milho para matar a fome e
curar os enfermos. Nosso Senhor Jesus mostrou que proibir estas
atitudes não estava, de modo algum, em conformidade com a mente de
Deus. Ao distorcer a Palavra e levar uma observância externa ao
extremo, perderam o sentido da Lei Sabática, a qual sugeria obras de
misericórdia como verdadeiramente o santificar do dia. Mostrou que o
descanso sabático não era mera inatividade: “Meu Pai trabalha até
agora, e eu trabalho também.” Apontou para os sacerdotes que
laboravam com esforço oferecendo sacrifícios e deles afirmou: “os
sacerdotes no templo violam o Sábado e ficam sem culpa.” Estavam
prestando serviço Divino e estavam dentro da Lei.
Ao fazer frente a uma falha comum, tratou de realizar no Sábado
alguns de Seus mais notáveis milagres ; e embora este fato tenha
instigado enorme ira contra Ele, como se fosse um descumpridor da Lei,
todavia Jesus o fez para que pudessem enxergar que o Sábado foi feito
para o homem e não o homem para o Sábado; que era um dia dedicado
a honrar a Deus e a abençoar os homens! Oh, se estes soubessem como
guardar o Sábado espiritual, aliviando todo o trabalho servil e todo o
trabalho realizado para si próprio! O descanso da fé é o verdadeiro
Sábado e o serviço de Deus é a mais apropriada santificação do dia. Oh,
se este dia fosse totalmente dedicado a servir a Deus e a fazer o bem! A
essência do ensino do nosso Senhor era que os trabalhos de
necessidade, de misericórdia e de piedade são permitidos no Sábado.
Explicou a Lei naquela e em outras circunstâncias, ainda que a
explicação não alterou o comando, apenas removeu o ranço da tradição
que se formou sobre ela. Deste modo, por explicar a lei, Ele a
confirmou! Não tinha a intenção de aboli-la, do contrário não precisaria
tê-la esclarecido.
Além de explicá-la, o Mestre foi mais longe - evidenciou seu
caráter espiritual, o qual os Judeus não haviam observado. Pensavam,
por exemplo, que a ordem “Não matarás” simplesmente proibia o
assassinato e o homicídio culposo. No entanto, o Salvador mostrou que
a ira inexplicada viola a Lei de Deus e que as ofensas, maldições, e
todas as outras demonstrações de inimizade e maldade estão proibidas
pelo Mandamento. Sabiam que não deveriam cometer adultério, mas
não entendiam que um desejo lascivo seria uma ofensa à regra; até o
momento em que o Salvador afirmou: “Qualquer que atentar numa
mulher para a cobiçar já em seu coração cometeu adultério com ela.”
Demonstrou que o pensamento malicioso é pecado; que a imaginação
imoral polui o coração; que um desejo desumano é culpado aos olhos do
Altíssimo! Por certo este fato não significava a anulação da Lei de Deus,
mas uma maravilhosa demonstração da sua poderosa soberania e do
seu caráter perscrutador! Os Fariseus imaginavam que se guardassem
suas mãos, pés e línguas, tudo estaria resolvido. Mas Jesus mostrou
que pensamento, imaginação, desejo, memória – tudo – deve ser
sujeitado à vontade de Deus ou então a Lei não era cumprida.
Quão penetrante e humilhante é esta doutrina! Se a Lei do
Senhor alcança o interior, quem dentre nós pode, naturalmente,
suportar seu julgamento? Quem consegue compreender suas falhas?
Purifica-me dos pecados ocultos! Os Dez Mandamentos estão cheios de
significado, o qual muitos parecem ignorar. Por exemplo, para muitos
que não atentarão para as regras de cuidados com a saúde e higiene,
não lhes ocorre que estão menosprezando os mandamentos - "Não
matarás." No entanto, esta regra nos proíbe fazer qualquer coisa que
cause dano à saúde do nosso próximo, deste modo privando-o da vida.
O grande número de artigos letais fabricados, de lojas mal ventiladas e
de negócios com horas de trabalho excessivas são uma brecha
permanente deste Mandamento! Eu poderia clamar por menos bebidas
alcoólicas, as quais levam tão rapidamente às doenças e à morte e
enchem nossos cemitérios com túmulos extemporâneos? Da mesma
forma, fazendo referência a outro mandamento; algumas pessoas
repetirão músicas e histórias as quais arremetem à impureza, gostaria
que isto não fosse tão comum quanto é. Não sabem que uma palavra
impura, um sentido dúbio, uma insinuação dissimulada que denota
luxúria está sob o Mandamento: “não cometerás adultério?” Vemos aqui
uma completa comunhão com o ensino do nosso Senhor Jesus! Oh, não
fale comigo sobre o Senhor ter trazido uma Lei mais branda porque o
homem não conseguiu guardar os Dez mandamentos – Ele não fez nada
parecido! “Em sua mão tem a pá, e limpará a sua eira.” “Mas quem
suportará o dia da sua vinda? Porque ele será como o fogo do ourives e
como o sabão dos lavadeiros.”
Não ousemos imaginar que Deus nos deu uma Lei perfeita a qual
nós, pobres criaturas, não podemos guardar e que, assim, adaptou Sua
legislatura e enviou Seu Filho para nos colocar sob uma disciplina
menos exigente! Nada do tipo! Ao contrário, o Senhor Jesus mostrou o
quão profundamente a Lei De Deus nos cerca e penetra no nosso
interior para nos convencer do pecado, mesmo que pareçamos puros no
exterior. Ah, esta Lei é elevada! Não consigo alcançá-la! Cerca-me por
todos os lados; acompanha-me até minha cama; segue os meus passos
e sinaliza meus caminhos onde eu estiver! Em nenhum momento ela
cessa de governar e de exigir obediência. Oh Deus, por todos os lados
estou condenado, por todos os lados Sua Lei revela meus graves desvios
do caminho da justiça e me mostra quão profundamente estou
destituído da Sua Glória. Tem misericórdia do Seu servo, pois corro
para o Evangelho que fez por mim o que a Lei nunca poderia ter feito -
“Para ver a Lei cumprida em Cristo,
E escutar Sua voz de perdão,
Transformando um escravo num filho,
E uma obrigação numa opção.”
Nosso Senhor Jesus, além de explicar a Lei e evidenciar seu
caráter espiritual, também revelou sua essência vivificante, pois quando
perguntado: “Qual é o Grande Mandamento na Lei?” Jesus respondeulhe: “Amarás o 
 
Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua
alma e de todo o teu entendimento. Este é o grande e primeiro
mandamento. O segundo, semelhante a este, é: Amarás o teu próximo
como a ti mesmo. Destes dois Mandamentos dependem toda a Lei e os
Profetas.” Em outras palavras, Ele nos disse: “Porque toda a lei se
cumpre em um só preceito, a saber: Amarás o teu próximo como a ti
mesmo.” Esta é a parte essencial! Alguém pode me afirmar: “Então veja
você, ao invés dos Dez Mandamentos, recebemos os dois mandamentos
e estes são bem mais fáceis!”.
Respondo que esta interpretação da Lei de Deus não é nem de
longe a mais fácil! Uma observação assim implica em falta de visão e de
experiência. Estes dois mandamentos englobam os 10 de maneira
completa e não apagam dos últimos nem um i ou til. Quaisquer
dificuldades em torno dos Dez Mandamentos são também encontradas
nos dois grandes, pois são sua soma e essência. Se você ama a Deus de
todo o seu coração, você deve guardar a primeira tábua – e se você ama
seu próximo como a si mesmo, deve guardar a segunda tábua. Se
alguém supõe que a Lei do Amor é uma adaptação da Lei moral à
condição caída do homem, incorre em grave erro. Posso afirmar apenas
que a suposta adaptação não é mais adaptada a nós do que a Lei
original. Se pudesse existir entre eles qualquer diferença em relação ao
grau de dificuldade, seria mais simples guardar os 10 do que os dois,
porque se não nos aprofundarmos mais do que a letra, os dois são os
mais exigentes, visto que lidam com o coração, a alma e a mente.
Os Dez Mandamentos significam tudo que os Dois Grandes
Mandamentos exprimem. Porém se ignorarmos este fato e só prestarmos
atenção nas palavras usadas, então é mais difícil para o homem amar a
Deus com todo o seu coração, com toda a sua alma, com toda a sua
mente e com toda a sua força e seu próximo como a si mesmo do que
simplesmente não matar, roubar e dar falso testemunho. Cristo,
portanto, não anulou nem facilitou a Lei para satisfazer nossa
impotência. Deixou nela toda a esplêndida perfeição, como sempre deve
ser; e realçou o quão profundos são seus fundamentos, quão elevados
são seus cumes, quão incomensuráveis são seus comprimentos e
larguras! De maneira semelhante às Leis dos Medas e dos Persas, os
mandamentos de Deus não podem ser alterados! Somos salvos por
outro meio.
Em vista de mostrar que nunca quis revogar a Lei, nosso Senhor
Jesus personificou todos estes Mandamentos na Sua própria vida.
Existia, em Sua própria pessoa, uma natureza que se conformava às
Leis de modo perfeito e se igualava a Sua vida. Ele pode perguntar:
“Quem dentre vós me convence de pecado?” E novamente: “Eu tenho
guardado os mandamentos de meu Pai e no Seu amor permaneço.” Não
diria que foi meticulosamente cuidadoso em guardar a lei de Deus; não
colocarei desta maneira, pois Nele não havia tendência para agir de
forma contrária, Ele era tão perfeito e puro, tão infinitamente bom e tão
completo em Seu entendimento e comunhão com o Pai, que, em todas
as coisas, realizou a vontade de Deus.
O Todo-Poderoso afirmou sobre Jesus: “Este é o meu Filho amado,
em quem me comprazo; a Ele ouvi.” Indique, se possível, uma linha da
Lei que Cristo violou ou não cumpriu! Nunca houve em Sua alma um
pensamento impuro ou um desejo revoltoso. Não houve nada para se
arrepender ou se retratar, não existia a possibilidade d’Ele errar. Foi
três vezes tentado no deserto e o inimigo até foi insolente ao propor-Lhe
idolatria, mas Ele o derrotou num piscar de olhos. O governante deste
mundo veio a Ele, mas não encontrou nada.
“Meu amado Senhor e Redentor,
Aprendo meus deveres na Sua Palavra.
Mas a Lei surge em Sua vida
Explicitada em letras vivificantes.”
Agora, se a Lei fosse muito elevada ou muito dura, Cristo não a
teria manifestado em Sua vida. Mas, como nosso Modelo, teria
estabelecido aquela forma mais branda da Lei na qual acreditam alguns
teólogos. Ele veio para introduzi-la. Visto que nosso Líder e Modelo nos
mostrou em sua vida uma obediência perfeita aos Mandamentos
Sagrados em toda sua plenitude, entendo que pretende que isto molde
nossa conversa.
Nosso Senhor não removeu nenhuma característica daquela
imponente montanha de perfeição. Primeiro Ele disse: “Eis aqui estou no
rolo do Livro está escrito a meu respeito. Agrada-me fazer a tua vontade,
ó Deus meu; dentro do meu coração, está a tua lei.” E justificou
corretamente as palavras no rolo do Livro. “Deus enviou seu Filho,
nascido de mulher, nascido sob a lei” e, vivendo sob a Lei por amor a
nós, a obedeceu completamente “porque o fim da lei é Cristo, para
justiça de todo aquele que crê.”
Insisto – o fato de que o Senhor não veio para modificar a Lei está
claro porque, após tê-la incorporado em Sua vida, voluntariamente
renunciou a Si mesmo para sofrer a penalidade e suportar o castigo por
nós, embora nunca a tenha transgredido, como está escrito: “Cristo nos
resgatou da maldição da lei, fazendo-se ele próprio maldição em nosso
lugar.” “Todos nós andávamos desgarrados como ovelhas, cada um se
desviava pelo caminho, mas o SENHOR fez cair sobre ele a iniquidade de
nós todos.” Teria o Senhor Jesus rendido à Lei a penalidade que
resultou de suas rigorosíssimas exigências se esta tivesse exigido de nós
mais do que poderia? Estou certo que não! Mas porque a Lei pediu ao
transgressor só o que poderia, ou seja, a perfeita obediência, e exigiu
dele apenas o que deveria, ou seja, a morte sob a ira Divina como
pagamento pelo pecado, então o Salvador foi crucificado e ali suportou
nossos pecados, purificando-os de uma vez por todas.
Ele foi esmagado pelo peso da nossa culpa e clamou: “A minha
alma está profundamente triste até à morte”; e finalmente, após haver
suportado -
“Tudo o que o Deus encarnado pode suportar,
Com força suficiente, sem nada poupar.”
Curvou Sua cabeça e disse: “Está consumado.” Nosso Senhor Jesus Cristo, 
ao morrer, proveu à Lei de Deus maior justificativa, pois esta havia sido 
transgredida, do que todos os perdidos no inferno poderiam prover através 
das suas dores, pois seus sofrimento nunca serão completos, suas dívidas 
nunca serão paga! Mas Ele pagou toda a dívida do Seu povo e a Lei não foi 
defraudada em coisa alguma. Através da Sua morte Ele vindicou a honra 
do governo moral de Deus e justificou a misericórdia do Pai!
Quando o próprio legislador submete-se à Lei; quando o próprio
Soberano suporta a penalidade mais severa daquela Lei, então a justiça
de Deus é colocada num trono tão gloriosamente elevado que toda a
humanidade dever ficar maravilhada! Se, por consequência, está
provado de maneira clara que Jesus foi obediente à Lei, mesmo em face
da morte, certamente Ele não veio nem para aboli-la nem para revogá-
la! E se Ele não a anulou, quem pode fazê-lo? Afirma-se que veio para
estabelecê-la, quem então irá causar sua queda?
Porém, em segundo lugar, a lei de Deus deve ser eterna a partir de
sua própria natureza, pois não lhe ocorre, ao pensar sobre ela, que o
certo deve sempre ser certo, a verdade deve sempre ser verdadeira e a
pureza deve sempre ser pura? Antes dos Dez Mandamentos serem
anunciados no Sinai, ainda havia a mesma Lei do certo e do errado
dada aos homens para andarem como criaturas de Deus. Antes de um
só mandamento ter sido associado às palavras, o certo sempre foi certo!
Quando Adão estava no jardim, era sempre certo amar seu Criador e
seria sempre errado ter objetivos contrários aos do seu Deus. E não
importa o que acontece neste mundo, ou quais mudanças ocorrem no
universo, nunca estará certo mentir, adulterar, assassinar, roubar ou
praticar idolatria. Não direi que os princípios do certo e do errado são
tão auto-existentes quanto Deus, porém eu afirmo que não posso
entender a ideia do próprio Deus existindo à parte da Sua constante
santidade e verdade; então esta mesma ideia do certo e errado me
parece ser obrigatoriamente fixa e sem possibilidade de mudança.
Você não pode rebaixar o certo! Ele deve estar onde sempre esteve
– o certo é certo eternamente – e não pode ser errado. Você não pode
promover o errado e torná-lo um pouco certo – deve permanecer errado
enquanto o mundo existir. Céus e terra podem passar, mas nem uma
letra ou til da Lei moral pode, de forma alguma, mudar. No espírito, a
Lei é eterna. Suponha, por um momento, que fosse possível suavizar e
afrouxar a Lei de Deus, onde isto aconteceria? Confesso que não sei e
não consigo imaginar! Se ela é perfeitamente santa, como pode ser
alterada a menos que se torne imperfeita? Você rogaria por esta
situação? Poderia adorar o Deus da Lei imperfeita? Pode algum dia ser
verdade que Deus, para nos favorecer, nos colocou sob uma Lei
imperfeita? Seria isto uma benção ou uma maldição?
Alguns dizem que o homem não é capaz de guardar a Lei perfeita
e que Deus não exige isto dele. Por imprudência, assim espero, certos
teólogos modernos lançam mão deste ensino. Deus nos deu uma Lei
imperfeita? É a primeira ação imperfeita que já escutei a respeito de
Sua feitura! Não nos leva à conclusão que, afinal de contas, o
Evangelho é uma proclamação que Deus se satisfará com a obediência
a uma lei mutilada? Deus proíba! Digo que é melhor perecermos ao
invés de Sua perfeita Lei! Por mais terrível que seja, este fato jaz na
edificação da paz universal e deve ser honrado a todo preço. Se ela
falhar, tudo mais falhará! Quando o poder do Espírito Santo me
convenceu do pecado, senti um temor tão solene pela lei de Deus que,
lembro-me bem, apesar de ter sido humilhado como um pecador
condenado, ainda assim a admirei e glorifiquei. Não poderia ter
desejado que a perfeita Lei fosse alterada por minha causa. Senti que se
minha alma fosse mandada para o mais baixo dos infernos, ainda assim
Deus deveria ser enaltecido por Sua justiça e Sua Lei honrada por sua
perfeição. Não a teria modificado nem para salvar a minha alma!
Irmãos, a Lei do Senhor deve permanecer, pois é perfeita e, por
isso, não possui nenhum fator de declínio ou mudança. Ela não
significa nada além do que Deus pode exigir de nós de modo justo. Se
Ele estivesse na iminência de dar-nos uma lei mais tolerante, seria
admitir que, de Sua parte, a princípio exigiu de nós mais do que
deveria. Podemos supor algo assim? Houve, afinal de contas, alguma
justificativa para a declaração do servo perverso e indolente quando
afirmou: “Pois tive medo de ti, que és homem rigoroso?” Não pode ser
assim! Porque se Deus alterar Sua Lei, estará consentido que cometeu
um erro! Estará admitindo que colocou o pobre homem imperfeito –
esse dito anda bem comum – sob um regime muito rigoroso e, por isso,
agora está preparado para reduzir Suas reivindicações e torná-las mais
cabíveis.
Tem sido falado que a inabilidade moral do homem em guardar a
Lei perfeita o isenta do dever de guardá-la. Isto é muito especioso, mas
totalmente falso! A falta de habilidade do homem não é do tipo que tira
a responsabilidade – é moral, não física! Nunca creia que esta será uma
desculpa para o pecado! O que? Se um homem se transforma em um
mentiroso a ponto de não conseguir dizer a verdade, então ele está, por
isso, dispensado da obrigação de ser honesto? Se seu servo lhe deve um
dia de trabalho, fica livre da dívida porque se embebedou tanto a ponto
de não poder servi-lo? Um homem fica livre de uma dívida pelo fato de
haver desperdiçado o dinheiro e, portanto, não pode honrá-la? Um
homem lascivo está livre para entregar-se as suas paixões porque não
consegue entender a beleza da castidade? Eis uma doutrina perigosa! A
Lei é justa e o homem tem um compromisso com ela, embora seu
pecado o tenha tornado incapaz de agir de acordo.
Além disso, a Lei não exige nada além do que é bom para nós. Não
existe nenhum Mandamento da Lei de Deus que não signifique um sinal
de perigo, como aquele colocado sobre o gelo fino. Cada um, por assim
dizer, afirma com segurança: “Perigo!” Fazer o que Deus proíbe nunca
resulta em bem para o homem! Deixar uma ordem de Deus incompleta
nunca resulta na sua felicidade última e verdadeira. As orientações
mais sábias para a saúde espiritual e para se evitar o mal são aquelas
providas pela Lei de Deus sobre o certo e o errado! Então, ela não pode
sofrer nenhuma modificação, pois nos prejudicaria.
Gostaria de fazer esta pergunta a qualquer irmão que afirme que
o Senhor nos colocou sob um mandamento alterado: que parte
específica da Lei Deus afrouxou? Qual preceito você se sente livre para
quebrar? Está liberado o mandamento que proíbe roubar? Meu caro, o
senhor pode ser um magnífico teólogo, mas esconderia minhas colheres
assim que me fizesse uma visita! Você acredita que foi removido o
Mandamento sobre o adultério? Então não recomendaria sua admissão
em nenhuma sociedade decente! A Lei sobre o assassinato foi
abrandada? Então é melhor que eu esteja em seu lugar do que em sua
companhia. De qual lei mesmo Deus o isentou? Da lei de adorar
somente a Ele? Você propõe termos outro Deus? Você tem a intenção de
fazer imagens de escultura? A verdade é que, quando vislumbramos os
detalhes, não podemos permitir que nenhum elo desta maravilhosa
cadeia de ouro se perca, a qual é perfeita tanto nas pequenas partes
como no todo! A Lei é absolutamente completa e não podemos nem
adicionar nem tirar nada dela. “Pois qualquer que guarda toda a lei, mas
tropeça em um só ponto, se torna culpado de todos. Porquanto, aquele
que disse: Não adulterarás também ordenou: Não matarás. Ora, se não
adulteras, porém matas, vens a ser transgressor da lei.” Se, deste modo,
nenhuma parte pode ser removida, deve permanecer para todo o
sempre!
Uma terceira razão que darei sobre por que a Lei deve ser
perpétua é que imaginá-la modificada é muitíssimo perigoso. Remover
dela sua perpetuidade é, em primeiro lugar, remover seu poder de
convencer do pecado. É verdade que não se espera que uma criatura
imperfeita como eu guarde a perfeita Lei? Surge então que não peco
quando transgrido a Lei! E se a aspiração a meu respeito é que eu aja
de acordo com o melhor do meu entendimento e capacidade, tenho
então uma regra um tanto conveniente – e a maioria dos homens
cuidará de adaptá-la para desfrutar da maior liberdade possível! Ao
remover a Lei você aboliu o pecado, pois este é a transgressão da Lei! E
onde não há Lei, não há transgressão!
Na medida em que você excluiu o pecado, pode igualmente ter
excluído o Salvador e a salvação – pois são absolutamente necessários!
Na medida em que se minimizou o pecado, qual a necessidade daquela
grande e gloriosa salvação que Jesus veio trazer ao mundo? Irmãos e
irmãs, nada disto deve ter relação conosco! É um claro caminho de
enganos. Ao rebaixar a Lei, você enfraquece seu poder nas mãos de
Deus como uma Convencedora do pecado. “Pela Lei vem o pleno
conhecimento do pecado.” É o espelho que reflete nossas manchas - fato
este proveitosíssimo – embora nada, a não ser o Evangelho, pode
removê-las.
“Minhas esperanças dos Céus eram firmes e radiantes,
Mas desde que veio o mandamento
Com poder convincente e luz,
Descobri o quão desprezível sou.
Minha culpa parecia pequena então,
Até que terrivelmente enxerguei
O quão perfeita, santa, justa e pura era sua eterna Lei.
Então minha alma sentiu o peso,
Meus pecados reviveram,
Provocara um Deus terrível,
E todas as minhas esperanças desvaneceram.”
O Espírito Santo pode lançar mão somente de uma Lei pura e
perfeita para nos mostrar nossa depravação e iniquidade. Diminua a lei
e você ofuscará o caminho do homem para reconhecer sua culpa! Ao
contrário do que possa parecer, esta é uma perda grave para o pecador,
porque diminui a probabilidade do seu convencimento e conversão.
Você também reduz o poder da Lei de nos guardar para a fé de
Cristo. Para que serve a Lei de Deus? Para ser guardada e por
consequência sermos salvos por ela? De jeito nenhum! Ela foi dada para
nos mostrar que não podemos ser salvos pelas obras e nos guardar
para sermos salvos pela Graça! Mas se você entender que a Lei é
alterada para que o homem possa guardá-la, o terá deixado com sua
velha esperança legalista, à qual ele provavelmente se apegará! Você
precisa de uma Lei perfeita que prenda o homem à desesperança de
viver à parte de Jesus, o coloque em uma gaiola de ferro, aí o tranque, e
que não lhe ofereça nenhum escape diferente da fé Nele! Então
começará a clamar: “Senhor, salve-me por sua Graça, pois entendo que
não consigo ser salvo pelas minhas próprias obras”.
É como Paulo expõe aos Gálatas – “mas a Escritura encerrou tudo
sob o pecado, para que, mediante a fé em Jesus Cristo, fosse a promessa
concedida aos que creem. Mas, antes que viesse a fé, estávamos sob a
tutela da lei e nela encerrados, para essa fé que, de futuro, haveria de
revelar-se. De maneira que a Lei nos serviu de aio para nos conduzir a
Cristo, a fim de que fôssemos justificados por fé”. Afirmo que você privou
o Evangelho do seu ajudante mais hábil quando desprezou a Lei! Tirou
dela o aio que leva os homens a Cristo. Não, ela deve permanecer junto
com todos os seus terrores para levar os homens para longe da justiça
própria e os compelir a voar para Jesus! Os homens nunca aceitarão a
Graça até que tremam ante uma Lei santa e justa! Portanto, a lei atende
a um propósito útil e abençoado e não deve ser removida.
Alterá-la significa deixar-nos sem nenhuma Lei. Uma escala regressiva
de obrigações é uma invenção imoral, fatal aos princípios dessa lei. Se
cada homem deve ser aceito porque faz o seu melhor, todos nós
estamos fazendo nosso melhor. Existe alguém que não está? Se crermos
nestas palavras, todos os nossos semelhantes estão fazendo o melhor
que podem, haja vista suas naturezas imperfeitas. Até mesmo a
meretriz das ruas possui alguma virtude - ela não foi tão longe como
outros. Já ouviu falar do bandido que cometeu muitos assassinatos,
mas que sentiu que estava fazendo seu melhor porque nunca havia
matado ninguém numa sexta? A justiça própria constrói seu próprio
ninho, mesmo do pior caráter! Esta é a fala do ser humano: “Se você me
conhecesse realmente, diria que tenho sido uma boa pessoa por causa
das minhas boas ações. Leve em conta a pobre criatura caída que sou!
Considere que fortes paixões foram geradas em mim! Considere as
tentações que me acossam com afinco e não me culpará muito! Afinal
de contas, ouso afirmar que Deus está tão satisfeito comigo quanto está
com muitos que são bem melhores, porque tive tão poucos benefícios”.
Sim, você alterou a norma e agora todo homem agirá de acordo
com sua própria consciência e reivindicará estar fazendo seu melhor! Se
você mudar o padrão de peso da libra ou da medida do alqueire,
certamente nunca obterá um peso ou medida completos de novo! Não
existirá nenhum padrão para nossa orientação e cada homem fará seu
melhor com suas próprias libras e alqueires. Se a norma é adulterada,
você removeu o fundamento sobre o qual negócios são realizados, e o
mesmo acontece com os assuntos da alma; cancele a melhor regra que
pode existir, até mesmo a própria Lei de Deus, e não restará nenhuma
regra digna desse nome! Quão sutil abertura para a altivez! Não é de se
estranhar que homens falem da perfeita santificação como se a lei
tivesse sido rebaixada! Não existe nada extraordinário em alcançarmos
a regra se esta é convenientemente diminuída para nós! Creio que devo
ser santificado de modo perfeito quando guardo a Lei de Deus sem
omissão ou transgressão, mas até então não!
Se qualquer homem afirma ser perfeitamente santificado porque
se aproximou de uma lei própria alterada, fico feliz em saber o que quer
dizer, pois não tenho mais nenhum debate com ele! Não vejo nada de
maravilhoso nesta conquista. O pecado é minha necessidade de me
submeter à Lei de Deus; e até que estejamos em completa conformidade
com ela em toda a sua extensão e amplitude espirituais é fútil falarmos
sobre santificação perfeita! Nenhum homem fica totalmente limpo até
que aceite a pureza absoluta como o padrão pelo qual há de ser julgado.
Enquanto existir em nós alguma insuficiência em relação à perfeita Lei,
não somos perfeitos! Quão humilhante é esta Verdade de Deus! A Lei
não deve extinguir-se, mas deve ser cumprida! Esta verdade deve ser
mantida, pois do contrário, relaxaremos em nossa luta; não podemos
reforçar o mastro satisfatoriamente; o navio quebra-se em pedaços;
restarão só as ruínas! O próprio Evangelho seria destruído se você
pudesse destruir a Lei de Deus! Alterar a Lei é brincar com o Evangelho.
“Porque em verdade vos digo: até que o céu e a terra passem, nem um i
ou um til jamais passará da Lei, até que tudo se cumpra.”
 
II. Venho mostrar, em segundo lugar, QUE A LEI DEVE SER
CUMPRIDA. Espero que existam pessoas aqui dizendo: “Não podemos
cumpri-la.” É exatamente o que desejo trazer a vocês! A salvação
baseada nas obras da Lei deve ser percebida como impossível por todo
homem que a ela aspira! Devemos aprender que a salvação é pela Graça
através da fé em Jesus Cristo nosso Senhor; não por nossos feitos ou
sentimentos. No entanto, esta é uma doutrina que ninguém entenderá
até que tenha aprendido esta Verdade de Deus – que a salvação pelas
obras da Lei não pode sobrevir a nenhum homem nascido de mulher!
Mesmo assim a Lei deve ser cumprida. Muitos dirão como
Nicodemos, “Como pode suceder isto?” Respondo, a Lei é cumprida em
Cristo e pela fé recebemos os frutos. Em primeiro lugar, como já afirmei,
a Lei é cumprida no inigualável sacrifício de Jesus Cristo. Se um homem
a transgrediu, o que acontece? Ela diz: “Devo ser honrada. Você
transgrediu meu mandamento, o qual foi sancionado com a pena de
morte. Visto que não me honrou pela obediência, mas me desonrou pela
transgressão, você deve morrer.” Nosso Senhor Jesus Cristo, o maior
Representante do Pacto, o segundo Adão, tomou a frente em prol de
todos os que Nele estão e se apresentou como vítima frente à Justiça
Divina.
Visto que Seu povo estava condenado à morte, Ele, como o
Cabeça do Pacto, veio a morrer em seu lugar! Que fato glorioso ter sido
possível tal morte representativa; a qual só foi possível por causa da
constituição original da raça, que nasceu de um pai em comum e foi
posta sob um único cabeça. Na medida em que caímos através de um
Adão, foi possível sermos levantados através de outro Adão! “Porque,
assim como, em Adão, todos morrem, assim também todos serão
vivificados em Cristo.” Tornou-se possível para Deus, sob o princípio da
representação, permitir a substituição. Nossa primeira queda não
aconteceu por nossa própria culpa, mas pela falha do nosso
representante; e agora vem nosso segundo e magnificente
Representante, o Filho de Deus, o qual nos liberta, não porque a lei é
honrada por nós, mas porque é honrada por Ele!
Ele nasceu sob a Lei. E sendo achado carregando a culpa de todo
o Seu povo, foi afligido por sua penalidade! A lei levanta seu machado
sangrento e fere nosso glorioso Cabeça para que possamos ser livres! É
o Filho de Deus que cumpre a lei ao morrer, o Justo pelos injustos. “A
alma que pecar, essa morrerá”; aqui está a morte sendo exigida, e em
Cristo, a morte é apresentada! Vida gerada por vida! Uma vida
infinitamente preciosa em vez das pobres vidas humanas! Jesus morreu
e então a Lei foi cumprida através da permanência da sua penalidade. E
tendo sido cumprida, seu poder para condenar e punir o crente extinguiu-se.
Em segundo lugar, a Lei foi cumprida de novo por nós, através da
vida de Cristo. Já examinei este assunto, porém quero firmar-me nele.
Jesus Cristo, como nosso Cabeça e Representante, veio ao mundo com
o duplo propósito de suportar a penalidade e, ao mesmo tempo, cumprir
a Lei. Um dos seus principais propósitos ao vir a terra foi o de
“introduzir a perfeita justiça.” “Porque, como, pela desobediência de um
só homem, muitos se tornaram pecadores, assim também, por meio da
obediência de um só, muitos se tornarão justos.” A lei exige uma vida
perfeita e o homem que crê em Jesus Cristo apresenta diante dela uma
vida perfeita. Esta vida agora pertence a ele pela fé; não é dele mesmo,
mas Cristo nos tornou, da parte de Deus, justiça, igualmente para nós
que somos um com Ele. “Porque o fim da lei é Cristo, para justiça de todo
aquele que crê.”
A obra de Cristo é tomada como se fosse nossa! E porque Ele foi
justo, Deus nos vê Nele e nos considera justos sob o princípio da
substituição e da representação. Oh, que benção é tomar este manto e
vesti-lo! E permanecer diante do Todo-Poderoso em mais elevada justiça
do que exigiu Sua Lei – pois esta reclamou a perfeita justiça de uma
criatura – mas nós vestimos a justiça completa do próprio Criador! O
que mais requer a Lei? Está escrito: “Nos seus dias, Judá será salvo, e
Israel habitará seguro; será este o seu nome, com que será chamado:
SENHOR, Justiça Nossa.” “Foi do agrado do SENHOR, por amor da sua
própria justiça, engrandecer a lei e fazê-la gloriosa”.
Sim, mas isto não é tudo. A Lei deve ser cumprida em nós
pessoalmente através de uma percepção espiritual e evangélica. “Bem”,
você pode dizer: “mas como pode ser isto?” Respondo com as palavras
do nosso Apóstolo - “Porquanto o que fora impossível à lei, no que estava
enferma pela carne,” Cristo fez e está fazendo através do Espírito Santo,
a fim de que o preceito da lei se cumprisse em nós, que não andamos
segundo a carne, mas segundo o Espírito.” A Regeneração é uma obra
através da qual a Lei é cumprida, pois quando um homem nasce de
novo, é colocado nele uma nova natureza que ama a Lei de Deus e está
completamente conformada a ela. A nova natureza implantada por Deus
em cada crente no momento do seu novo nascimento é incapaz de pecar
– não pode pecar, porque nasceu de Deus! Ela é o fruto do pai eterno, e
o Espírito de Deus habita nela, com ela e a fortalece!
É luz, pureza “semente incorruptível, a qual vive e é permanente.”
Se é incorruptível, é sem pecado, porque o pecado é corrupção e
corrompe tudo o que toca. O Apóstolo Paulo, ao descrever seus conflitos
interiores, mostrou que ele mesmo, seu melhor e mais verdadeiro eu,
cumpriu a Lei, pois afirma: “De maneira que eu, de mim mesmo, com a
mente, sou escravo da lei de Deus.” (Romanos 7:25). Concordou que a
Lei era boa, mostrando com isso estar do lado dela. E embora o pecado
que estava em seus membros o levava a transgredir, sua nova natureza
não permitia, mas odiava e nutria aversão por este pecado, clamava
contra ele como que em cativeiro! A alma renascida se deleita na Lei do
Senhor e possui no seu interior uma vida inextinguível que anseia pela
completa perfeição! Nunca descansará até que satisfaça o Senhor com a
perfeita obediência e se torne como o próprio Deus!
Todo homem no qual a regeneração teve início, ela continuará e se
desenvolverá até finalmente chegar à absoluta perfeição. Este fato será
visto no mundo vindouro e oh, quão maravilhoso cumprimento da Lei
veremos! Ela não aceitará nenhum homem no céu até que esteja
conformado a ela em perfeição – mas todo crente deverá apresentar esta
condição perfeita! Nossa natureza deve ser purificada de toda a
imundície e ser tão pura quanto o ouro! Deleitaremos-nos em sermos
santos no Céu. Então nada em nós irá contra um único mandamento
de Deus! Lá conheceremos, em nossos próprios corações, a Glória e a
excelência da vontade divina, e a nossa vontade seguirá o mesmo
caminho. Não pensemos que os mandamentos são rigorosos – serão a
nossa própria vontade da mesma maneira que são a vontade de Deus!
Por isso nenhum dos mandamentos de Deus; por mais abnegação
que exijam agora; requererá mais renúncia de nós! A santidade será
nossa base, nosso deleite! Nossa natureza estará completamente
conformada à natureza e à Vontade de Deus no que se refere à
santidade e bondade – e então a Lei será cumprida em nós e
permaneceremos diante de Deus, tendo lavado nossas vestes e tornadoas 
alvas no sangue de Cordeiro! E, ao mesmo tempo, estaremos sem
mancha, defeito ou algo parecido! Então que a Lei do Senhor receba
honra eterna da nossa existência imortal. Oh, como seremos alegres!
Porque, no tocante ao homem interior, agora tenho prazer na lei de
Deus, mas então nos deleitaremos nela com nossos corpos
ressuscitados, os quais serão atraídos para serem instrumentos de
justiça para Deus eternamente! Com relação a estes corpos
ressuscitados, nenhuma fome, querer ou necessidade os
desencaminhará, porém todo nosso corpo, alma e espírito serão
conformados à mente de Deus!
Que possamos desejar e almejar esta nova vida! Nunca a
alcançaremos, a não ser pela fé em Jesus. A santidade perfeita nunca
será alcançada pelas obras da Lei, pois estas não mudam a natureza.
No entanto, pela fé no Salvador e pela obra abençoada do Seu Espírito
Santo, alcançaremos nosso objetivo e então, creio, estará entre nossos
cânticos de Glória que passará o céu e a terra, porém as Palavras e a
Lei de Deus permanecerão para todo o sempre. Aleluia! Aleluia! A
Charles Haddon Spurgeon
Enviado por Silvio Dutra Alves em 02/07/2013
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