Legado Puritano
Quando a Piedade Tinha o Poder
Textos
A Primeira Palavra de Cristo na Cruz – P 3
Por Charles Haddon Spurgeon
“E dizia Jesus: Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem.” Lucas 23:34
II. Em segundo lugar, o texto é INSTRUTIVO PARA A OBRA DA IGREJA.
Como Cristo foi, assim Sua igreja tem de ser nesse mundo. Cristo veio ao mundo não para ser servido, mas sim para servir, não para ser honrado, mas sim para salvar a outros. Sua Igreja, quando entender sua obra, perceberá que não está aqui para acumular para si riqueza ou honra, ou para buscar qualquer engrandecimento e posição temporal; a igreja está aqui para viver abnegadamente, e se fosse necessário, para morrer abnegadamente para a libertação das ovelhas perdidas, para a salvação dos homens perdidos.
Irmãos, eu lhes disse que a oração de Cristo na cruz foi completamente desinteressada. Ele não se incluiu nela. Assim deveria ser a vida de oração da igreja, a ativa intervenção da igreja em favor dos pecadores. Não deve viver jamais para seus ministros ou para si mesma mas, pelo contrário, deve fazê-lo sempre para os filhos perdidos dos homens. Vocês imaginam por acaso que as igrejas são formadas para manter ministros? Vocês concebem que a igreja existe nessa terra para que simplesmente se possa dar certo salário aos bispos e diáconos, regalias e cúrias, e não sei mais que outras coisas?
Meus irmãos, seria bom que a instituição inteira fosse abolida se esse fosse seu único objetivo. O objetivo da igreja não é prover alívio externo para os mais jovens filhos da nobreza; quando não tenham cérebro o suficiente para ganhar de alguma outra maneira seu sustento, devem permanecer nas habitações familiares. As igrejas não são estabelecidas para que os homens de fácil palavra se coloquem de pé aos domingos e falem, e assim obtenham de seus admiradores o pão diário.
E mais, existe outro fim e objetivo distintos desse. Esses lugares de adoração não são construídos para que vocês possam se sentar confortavelmente, e ouvir algo que lhes faça passar seus domingos agradavelmente. Uma igreja em Londres que não exista para fazer o bem nos bairros baixos, e nas guaridas e cubículos da cidade, é uma igreja que não tem razão para justificar sua existência por mais tempo. Uma igreja que não existe para resgatar do paganismo, para lutar contra o mal, para destruir o erro, para derrubar a falsidade, uma igreja que não existe para colocar-se do lado dos pobres, para denunciar a injustiça e sustentar no alto a justiça, é uma igreja que não tem o direito de existir.
Você não existe para si mesma, ó igreja, assim como tampouco Cristo existiu para Si mesmo. Sua glória consistiu em que deixou de lado Sua glória, e a glória da igreja se dá quando deixa de lado sua respeitabilidade e sua dignidade, e considera que sua glória é atrair os rejeitados, e que sua mais excelsa honra é buscar, em meio da lama mais imunda as joias inestimáveis pelas quais Jesus derramou Seu sangue. Sua ocupação celestial é resgatar do inferno as almas e conduzi-las a Deus, à esperança, ao céu. Ó, que a igreja sentisse isso sempre! Que ela tenha seus bispos e seus pregadores, e que sejam sustentados, e que tudo seja feito decentemente e em ordem por Cristo, mas o fim deve ser considerado, quer dizer, a conversão dos desviados, a instrução dos ignorantes, a ajuda aos pobres, a manutenção do bem, o abatimento do mal e o sustento a qualquer custo da coroa e do reinado de nosso Senhor Jesus Cristo.
Agora, a oração de Cristo tinha uma grande espiritualidade de propósito. Vocês notarão que não se busca nada para essas pessoas exceto aquilo que concerne a suas almas: “Pai, perdoa-lhes”. E eu creio que a igreja faria bem em lembrar que luta não é contra carne e sangue, nem com principados e potestades, mas sim com a maldade espiritual, e que o que deve oferecer não é a lei e a ordem pela qual os magistrados possam ser respaldados, ou as tiranias demolidas, mas sim o governo espiritual por quem os corações são conquistados para Cristo, e os juízos são submetidos a Sua verdade. Eu creio que quanto mais a igreja de Deus se esforça, diante de Deus, pelo perdão dos pecadores, e quanto mais busque em sua vida de oração ensinar aos pecadores o que é o pecado, e o que é o sangue de Cristo, e o inferno que os espera se o pecado não é limpo, e o que é o céu que é garantido a todos aqueles que são limpos do pecado, quanto mais se apegue a isso, melhor será.
Prossigam como um só homem, meus irmãos, para assegurar a raiz do assunto no perdão dos pecados. Quanto a todos os males que afligem a humanidade, custe o que custar, participem na luta contra eles; a temperança deve ser mantida, a educação deve ser apoiada; as reformas políticas e eclesiásticas devem ser levadas  adiante na medida do tempo e do esforço disponível, mas a primeira ocupação de cada cristão e de cada cristã está com os corações e as consciências dos homens quanto a sua posição diante do Deus eterno, ó, que nada os aparte de sua parcela de misericórdia para almas imortais. Esse deve ser seu único negócio: devem dizer aos pecadores que o pecado os condenará, que só Cristo pode tirar o pecado, e devem fazer disso a única paixão de suas almas: “Pai, perdoa-lhes, perdoa-lhes! Faça com que eles saibam como devem ser perdoados. Faça com que sejam realmente perdoados, e que eu não descanse a menos que eu seja o instrumento de condução dos pecadores para serem perdoados, inclusive os mais culpados deles”.
A oração de nosso Salvador ensina à igreja que se bem é certo que seu espírito deve ser de abnegação e que seu propósito deve ser espiritual, o alcance de sua missão deve ser ilimitado. Cristo orou pelos malvados, e que reação vocês tem se eu digo que foi pelos mais malvados dos malvados, essa turba lasciva que rodeava Sua cruz! Ele orou pelos ignorantes. Por acaso não disse: “Não sabem o que fazem”? Ele orou por Seus perseguidores; as próprias pessoas que estavam mais contra Ele, estavam mais próximas de Seu coração.
Igreja de Deus, sua missão não está direcionada aos poucos seres respeitáveis que se congregam em torno de seus ministros para escutar respeitosamente suas palavras; sua missão não é para a elite e para os ecléticos, os inteligentes que criticarão suas palavras e farão juízos sobre cada sílaba de seu ensino; sua missão não é para aqueles que o tratam amavelmente, generosamente, afetuosamente, quero dizer, não somente para esses, ainda que certamente é para esses como parte do resto; mas seu grande encargo certamente é para a rameira, para a prostituta, para o ladrão, para o blasfemo e para o bêbado, para os mais depravados e pervertidos. Ainda que ninguém mais se preocupe por eles, a igreja sempre deve fazê-lo, e se alguém deve ocupar o primeiro lugar em suas orações, deveriam ser esses que, ai, são geralmente os últimos em nossos pensamentos. Devemos considerar diligentemente aos ignorantes. Não basta que o pregador pregue de tal forma que os que são instruídos desde sua juventude possam entendê-lo; ele tem que pensar naqueles para os quais as frases mais comuns da verdade teológica são tão carentes de significado como o gíria de uma linguagem desconhecida; ele tem que pregar com o objetivo de conseguir a mais mínima compreensão; e se os muitos ignorantes não se aproximam para ouvi-lo, ele deve usar os melhores meios que possa para induzi-los, e mais, para forçá-los a ouvir as boas novas.
O Evangelho também está dirigido para aqueles que perseguem a religião; aponte suas flechas de amor contra os corações de seus inimigos. Se existe alguns aos quais devemos buscar primeiro para levá-los a Jesus, deve ser justamente àqueles que estão mais longe e mais opostos ao Evangelho de Cristo. “Pai, perdoa-lhes, ainda que não perdoes a ninguém mais, agrade-se em perdoar a eles”.
De igual forma, a igreja deve ser veemente como Cristo o foi; e se o fosse, advertiria rapidamente qualquer base de esperança naqueles com que trata e observaria qualquer argumento que pudesse usar para Sua salvação.
A Igreja também tem de estar cheia de esperanças, e certamente nenhuma igreja teve jamais uma esfera mais esperançosa do que a igreja da época presente. Se a ignorância é um argumento para com Deus, olhem aos pagãos desse tempo; milhões deles jamais ouviram o nome do Messias. Perdoa-lhes, grandioso Deus, verdadeiramente eles não sabem o que fazem. Se a ignorância constitui alguma base para esperança, existe suficiente esperança nessa grande cidade de Londres, pois, por acaso não temos centenas de milhares para os quais as verdades mais simples do Evangelho seriam as maiores novidades?
Irmãos, é triste pensar que esse país ainda está sob o manto da ignorância, mas o aguilhão de um fato tão terrível é entorpecido pela esperança quando lemos corretamente a oração do Salvador; ela nos ajuda a esperar enquanto clamamos: “Perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem”. A atividade da igreja tem de ser buscar aos mais caídos e aos mais ignorantes, e buscá-los perseverantemente. Ela não deve jamais deter sua mão de fazer o bem. Se o Senhor viesse amanhã, não existe razão para que vocês, pessoas cristãs, se convertam em meros faladores e leitores, reunindo-se para o consolo mútuo, e esquecendo-se das miríades de almas que perecem. Se fosse certo que esse mundo pode se fazer em pedaços em algumas semanas e que Napoleão III é a besta apocalíptica, ou se não fosse certo, não me importa absolutamente, isso não modifica meu dever em nada, nem muda meu serviço. Que meu Senhor venha quando queira, pois enquanto eu trabalhe para Ele, estou pronto para Sua vinda. O propósito da igreja segue sendo ainda de vigiar pela salvação das almas. Se ela ficasse contemplativa, como os profetas modernos gostariam que o fizesse, se estivesse disposta para entregar-se a interpretações especulativas, ela faria bem em temer a vinda de seu Senhor; porém, se você continua fazendo seu trabalho, e com um labor estafante busca as preciosas joias de seu Senhor, você não será envergonhada quando o Esposo vier.
Meu tempo foi muito breve para um tema tão vasto como o que eu abordei, mas gostaria de poder dizer umas palavras que fossem tão fortes como o trovão, com um sentido e uma veemência tão poderosa como o raio. Gostaria de poder motivar a cada cristão aqui presente e avivar nele uma ideia correta do que é seu trabalho como parte da igreja de Cristo.
Meus irmãos, vocês não devem viver para si mesmos; a acumulação de dinheiro, a educação de seus filhos, a edificação de casas, a obtenção de seu pão diário, tudo isso vocês podem fazer; mas tem de existir um propósito maior do que esse se vocês devem ser semelhantes a Cristo como deveriam, já que foram comprados com o sangue de Jesus. Comecem a viver para os outros, façam evidente para todos os homens que vocês mesmos não são o fim de tudo nem o ser de toda sua própria existência, mas antes gastem o que é seu e ainda vocês mesmo se gastarão do tudo para que pelo bem que fazem aos homens Deus seja glorificado e Cristo veja em vocês Sua própria imagem e fique satisfeito.
III. O tempo já me esgotou, mas o último ponto é uma palavra de SUGESTÃO PARA OS NÃO CONVERTIDOS.
Escutem atentamente essas frases. As farei tão suaves e condensadas quanto seja possível. Alguns dos presentes aqui não são salvos. Agora, alguns de vocês foram muito ignorantes e quando pecaram não sabiam o que faziam; vocês sabiam que eram pecadores, sabiam disso, porém não conheciam o grande alcance da culpa do pecado. Não frequentaram a casa de oração por longo tempo, não leram suas Bíblias, não possuem pais cristãos. Agora estão começando a se ansiarem pelas suas almas. Lembrem que sua ignorância não os desculpa; de outra maneira Cristo não diria: “Perdoa-lhes”; pois inclusive aqueles que não sabem o que fazem tem de ser perdoados; daí que sejam individualmente culpados; mas ainda assim essa sua ignorância lhes dá justamente um pequeno raio de esperança. Deus passou por alto os tempos de ignorância, mas agora manda a todos os homens em todo lugar que se arrependam. Fazei, pois, frutos dignos de arrependimento. O Deus a quem esqueceram ignorantemente está disposto a perdoar e pronto a absolver. O Evangelho é justamente isso: confiem em Jesus Cristo que morreu pelos culpados, e serão salvos. Ó, que Deus os ajude a fazer isso essa manhã, e vocês se converterão em homens novos e mulheres novas; uma mudança terá lugar em vocês igual que a um novo nascimento; serão novas criaturas em Cristo Jesus.
Porém, ah meu amigo, existem alguns presentes para os quais Cristo mesmo não poderia fazer essa oração, ao menos no sentido mais amplo: “Pai, perdoa-lhes, pois não sabem o que fazem”, pois vocês sabem o que fazem e cada sermão que ouvem, e especialmente cada impressão que é gravada em seu entendimento e em sua consciência pelo Evangelho aumenta sua responsabilidade, e lhes suprime a escusa de não saber o que fazem. Ah senhores, vocês sabem que aí estão o mundo e o Cristo, e que não podem ter a ambos. Vocês sabem que ai está o pecado e também Deus, e que não podem servir ambos. Vocês sabem que está ai o prazer do mal e os prazeres do céu, e que não podem ter aos dois. Ó, à luz que Deus lhes deu, que também se uma a Seu Espírito e lhes ajude a escolher aquilo que a verdadeira sabedoria os induzirá a escolher. Decidam hoje por Deus, por Cristo, pelo céu. Que o Senhor os conduza a decidir isso por causa de Seu nome. Amém.
Porção da Escritura lida antes do sermão: Mateus 23:1-37
Charles Haddon Spurgeon
Enviado por Silvio Dutra Alves em 25/07/2013
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