A Primeira Palavra de Cristo na Cruz – P 2
Por Charles Haddon Spurgeon
“E dizia Jesus: Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem.” Lucas 23:34
I. Primeiro, meus queridos irmãos, vejamos esse texto tão maravilhoso como uma ILUSTRAÇÃO DA INTERCESSÃO DE NOSSO SENHOR.
Ele orou pelos Seus inimigos, e segue orando por Seus inimigos agora; o passado na cruz foi o sinal do presente no trono. Ele está agora em um lugar mais sublime e em uma condição mais nobre, mas Sua ocupação é a mesma; Ele continua ainda diante do trono eterno apresentando súplicas em favor dos homens culpados, clamando: “Pai, perdoa-lhes”. Toda Sua intercessão é, em certa medida, como a intercessão no Calvário, e as palavras do Calvário podem nos ajudar a adivinhar o caráter de toda Sua intercessão no alto.
O primeiro ponto em que podemos ver o caráter de Sua intercessão é esse: que é muito misericordiosa. Aqueles pelos quais nosso Senhor orou, de acordo com o texto, não mereciam Sua oração. Não tinham feito nada que pudesse motivar Nele uma benção como recompensa pelos seus esforços em Seu serviço; pelo contrário, eram pessoas muito indignas que tinham conspirado para sentenciá-lo à morte. O tinham crucificado e O fizeram de forma injustificável e malignamente; estavam inclusive tirando-lhe naquele momento Sua vida inocente. Seus clientes eram pessoas que, muito longe de serem meritórias, eram completamente indignas de um só bom desejo do coração do Salvador. Eles certamente jamais lhe pediram que Jesus orasse por eles; o último pensamento de sua mente era dizer-lhe: “Intercede por nós, moribundo Rei! Oferece petições em nosso favor, Filho de Deus!”. Eu me aventuro a crer que a própria oração, quando foi ouvida por essas pessoas, foi ignorada ou passada por alto com depreciativa indiferença. Ou talvez foi tomada como um tema de zombaria. Admito que pareceria demasiadamente severo para com a humanidade supor que seja possível que semelhante oração pudesse ter sido tema de risadas zombeteiras, e, no entanto, houve outras coisas implementadas em torno da cruz que foram igualmente brutais, e então posso imaginar que isso pode ter acontecido também.
No entanto, nosso Salvador orou por pessoas que não mereciam a oração, e, pelo contrário, mereciam uma maldição: eram pessoas que não solicitaram a oração e inclusive zombaram dela quando a ouviram. De igual forma o grandioso Sumo Sacerdote está lá no céu suplicando por homens culpados: por homens culpados, queridos ouvintes. Ele não suplica por ninguém se baseando na suposição de que verdadeiramente ela o merece. Está lá para interceder como o Justo em favor dos injustos. Não intercede como se alguém fosse justo, mas sim que “Se alguém tiver pecado, temos advogado para com o Pai”.
Recordem também que nosso grandioso Intercessor suplica por aqueles que nunca lhe pediram que intercedesse por elas. Seus eleitos são objeto de Suas intercessões compassivas estando ainda mortos em delitos e pecados, enquanto eles zombam até mesmo de Seu Evangelho, Seu coração de amor está implorando o favor do céu para eles. Vejam, então, amados, se tal é a verdade, que seguros estão de ter sucesso para com Deus aqueles que lhe pedem sinceramente ao Senhor Jesus Cristo que interceda por eles. Alguns de vocês, com muitas lágrimas e muita veemência, estiveram pedindo ao Salvador que seja seu advogado. Por acaso Ele os rejeitará? É lógico pensar que possa fazê-lo? Ele intercede por aqueles que rejeitam Suas súplicas; com muito mais razão o fará por você que as valoriza mais que o ouro.
Recorde, meu querido ouvinte, que se não existe nada bom em você e que existe todo o concebível que é maligno e mal, nada disso pode ser uma barreira para impedir que Cristo exerça o ofício de Intercessor por você. Ele suplicará inclusive por você. Vamos, coloque seu caso em Suas mãos, pois Ele encontrará súplicas que você não poderia descobrir por si mesmo, e apresentará seu caso diante de Deus como o fez por Seus assassinos: “Pai, perdoa-lhes”.
Uma segunda qualidade de Sua intercessão é: seu espírito cuidadoso. Notem isso na oração: “Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem”. Por assim dizer, nosso Senhor revirou Seus inimigos para encontrar neles algo que pudesse ser argumentado em seu favor. Mas não pode ver nada até que Seus olhos sabiamente afetuosos pousaram em sua ignorância: “não sabem o que fazem”. Que cuidadosamente Jesus inspecionou as circunstâncias e as características daqueles por quem se importunava! O mesmo Ele faz agora no céu. Cristo não é um advogado negligente para com Seu povo. Ele conhece sua precisa condição nesse momento e o exato estado de seu coração em relação à tentação pela que atravessa; mais ainda, Ele vê antecipadamente a tentação que está lhe esperando, e em Sua intercessão toma nota do evento futuro que Seu olhar já contempla. “Satanás os pediu para cirandar como o trigo, mas eu roguei por ti, para que sua fé não falte.”
Ó, a condescendente ternura de nosso grandioso Sumo Sacerdote! Ele nos conhece melhor do que conhecemos a nós mesmo. Ele entende cada dor e cada gemido secreto. Você não precisa se preocupar sobre a fraseologia de sua oração, pois Ele retificará seu texto. E inclusive, quanto ao entendimento da petição exata, ainda que você falhe em entendê-la, Ele não pode falhar, posto que conhece a mente de Deus e também conhece o que está em sua mente. Ele pode espiar alguma razão para ter misericórdia de você que você mesmo não poderia detectar, e quando tudo está tão escuro e nublado em sua alma que não pode discernir um ponto de apoio para uma petição que pudesse solicitar ante o céu, o Senhor Jesus tem preparadas as súplicas que deverão ser formuladas, e tem as petições redigidas, e pode apresentar elas de forma aceitável diante do propiciatório. Observarão, então, que Sua intercessão é muito clemente e em segundo lugar, muito ponderada.
Continuando, devemos notar sua veemência. Quem quer que leia essas palavras: “Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem”, não pode duvidar que traspassavam o céu em seu fervor.
Irmãos, vocês estão seguros, inclusive sem pensá-lo, de que Cristo era terrivelmente veemente nessa oração. Mas existe um argumento para demonstrá-lo. As pessoas veementes são geralmente sagazes e de rápido entendimento para descobrir qualquer coisa que lhes ajude em seu propósito. Se estão pedindo por sua vida, e se lhes solicitasse um argumento para serem perdoadas, lhes garanto que pensariam em um quando ninguém mais poderia fazê-lo.
Agora, Jesus estava tão ávido da salvação de Seus inimigos que recorreu a um argumento para misericórdia que um espírito menos ansioso não teria concebido: “Não sabem o que fazem”. Vamos, senhores, isso foi na mais estrita justiça, uma escassa razão para misericórdia; e verdadeiramente, a ignorância, se é deliberada, não atenua o pecado e, no entanto, a ignorância de muitos que estavam ao pé da cruz era uma ignorância deliberada. Eles deveriam ter conhecido que Ele era o Senhor da glória. Por acaso não foi Moisés suficientemente claro? Por acaso Isaías não tinha sido muito valente em Sua mensagem? Não eram os sinais e signos tão claros que duvidar desses argumentos de que Jesus é o Messias era duvidar de qual é o sol no firmamento? No entanto, apesar disso tudo, o Salvador, com maravilhosa veemência e conseguinte destreza, converte em um argumento o que não teria podido ser um argumento, e o expressa assim: “Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem”. Ó, então, que poderosos em sua veemência são Seus argumentos no céu! Não suponham que Seu entendimento é mais lerdo ali, ou que Suas petições são menos intensas na veemência. Não, meus irmãos, o coração de Cristo ainda labora arduamente com o Deus eterno. Ele não é um intercessor adormecido, antes, pela causa de Sião não cala e não descansa, nem descansará, até que saia como resplendor Sua justiça, e Sua salvação se acenda como uma tocha.
É interessante notar, em quarto lugar, que a oração ali oferecida nos ajuda a julgar Sua intercessão no céu no tocante a sua persistência, perseverança e perpetuidade. Como comentei antes, se nosso Salvador teve uma oportunidade de fazer uma pausa em Sua oração intercessora, certamente foi quando o cravaram no madeiro; quando eram culpados de atos diretos de violência mortal contra Sua divina pessoa, teria podido cessar então de apresentar petições em favor deles. Porém, o pecado não pode atar a língua de nosso Amigo intercessor. Ó, quanto consolo existe aqui!
Você tem pecado, crente, você contristou ao Espírito, porém, você não detém a essa poderosa língua que intercede por você. Você foi infrutuoso talvez, meu irmão, e como a árvore estéril, merece ser cortada; todavia, sua falta de fertilidade não retirou o Intercessor de Seu lugar. Ele intervém nesse momento, clamando: “Deixa ela ainda esse ano”. Pecador, você tem provocado a Deus ao rejeitar por longo tempo Sua misericórdia e ao ir de mal a pior, mas nem a blasfêmia, nem a injustiça nem a infidelidade poderiam deter ao Cristo de Deus de litigiar o caso do primeiríssimo dos pecadores. Ele vive, e ao longo de sua vida Ele intercede; e enquanto exista um pecador na Terra que deva ser salvo, haverá um intercessor no céu que argumente em favor dele. Esses são só fragmentos de pensamento, mas eles o ajudarão a entender, espero, a intercessão de seu grandioso Sumo Sacerdote.
E mais, pensem que essa oração de nosso Senhor na terra é semelhante a Sua oração no céu, em razão de sua sabedoria. Ele busca o melhor e o que Seus clientes necessitam: “Pai, perdoa-lhes”. Esse foi um grande ponto em questão; eles precisam, ali e então, do perdão de Deus. Ele não diz: “Pai, ilumina-lhes, pois não sabem o que fazem”, pois a simples iluminação não teria criado nada a não ser tortura de consciência e haveria acelerado seu inferno: mas clama: “Pai, perdoa-lhes”; e ao mesmo tempo que usava Sua voz, as preciosas gotas de sangue que estavam destilando então das feridas dos cravos, estavam intercedendo também, e Deus ouviu, e sem dúvida perdoou.
A primeira misericórdia que é necessária para os pecadores culpados é o perdão do pecado. Cristo ora sabiamente pela benção mais necessária. O mesmo sucede no céu; Ele intercede sábia e prudentemente. Deixem-no tranquilo; ele sabe o que há de pedir da mão divina. Vá ao propiciatório, e derrama ali seus desejos da melhor maneira que possa, mas quando tenha feito isso, expresse-o sempre assim: “Ó, meu Senhor Jesus, não responda a nenhum de meus desejos se não são de acordo com Seu juízo; e se em algo que eu pedi falhei em buscar o que preciso, emenda minha súplica, pois Tu és infinitamente mais sábio que eu”. Ó, é doce ter um amigo na corte que arruma nossas petições antes que cheguem ao grandioso Rei.
Eu creio que o que se apresenta unicamente a Deus agora é uma perfeita oração; quero dizer que diante do grandioso Pai de todos nós, nenhuma oração de Seu povo sobe de maneira imperfeita; não resta nada fora, e não existe nada que deva ser apagado; e isso não porque as suas orações foram perfeitas em si mesmas originalmente, mas sim porque o Mediador as faz perfeitas por meio de Sua infinita sabedoria, e se elevam diante do propiciatório modeladas de acordo com a mente do próprio Deus, e Ele responderá com certeza a essas orações.
Ademais, essa memorável oração de nosso Senhor crucificado era semelhante a Sua intercessão universal no assunto de seu predomínio. Aqueles pelos quais orou foram, muitos deles, perdoados. Vocês recordam que ele se dirigiu a Seus discípulos quando lhes ordenou a pregar: “comecem em Jerusalém”, e naquele dia quando Pedro se colocou de pé com os onze, e acusou o povo de que com mãos ímpias haviam crucificado e imolado ao Salvador, três mil pessoas que foram assim justamente acusadas de Sua crucificação se converteram em crentes Nele, e foram batizados em Seu nome? Essa foi uma resposta à oração de Jesus. Os sacerdotes estavam no fundo do assassinato de nosso Senhor, e eles eram os mais culpados, mas se diz que: “Muitos dos sacerdotes obedeciam à fé”. Aqui está outra resposta à oração. Posto que todos os homens participaram representativamente, gentios assim como judeus, na morte de Jesus, o Evangelho foi pregado logo aos judeus e em breve tempo foi pregado também aos gentios. Não foi essa oração: “Pai, perdoa-lhes”, como uma pedra lançada em um lago, que forma primeiro um estreito círculo, e logo um anel mais amplo, e logo uma esfera maior, até que todo o lago fique coberto com ondas em forma de círculos?
Uma oração como essa, lançada em todo o mundo, criou primeiro um pequeno anel de judeus e de sacerdotes convertidos, e logo um círculo mais amplo daqueles que estavam sob a influência romana; e hoje sua circunferência é tão ampla como o globo todo, de tal forma que dezenas de milhares são salvos por meio do predomínio dessa precisa intercessão: “Pai, perdoa-lhes”. Sucede exatamente assim como Ele no céu; jamais intercede em vão. Com mãos sangrentas, teve êxito; com pés cravados ao madeiro, saiu vitorioso; desamparado por Deus e desprezado pelo povo, triunfou com Seus argumentos; quanto mais agora que a tiara cinge Suas têmporas, que Sua mão sustenta o cetro universal e Seus pés estão calçados com sandálias de prata, e que Ele é coroado Rei dos reis e Senhor dos senhores! Se as lágrimas e os clamores produzidos pela debilidade são onipotentes, muito mais poderosa tem de ser – se fosse possível – essa sagrada autoridade que, como Sacerdote ressuscitado, intercede quando está diante do trono do Pai e menciona o pacto que o Pai fez com Ele.
Ó, vocês, trêmulos crentes, confiem a Ele suas preocupações! Aproximem-se dEle, vocês que são culpados, e peçam que interceda por vocês. Ó, vocês que não podem orar, vamos, peçam-lhe que interceda por vocês. Corações quebrantados, cabeças rendidas e peitos desconsolados, aproximem-se dAquele que colocará Seus méritos de tal forma que se elevarão como o fumo do perfume, como uma fragrante nuvem para as narinas do Senhor Deus dos exércitos, que exala um doce aroma, onde serão aceitos você e suas orações no Amado. Temos aberto agora um espaço mais que suficiente para suas meditações em casa nessa tarde, e, portanto deixamos esse primeiro ponto. Temos recebido uma ilustração, na oração de Cristo na cruz, do que são Suas orações no céu pela eternidade.
Charles Haddon Spurgeon
Enviado por Silvio Dutra Alves em 25/07/2013