Soberania e Salvação – Parte 1
por Charles Haddon Spurgeon
“Olhai para mim, e sereis salvos, vós, todos os termos da terra, porque eu sou Deus, e não há outro.” Isaías 45:22.
Há seis anos atrás, quase nesta mesma hora do dia, me encontrava “em fel de amargura e em laços de iniquidade.” Contudo, pela graça divina, já tinha sido conduzido a sentir a amargura dessa servidão, e a clamar em razão da maldade dessa escravidão. Buscando o descanso sem encontrá-lo, entrei na casa de Deus e me sentei ali, temendo que, se levantasse o olhar, poderia ser cortado e consumido completamente por Sua severa ira. O ministro subiu ao púlpito e, da mesma forma como acabo de fazer, leu este texto: “Olhai para mim, e sereis salvos, vós, todos os termos da terra, porque eu sou Deus, e não há outro.” Eu olhei no mesmo instante e a graça da fé me foi outorgada ali; e agora creio que posso afirmar verdadeiramente:
“Desde que pela fé vi a torrente,
Que é alimentada por Suas feridas sangrentas,
O amor redentor foi meu tema,
E assim será até que morra.”
Nunca esquecerei esse dia, enquanto conservar minha memória; tão pouco poderei deixar de repetir este texto cada vez que me lembrar daquele momento, quando conheci pela primeira vez para o Senhor. Foi um encontro surpreendentemente cheio de graça! E agora é uma experiência portentosa e maravilhosa para quem ouviu estas palavras faz tão pouco tempo, para proveito de sua própria alma, que eu possa dirigir-me a vocês hoje, como ouvintes do mesmo texto, com a plena esperança e confiança que algum pobre pecador, dentro destas paredes, ouça também para si, as boas novas de salvação, e que hoje, 6 de Janeiro, possa “lhes abrires os olhos, e das trevas os converteres à luz, e do poder de Satanás a Deus.”
Se estivesse dentro do alcance da capacidade humana, conceber um tempo no qual Deus morava só, sem Suas criaturas, teríamos então uma das ideias mais grandiosas e estupendas de Deus. Houve uma época quando o sol ainda não havia percorrido ainda sua rota, nem havia começado a projetar seus dourados raios através do espaço para alegrar a terra. Houve uma era na qual nenhuma estrela brilhava no firmamento, pois não havia nenhum mar azul no qual pudesse flutuar. Houve um tempo em que não existia nada do que agora contemplamos do grandioso universo de Deus, ainda não havia nascido ainda, mas dormia, incriado e inexistente, na mente de Deus; contudo, Deus existia e Ele era “sobre todos, Deus bendito eternamente.” Ainda que nenhum serafim cantasse os hinos de Seu louvor; ainda que nenhum querubim de asas potentes se apressasse como o raio para cumprir Suas ordens; ainda que Ele não tivesse um séquito, se sentava como um rei em seu trono, Deus todo poderoso, a ser para sempre adorado: o Augusto Supremo morava sozinho na vasta imensidão em solene silêncio, fazendo das plácidas nuvens Seu dossel, e a luz de Seu próprio rosto formava o brilho de Sua glória.
Deus era, e Deus é. Desde o princípio Deus era Deus; antes que os mundos tivessem um princípio, Ele era “de eternidade a eternidade.” Mas quando lhe agradou criar as Suas criaturas, vocês não creem que essas criaturas deveriam permanecer infinitamente abaixo d’Ele? Se vocês fossem oleiros e projetassem um navio em uma roda, crêem que essa peça de barro poderia exigir uma igualdade de condição com vocês? Não, mas estariam a uma grande distância, já que vocês teriam sido em parte seus criadores.
Assim, quando o Todo Poderoso formou Suas criaturas, por acaso não foi um consumado atrevimento que se aventurassem a se comparar por um só instante com Ele? Contudo, esse arquiinimigo, esse líder dos rebeldes, Satanás, buscou elevar-se ao trono de Deus nas alturas, para logo descobrir que sua meta era demasiado elevada, e que o próprio inferno não era suficientemente profundo para escapar da vingança divina. Ele sabe que Deus é o “único Deus.” Desde que o mundo foi criado, o homem imita a Satanás; a criatura de um dia, a coisa efêmera de uma hora, buscou igualar-se ao Eterno. Por esta razão, um dos objetivos do grandioso Jeová sempre foi ensinar à humanidade que Ele é Deus, e não há outro. Esta é a lição que Ele tem estado ensinando ao mundo desde que o mundo se extraviou. Tem estado ocupado em derrubar os lugares altos, em exaltar os vales, em humilhar as imaginações e os olhares altivos, para que todo o mundo possa:
“Saber que só o Senhor é Deus,
Que pode criar e pode destruir.”
Nesta manhã tentaremos mostrar-lhes, em primeiro lugar, como Deus tem estado ensinando ao mundo esta grandiosa lição: que Ele é Deus, e não há outro; e logo, em segundo lugar, a maneira especial na qual quer ensinar esta lição com relação à salvação: “Olhai para mim, e sereis salvos, vós, todos os termos da terra, porque eu sou Deus, e não há outro.”
I. Em primeiro lugar, então, COMO DEUS TEM ENSINADO ESTA LIÇÃO À HUMANIDADE?
Nós respondemos que em primeiro lugar ensinou aos deuses falsos, e aos idólatras que se inclinam diante deles. O homem, em sua perversão e pecado, estabeleceu que um pedaço de madeira e pedra seja seu criador, e se inclinou diante dele. Moldou para si, entalhando-a de uma árvore frondosa, uma imagem feita à semelhança de homem mortal, ou dos peixes do mar, ou das criaturas que se arrastam sobre a terra, e prostrou seu corpo e também sua alma diante dessa criatura saída de suas próprias mãos, chamando-a de Deus, ainda que não tivesse nem olhos para ver, nem mãos para segurar, nem ouvidos para ouvir!
Mas como derramou Deus Seu desprezo sobre os antigos deuses dos pagãos. Onde estão eles agora? Por acaso são sequer conhecidos? Onde estão essas deidades falsas diante de quem se prostravam as multidões de Nínive? Perguntem às toupeiras e aos morcegos que são seus companheiros; ou perguntem aos montes de areia sob os quais estão enterrados; ou sigam por onde o visitante ocioso caminha por todo o museu, contemplando-os como curiosidades, e sorrindo ao pensar que existiram homens que se inclinavam diante de deuses como esses.
E, onde estão os deuses da Pérsia? Onde estão? Os fogos estão apagados e o adorador do fogo quase desapareceu da terra. Onde estão os deuses da Grécia: esses deuses adornados com poesia, e celebrados nas mais sublimes odes? Onde estão? Desapareceram. Quem os menciona agora, a não ser como coisas do passado? Júpiter: por acaso alguém se inclina diante dele? E, quem adora a Saturno? Todos eles passaram e estão esquecidos. E, onde estão os deuses de Roma? Acaso Jano governa no templo? Alimentam as virgens vestais seus fogos perpétuos? Ainda há alguém que se incline diante desses deuses? Não, eles perderam seus tronos.
E, onde estão os deuses das Ilhas dos Mares do Sul: esses demônios sangrentos diante dos quais desventuradas criaturas prostravam seus corpos? Todos eles estão quase extintos. Perguntem aos habitantes da China e da Polinésia, onde estão os deuses diante dos quais se inclinavam. Perguntem, e o eco que repete, será sua única resposta: perguntem, e perguntem novamente. Eles foram derrubados de seus tronos; foram lançados de seus pedestais; seus carros estão destroçados, seus cetros foram consumidos pelo fogo, e suas glórias se foram; Deus obteve a vitória sobre os falsos deuses, e ensinou a seus adoradores que Ele é Deus, e não há outro.
Há deuses que ainda são adorados, ou há ídolos diante dos quais se inclinam as nações? Esperem somente um pouco de tempo, e os verão cair. Cruel Carro Monstro Destruidor, cujo carro esmaga em seu movimento os insensatos que se lançam diante dele, logo será objeto de escárnio; e os ídolos mais notáveis, tais como Buda, Brahma e Vishnu, cairão por terra, e os homens os pisarão como o lodo das ruas; pois Deus ensinará a todos os homens que Ele é Deus, e não há outro.
Observem, também, como Deus ensinou esta verdade aos impérios.
Os impérios surgiram e se converteram nos deuses de sua época; seus reis e seus príncipes assumiram títulos elevados, e foram adorados por multidões de pessoas. Mas perguntem aos impérios se além de Deus, há mais alguém. Não podem escutar o solilóquio altivo da Babilônia: “Eu estou sentada como rainha, e não sou viúva, e nunca verei pranto;” E não pensem agora que se caminham sobre a Babilônia em ruínas, encontrarão algo, exceto o espírito solene da Bíblia, de pé como um profeta de cabelos grisalhos pela idade, dizendo-lhes que há um só Deus, e não há outro.
Vai à Babilônia, coberta de areia, a areia de suas próprias ruínas; Fiquem sobre os montes de Nínive, e escutem como uma voz se eleva: “Há um só Deus, e os impérios afundam diante d’Ele; há uma só potestade, e os príncipes e os reis da terra com suas dinastias e tronos são esmagados pela planta de Seu pé.” Vão, e sentem-se no templo da Grécia; vejam ali as arrogantes palavras que uma vez foram pronunciadas por Alexandre; mas agora, onde está ele, e onde está também seu império? Sentem-se nos arcos em ruínas da ponte de Cartago, ou caminhem dentro dos desolados teatros de Roma, e ouvirão uma voz levada pelo vento selvagem em meio às ruínas: “Eu sou Deus, e não há outro.” “Oh, cidade, tu te chamavas eterna; Eu fiz com que te derretas como orvalho. Tu disseste: ‘eu estou sobre sete colinas, e permanecerei para sempre;’ Eu te esmaguei e agora és um lugar miserável e desprezível, comparado com o que antes foste. Uma vez foste uma pedra, mas te fizeste mármore; eu te tornei pedra novamente, e te humilhei.” Oh, como tem ensinado Deus às monarquias e aos impérios que se estabeleceram como novos reinos celestiais, que Ele é Deus, e não há outro!
E também: como Ele ensinou esta grande verdade aos monarcas! Alguns que foram muito orgulhosos tiveram que aprender de uma maneira mais dura que outros. Vejam, por exemplo, a Nabucodonosor. Sua cabeça mostra uma coroa, e sobre seus ombros leva um manto de púrpura; caminha ao longo da insolente Babilônia, dizendo: “Não é esta a grande Babilônia que eu edifiquei?” Vocês vêem essa criatura lá no campo? É um homem. “Um homem?” você pergunta; seu cabelo cresceu como penas de águia, e suas unhas são como as das aves; caminha sobre quatro patas, e come pasto como os bois; foi lançado de entre os homens. Esse é o monarca que perguntou: “Não é esta a grande Babilônia que eu edifiquei?” Mas logo foi restabelecido o palácio da Babilônia, para que pudesse “bendizer ao Altíssimo que pode humilhar aos que andam com soberba.”
Recordem outro monarca. Olhem para Herodes. Ele se senta no meio de seu povo, e fala. Escutam seu ímpio clamor? Eles gritam: “Voz de Deus, e não de homem!” O orgulhoso monarca não glorifica a Deus; se constitui em deus e parece sacudir as esferas celestes, imaginando-se divino. Mas um verme se arrasta para o interior de seu corpo, e outro mais, e outro, e antes que o sol se oculte, é comido pelos vermes. Ah Monarca! Pensaste que eras um deus, e os vermes te comeram! Pensaste que eras mais que homem; e, o que és? Menos que homem, pois os vermes te consomem e és presa da corrupção. Assim humilha Deus ao orgulhoso; assim abate ao poderoso.
Poderíamos dar-lhes exemplos tomados da história moderna; mas a morte de um rei seria mais que suficiente para ensinar esta lição, se os homens quisessem aprendê-la. Quando os reis morrem e são levados à tumba com pompas fúnebres, estamos aprendendo a lição: “Eu sou Deus, e não há outro.” Quando ouvimos sobre revoluções e da queda de impérios; quando vemos que tremem as velhas dinastias e os monarcas de cabelos grisalhos são depostos de seus tronos, então é que Jeová aparece por Seu pé sobre a terra e o mar, e com Sua mão no alto clama: “Ouçam, todos os moradores do mundo! Vocês não são mais que lagostas; ‘Eu sou Deus, e não há outro.”
Além disso, nosso Deus teve que fazer muito para ensinar esta lição aos sábios deste mundo; pois assim como a posição, a pompa, e o poder se colocam no lugar de Deus, também a sabedoria o fez; e um dos piores inimigos da Deidade tem sido sempre a sabedoria do homem. A sabedoria do homem não quer ver a Deus. Professando ser sábios, os homens sábios se converteram em néscios. Mas, acaso não observaram, ao ler a história, como Deus abateu a arrogância da sabedoria? Em épocas remotas, Ele enviou mentes poderosas ao mundo, que idealizaram sistemas de filosofia. “Estes sistemas,” afirmaram eles, “permanecerão para sempre.” Seus alunos os consideraram infalíveis, e, portanto registraram suas expressões em pergaminhos duradouros, dizendo: “Este livro permanecerá para sempre; gerações sucessivas de homens o lerão, e, até o último homem, este livro será transmitido como o compêndio da sabedoria.” “Ah!” disse Deus, “mas esse livro será considerado uma loucura antes que tenham transcorrido outros cem anos.” E assim, os poderosos pensamentos de Sócrates, e a sabedoria de Solom, estão completamente esquecidos agora; e se pudéssemos escutá-las, o menino mais jovem de qualquer de nossas escolas fundamentais, riria ao pensar que entende mais de filosofia do que eles.
Mas quando o homem descobriu a vaidade de um sistema, de imediato seus olhos se deslumbraram diante do seguinte; se Aristóteles não é suficiente, temos a Bacon; se diz a si mesmo: ‘agora saberei tudo’; e se põe a trabalhar, e afirma que esta nova filosofia durará para sempre. Coloca, uma sobre a outra, suas pedras de formosas cores, e pensa que cada verdade que amontoa é uma preciosa verdade não perecível. Mas, ai, chega outro século, e se descobre que é, “madeira, feno, e palha.” Se levanta uma nova seita de filósofos que refutam a seus predecessores. Da mesma maneira temos sábios em nossos dias: sábios segundo o mundo, e pessoas semelhantes, que imaginam que alcançaram a verdade; mas dentro de outros cinquenta anos – e escutem bem minhas palavras – meu cabelo não terá embranquecido ainda, antes que o último indivíduo dessa raça tenha perecido, e esse homem seja considerado um louco por ter sustentado as crenças do grupo.
Os sistemas de infidelidade passam como gotas de orvalho sob o sol; pois Deus diz: “Eu sou Deus, e não há outro.” A Bíblia é a pedra que transformará a filosofia em pó; é o aríete que despedaçará todos os sistemas filosóficos; é a pedra que uma mulher pode lançar sobre a cabeça de cada Abimeleque, e será destruído por completo. Oh, Igreja de Deus, não temas; tu farás maravilhas; os sábios serão confundidos, e tu saberás, e eles também, que Ele é Deus, e não há outro.
“Certamente,” alguém dirá, “a igreja de Deus não necessita que se ensine isto.” Nós respondemos que sim, necessita, pois de todos os seres, aqueles a quem Deus fez objeto de Sua graça, são, talvez, os mais inclinados a esquecerem desta verdade cardinal: que Ele é Deus, e não há outro. Como esqueceu a igreja de Canaã, quando se inclinaram diante de outros deuses, e por essa razão Deus trouxe contra eles reis e príncipes poderosos, e os afligiu mui dolorosamente. Como esqueceu Israel! E Ele os levou cativos à Babilônia. E o que Israel fez em Canaã, e na Babilônia, isso fazemos nós agora. Nós também, com demasiada frequência, esquecemos que Ele é Deus, e não há outro.
Acaso o cristão não sabe o que quero dizer, quando menciono este importante feito? Acaso não fez ele o mesmo alguma vez? Em determinadas épocas a prosperidade o visitou, e suaves brisas impulsionaram seu barco, exatamente ao lugar para onde queria dirigir-se sua indômita vontade; e disse para si: “agora tenho paz, agora sou feliz, agora o objeto que desejava está a meu alcance, agora direi: alma, senta-te e repousa; come, bebe, regozija-te, pois estas coisas te farão contente; converte-as em teu deus; sê próspero e feliz.” Mas, não vimos nosso Deus jogar a taça no chão, derramar o doce vinho e em seu lugar enchê-la de fel? E ao entregar-nos a taça, nos disse: “Bebe, bebe: pensaste encontrar um deus na terra, mas bebe rápido e conhece sua amargura.” Quando bebemos da taça, nos damos conta que o trago é nauseabundo, e exclamamos: “Ah, Deus, não beberei mais estas coisas; Tu és Deus, e não há outro.”
E, ah, quão frequentemente temos traçado esquemas para o futuro, sem pedir permissão a Deus! Os homens disseram como esses loucos que Tiago menciona: “Hoje e amanhã iremos a tal cidade, e lá passaremos um ano, e contrataremos, e ganharemos.” Mas eles não sabiam o que seria o amanhã, pois muito antes que viesse a manhã não puderam nem vender nem comprar: a morte os havia reclamado, e um pequeno palmo de terra continha todos seus restos mortais.
Deus ensina Seu povo a cada dia, por meio da enfermidade, da aflição, da depressão espiritual, do abandono de Deus, da perda do Espírito por um tempo, e da falta de alegria em seu rosto: ensina que Ele é Deus, e não há outro. E não devemos esquecer que há alguns servos especiais de Deus, levantados para grandes obras, que devem aprender esta lição de maneira especial. Por exemplo, vejamos um homem chamado à grandiosa obra de pregar o Evangelho. Tem êxito; Deus o ajuda; milhares de pessoas aprendem aos seus pés, e multidões estão pendentes de seus lábios; tão certo como é humano, terá uma tendência a ser exaltado sem medida, e começará a se olhar demasiado, e olhar muito pouco para Deus. Que os homens que conhecem sejam os que falem, e que digam o que sabem; e eles dirão: “é certo, é muito certo.” Se Deus nos dá uma missão especial, geralmente começamos a dar-nos honra e glória a nós mesmos. Mas ao considerar os eminentes santos de Deus, por acaso não se deram conta, como Deus os levou a sentir que Ele é Deus, e não há outro? O pobre Paulo poderia ter se considerado um deus, e poderia ter exultado com sucesso, em razão da grandeza de sua revelação, se não tivesse recebido um aguilhão em sua carne, e os deuses não podiam ter aguilhões em sua carne.
Algumas vezes Deus ensina ao ministro negando-lhe a ajuda em ocasiões especiais. Às vezes subimos ao púlpito, e dizemos: “Oh, que eu tivesse um bom dia hoje!” E começamos a esforçar-nos; temos sido mui ardentes e incansáveis em nossa oração; mas somos semelhantes ao cavalo que tem os olhos vendados para dar voltas no moinho, ou como Sansão com Dalila: sacudimos nossas vãs extremidades com grande surpresa, “apresentamos um débil combate,” e não obtemos nenhuma vitória. Somos conduzidos a ver que o Senhor é Deus, e não há outro.
Mui frequentemente, Deus ensina isto ao ministro levando-o ao ponto de ver sua própria natureza pecaminosa. Terá tal discernimento sobre seu próprio coração perverso e abominável, que sentirá, quando suba ao púlpito, que não merece nem sequer sentar-se em um dos bancos da igreja, e muito menos pregar a seus companheiros. Ainda que sempre sentimos gozo ao declarar a Palavra de Deus, contudo, sabemos o que é vacilar ao subir os degraus do púlpito, sob a sensação que o primeiro entre os pecadores não deveria ter permissão para pregar aos demais.
Ah, amados, não creio que alguém tenha êxito como ministro, se não é levado às profundidades e trevas de sua própria alma, a ponto de ter que exclamar: “A mim, que sou menos que o menor de todos os santos, me foi dada esta graça de anunciar entre os gentios o evangelho das inescrutáveis riquezas de Cristo.”
Há outro antídoto que Deus aplica no caso dos ministros. Se não os trata de maneira pessoal, Ele levanta um exército de inimigos para que se possa ver que Ele é Deus, e somente Deus. Um estimado amigo me enviou ontem um valioso manuscrito de um dos hinos de George Whitefield, que foi cantado em Kennington Common. Trata-se de um esplêndido hino, completamente ao estilo de Whitefield do princípio ao fim. Mostra que sua confiança descansava inteiramente no Senhor, e que Deus estava no seu interior. Como se sujeitaria um homem às calúnias da multidão; como se afanaria e trabalharia cada dia desnecessariamente; como subiria ao púlpito cada domingo para pregar o Evangelho, e se exporia a que seu nome fosse caluniado e difamado, se não tivesse nele a graça de Deus? Quanto a mim, posso dizer que se não fosse porque o amor de Cristo me constrange, este momento seria minha última pregação, no relativo à comodidade de fazê-lo. “Ai de nós se não anunciarmos o evangelho, porque nos é imposta essa obrigação!”
Mas a oposição através da qual Deus conduz a Seus servos, os faz ver de uma vez que Ele é Deus, e não há outro. Se todos aplaudissem, se todos fossem gratificados, pensaríamos que somos Deus; mas quando se burlam e insultam, nos voltamos para nosso Deus, e clamamos:
“Se em meu rosto, por causa de Teu amado nome,
Me açoitam a vergonha e a repreensão,
Aclamarei a repreensão,
e darei as boas-vindas à vergonha,
Sempre e quando Tu te lembres de mim.”
Charles Haddon Spurgeon
Enviado por Silvio Dutra Alves em 07/08/2013