Deus Ama o Que Dá com Alegria – P 2
Por Charles Haddon Spurgeon
“Porque Deus ama ao que dá com alegria.” 2ª Coríntios 9:7
II. Em segundo lugar, POR QUE DEUS AMA AO QUE DÁ COM ALEGRIA?
Lembrem que esta frase não se refere a todos os homens. Está dirigida aos membros de uma igreja cristã. Deus ama a todos, mas tem uma complacência especial por aqueles a quem, por Sua graça, ensinou a serem pessoas que contribuem com alegria. Uma pessoa que contribuísse alegremente, mas não fosse cristã, não se impactaria com o que está sendo dito aqui. Ainda assim seria alguém com quem Deus está irado todo dia. É de homens salvos, homens cristãos, homens unidos à igreja cristã que se diz “Deus ama ao que dá com alegria“.
Agora notem, primeiramente, que Deus ama ao que dá com alegria, pois Ele fez o mundo com o plano de dar alegremente, e um grande artista ama tudo o que é consistente com seu plano. Eu digo que Deus criou todo o mundo sobre este plano. Vou mostrar a vocês. Olhem para o sol. Que esplendor luminoso! Que gloriosa criação de Deus! Por que é brilhante? Porque presenteia sua luz. Por que é glorioso? Porque espalha seus raios por toda a parte. Imaginem que o sol dissesse: “Já não darei mais a minha luz”, onde ficaria seu brilho? Se dissesse: “Não espalharei mais meus raios”, onde ficaria seu esplendor? É na magnífica generosidade desse grande pai do dia que sua glória se torna mais forte. Para nós é o mais grandioso dos astros porque dá com generosidade essa força revigorante que é calor, luz e vida.
Contemplem a lua, a formosa rainha da noite; por que nos deleitamos com ela? Porque toda a luz que recebe do sol, ela nos entrega fielmente. Se não projetasse sua luz, quem falaria dela? Se fosse um luzeiro egoísta, e absorvesse para si todos os raios do sol, se fosse um círculo avarento que confinasse e armazenasse cada raio de sol dentro de si, que coisa seria ela? Provavelmente, nem sequer saberíamos de sua existência, exceto quando, como uma mancha negra, passasse entre nós e algum luzeiro brilhante. Mas como ela espalha seus raios sobre a pobreza da meia-noite, nos deleitamos e damos graças a Deus por esse rastro de beleza.
E aquelas estrelas que centelham e que nos parecem tão diminutas, acaso seu brilho e seu esplendor não provêm daquilo que dão? “Uma estrela é diferente de outra em glória”,porque uma estrela difere de outra estrela no que é capaz de entregar.
Isso acontece com os corpos celestes; agora voltemos aos corpos terrestres.
Olhem para esta terra sob nossos pés; em que consiste sua excelência senão naquilo que produz? Existem lugares na terra que são sublimemente solitários, tais como o Grande Saara. Esses terrenos não dão nada, logo, o que são? Desertos. E quem os exalta? Se vocês forem àquela terra uma vez tão abençoada, Palestina, e caminharem sobre aquele solo que produz tão pouco, acaso não se poderia pensar que está maldito? E por qual razão? Porque todos os elementos de sua fertilidade estão sem uso e não são cultivados para o bem do homem.
Mas, onde estão os países alegres? Onde estão os países onde os habitantes se regozijam e louvam à mãe pátria? Acaso não são essas férteis colinas e planícies que sorriem com colheitas superabundantes, produzidas pelos depósitos da terra, fazendo com que os homens celebrem e se alegrem? Qual é a terra mais seleta de nossa raça, a chamada Beulá[1] das nações? Não é a terra que monopoliza; não é a terra sedenta, que absorve tudo e não produz nada; não é o terreno faminto que o agricultor ara, mas que nega a espiga de trigo e não permite a colheita da cevada.
Caminhem por todo esse imenso mundo e considerem por um minuto. Há milhares de anos, antes que nossa raça estivesse neste planeta, é provável que existissem extensos bosques se mexendo sob os raios do sol, e que faziam? Destinavam-se a cair e morrer, mas por quê? Para formar vastos depósitos, nos quais a mãe terra armazenou o carvão durante muito tempo, até que veio o homem e rompeu o cadeado, tomando posse dos abundantes depósitos de carvão que ajudam as nossas artes e ciências, nos aquecendo e nos alegrando nas profundidades do Inverno, de tal maneira que nos regozijamos ao comprovar como aquilo que foi armazenado um dia pela generosa natureza, é entregue no dia seguinte de forma gratuita, para uso nosso. Vamos, não há uma só árvore que cresça que não esteja dando perenemente. Não há uma flor que brote, que não possua doçura ao derramar sua fragrância no ar. Todos os rios vão para o mar, e o oceano alimenta as nuvens, e as nuvens esvaziam seus tesouros, e a terra converte a chuva em fertilidade, e assim é uma cadeia sem fim de generosidade doadora.
A generosidade é a rainha suprema na natureza. Não há nada neste mundo que não viva para dar, exceto o homem ganancioso, e tal homem é como um fragmento de cascalho em uma máquina; não se encaixa no universo. O homem é uma roda que corre em direção oposta às rodas da grande maquinaria de Deus. O homem é um cavalo empinando em um jugo. É alguém que não fará o que estão fazendo a seu lado as demais forças do mundo. É um monstro; não está feito inteiramente para este mundo. Não se deu conta do movimento dos astros. Não mantém o passo com a marcha das eras. Está fora de época; está fora de lugar; está completamente fora da ordem de Deus. Mas o que dá com alegria está sintonizado com a música das esferas celestes. Está sincronizado com as leis naturais do grandioso Deus e, portanto, Deus o ama, pois vê Sua própria obra nele.
Em segundo lugar, considerem que Deus ama ao que dá com alegria, porque a graça colocou a tal homem em ordem com as leis da redenção, bem como com as leis da natureza. E quais são estas leis? Nós que somos chamados “calvinistas”, nos deleitamos em afirmar que toda a economia do Evangelho é a da graça. Tudo é pela graça do princípio ao fim, e não se trata de um assunto de dívida ou de recompensa. A salvação não é algo que os homens possam ganhar ou merecer, mas sim o resultado e o exercício da graça imerecida recebida de Deus. Se há eleição, é uma eleição livre que não procede nunca de nenhuma bondade em nós. Se há redenção, “graças a Deus por seu dom inefável!“, se há um chamado, se há justificação, se há santificação, em tudo vemos a obra imerecida do grandioso Doador. Deus não poupa, não é avarento, não dá de má vontade. Ele dá com liberalidade e não se restringe em nenhuma coisa boa. Deus se manifesta na obra da graça como um maravilhoso doador.
Agora, o homem cristão, ou o que professa ser cristão que não é doador ou, sendo doador, não é um doador alegre, está fora de ordem com o sistema que gira em torno do pacto da graça e a cruz de Cristo; está fora de sintonia com o sangue e as feridas de Jesus; está fora de ordem com os propósitos eternos do Altíssimo; não flui junto à corrente da graça divina; deveria estar sob a lei, ainda que nisso, em verdade, nem sequer cumpre com a letra; mas como o espírito do Evangelho é todo liberdade, graça, amor e abundância, o homem não está em harmonia com ele, e não o entende por completo. Então, devido ao fato de o doador alegre, feito assim pela graça divina, estar em sintonia com a redenção e com a natureza, conforme a sua medida e o seu chamamento, é exaltado pelo Senhor.
Além disso, Deus ama ao que dá com alegria, porque Ele ama as coisas que fazem Seu povo feliz; e Ele entende muito bem que o espírito de abnegação e de amor para com os outros é a mais segura fonte de felicidade que pode ser encontrada no peito humano. Aquele que vive para si mesmo é infeliz. Quem unicamente se regozija no prazer egoísta, não tem senão limitados canais para sua felicidade; mas quem se deleita em fazer aos demais felizes, e quem se deleita em glorificar a Deus, e pode negar sua própria carne e seus próprios desejos para honrar ao seu Senhor e bendizer ao mundo, esse é o homem feliz; e como Deus se deleita na felicidade resultante, por isso se deleita em dar com alegria, que é a causa.
Além disso, Deus se deleita naquele que dá com alegria, porque em tal crente Ele vê a obra de Seu Espírito. Requer-se muita graça para converter os homens em doadores alegres. Com alguns, a última parte de sua natureza que chega à santificação é o seu bolso. A graça de Deus abre caminho na moralidade de seu negócio e nas atividades da casa, mas essas pessoas não parecem reconhecer que a riqueza deve ser consagrada tanto como seu coração.
Amados, eu sei que há alguns membros do povo de Deus que consideram de maneira muito sagrada tudo o que possuem, como algo que não é próprio, e que, não como uma teoria, mas sim como um assunto de prática diária, fazem dinheiro para Cristo, e dão dinheiro a Cristo e nunca estão tão felizes como quando podem fazer algo mais do que estão acostumados a fazer para adiantar Seu reino de acordo à sua capacidade. Todavia, por outro lado, há outros de um temperamento totalmente diferente, nos quais a graça de Deus golpeou forte antes de obter uma resposta; que sabem muito bem o que deveriam fazer, mas acham que o fecho de sua bolsa é difícil de abrir, e os dedos utilizados para dar estão quase paralisados; sendo que, realmente, quando chegam a dar um centavo, parece-lhes um esforço tão grande de abnegação como quando outros que, de acordo a sua proporção, deram muito mais.
Porém, o Senhor não gosta de ver que Seu povo acaricia o mundo desta maneira. Ele gosta de ver que superaram os elementos terrenos, que estão chegando a amar o espiritual mais que o carnal, a amá-Lo acima deles mesmos, e a buscar os tesouros que estão no céu e não os tesouros que estão na terra. Estou certo de que o Espírito de Deus se contrista quando vê que os que foram comprados com o sangue vão atrás do dinheiro igual aos que pertencem ao mundo.
O Espírito se contrista e, com frequência, retira sua influência consoladora quando vê Seus servos caindo ao nível torpe, morto e embrutecido dos homens do mundo, cujo clamor é: “O que comeremos, ou o que beberemos, ou o que vestiremos?” Ele quer que Seu povo busque primeiro o Seu reino e a Sua justiça. Ele quer que se deleitem n’Ele, e não nas criaturas que definham a carne e o sangue. Ele quer que bebam de ribeiros mais puros que os rios lodosos da terra. Ele quer que busquem riquezas melhores do que esses tesouros egípcios que perecem com o uso, e dos quais nos separaremos muito em breve.
No entanto, há uma razão pela qual Deus ama ao que dá com alegria, a qual devo considerar com mais detalhes, a dizer, porque Ele mesmo dá com alegria. O homem ama geralmente o que é semelhante a ele mesmo. Nós nos gratificamos dessa maneira. Geralmente, nossos afetos se encaminham para um objeto que é de alguma forma consistente com nosso próprio caráter. Agora, o Senhor é o mais alegre de todos os doadores. Quero que pensem nisso por um momento. “Aquele que não poupou nem a seu próprio Filho.” Oh, que dom foi esse! Mães, vocês poderiam dar seus filhos? Pais, vocês poderiam não poupar seus filhos? Bem, talvez pudessem fazê-lo por seu país, mas não poderiam fazê-lo por seus inimigos.
Mas Deus, aquele que dá com alegria, não poupou nem a Seu próprio Filho, entregando-o por todos nós, como diz a palavra. E desde então, que doador alegre tem sido! Deu-nos sem que fosse necessário pedir a Ele. Nós não Lhe pedimos que fizesse o pacto da graça. Não Lhe pedimos que nos escolhesse. Não Lhe pedimos que nos redimisse. Todas estas coisas foram feitas antes que nós nascêssemos. Não Lhe pedimos que nos chamasse por Sua graça, pois, não conhecíamos o valor desse chamado, e estávamos mortos em nossos delitos e pecados, mas Ele nos deu livremente por esse amor ilimitado que nós nem havíamos buscado. A graça que previne veio a nós, superando em velocidade a todos os nossos desejos, inclinações e orações. Primeiro, ela nos fez orar; deu-nos o espírito de súplica, pois do contrário nunca teríamos orado. Ele nos deu a vontade de vir a Ele, pois do contrário teríamos permanecido afastados. Então Ele foi um doador alegre para nós.
E quando nos aproximamos d’Ele com nossos corações quebrantados, quão alegremente nos concedeu o perdão! Como correu e teve compaixão de nós, nos abraçando e beijando! Quão alegremente nos conduziu ao banquete com músicas e danças, pois Seu filho que era morto, reviveu, e o que se havia perdido, fora encontrado!
“Muitos dias passaram desde então,
Muitas mudanças nós vimos,”
Mas não houve nenhuma mudança n’Ele, pois sempre foi um doador alegre. Temos necessitado da Sua graça diariamente, e Ele tem nos proporcionado com liberalidade, sem nos reprovar. Quando pedimos a Ele um ovo, nunca nos deu um escorpião; quando pedimos pão, nunca nos deu pedra. Ele nos deu Seu Santo Espírito.
Oh, a generosidade de Deus na providência para alguns de nós! Não faz muito tempo, éramos muito pobres, mas a Ele lhe agradou dar-nos tudo o que houvéssemos podido desejar. Alguns presentes aqui estiveram enfermos, e se perguntaram sobre o que aconteceria com suas pequenas famílias para as quais eram o único sustento; mas Deus, que dá com alegria, os proveu, os restabeleceu, e os enviou novamente a seus trabalhos, cheios de saúde e força. Outros experimentaram caminhos estreitos, mas os braços eternos os sustiveram, e ainda que os leõezinhos necessitem e tenham fome, contudo vocês, tendo buscado o Senhor, não tiveram falta de nenhum bem. Ele dá com alegria.
Ah, pobres pecadores, vocês que não são salvos, quisera eu que vocês soubessem o quanto Deus se compraz em dar de Sua misericórdia. Ele é o doador mais alegre do universo. Não pensem que Ele poupará algo a vocês. Se vocês vêm até Ele buscando o perdão do pecado, Ele está pronto para perdoá-los abundantemente. Se buscarem Seu rosto, não terão que gritar como se Ele estivesse surdo ou não os quisesse escutar. Ele ouvirá os gritos do penitente; Ele prestará atenção aos desejos daqueles que abandonam seus pecados e encontram a Cristo. Se vocês simplesmente confiam no Senhor Jesus, descobrirão que Ele é o mais alegre doador e o melhor amigo que jamais sonharam.
Irmãos e irmãs, logo descobriremos que Deus é um doador alegre. Alguns de nossos amigos O conheceram desta forma durante esta semana. Eles rogaram, pois se encontravam enfermos, para que Ele os sustentasse. Então, Deus fez a cama deles na enfermidade, e os sustentou com Seus amáveis braços; e logo, pediram a Ele que lhes desse uma abundante entrada ao reino de Seu amado Filho, e Ele lhes concedeu. Ele os ajudou para que dessem testemunho de Sua fidelidade. Deus lhes abriu as portas que eram pérolas; não lhes negou as harpas de ouro, nem o trono do próprio Cristo, senão que, como um doador alegre, deu as boas-vindas a Seu banquete eterno, a Seu pobre povo cansado e o fez sentar à Sua destra.
O mesmo Ele fará conosco, pois Ele é um doador alegre, e quer que Seu povo seja assim, pois naqueles que são semelhantes a Ele, Ele se vê a Si mesmo em miniatura: da maneira que o sol se vê a si mesmo em cada gota de orvalho, e os céus são refletidos em cada charco. Oh, que Deus nos conceda graça para que sejamos no futuro doadores mais alegres do que fomos no passado!
Charles Haddon Spurgeon
Enviado por Silvio Dutra Alves em 04/08/2013