Legado Puritano
Quando a Piedade Tinha o Poder
Textos
Deus Conosco – Parte 1
por Charles Haddon Spurgeon

“E chamá-lo-ão pelo nome de Emanuel, que traduzido é: Deus conosco.” (Mateus 1: 23)

Essa palavra, “traduzido,” é uma doce saudação para meu ouvido. Por que é necessário que a palavra em hebraico “Emanuel,” seja traduzida? Por acaso não foi para mostrar que se refere também a nós os gentios e, portanto, necessariamente deve ser traduzida a um dos principais idiomas do mundo gentio daquele tempo, ou seja, o grego? Esta palavra “traduzido” usada no nascimento de Cristo, e os três idiomas empregados no título que puseram sobre a cruz em Sua morte, mostram que Ele não é unicamente o Salvador dos judeus, mas o é dos gentios também.
Caminhando pelos molhes de Marselha, observava os barcos reunidos no porto, procedentes de todas as nações, e me interessei muito pelas inscrições que vi sobre as oficinas e as lojas. Os anúncios de refrescos ou de bens em geral que se podiam comprar ali, não estavam somente escritos em francês, mas também em inglês, em italiano, em alemão, em grego, e às vezes em russo e em sueco. Nas oficinas dos fabricantes de velas, dos construtores de barcos, dos comerciantes de ferro, ou dos distribuidores nas lojas de barcos, você podia ler um anúncio poliglota, expondo a informação a homens de diversas terras. Esta era uma clara indicação que pessoas de todas as nações estavam convidadas a entrar e comprar. Esperava-se que viessem, e se lhes informava que suas necessidades peculiares podiam ser satisfeitas.
“Traduzido” deve significar que diferentes nações estão envolvidas. Temos o texto expresso primeiro em hebraico “Emanuel,” e logo é traduzido para a língua gentia, “Deus conosco;” “sendo interpretado,” para que saibamos que somos convidados, que somos bem-vindos, que Deus viu nossas necessidades e proveu para elas, e que agora podemos vir livremente, inclusive nós, que éramos pecadores pertencentes aos gentis, e que estávamos muito distanciados de Deus. Preservemos ambas as formas do precioso nome com amor reverente, e esperemos o feliz dia em que nossos irmãos judeus unam seu “Emanuel” com nosso “Deus conosco.”
Nosso texto fala de um dos nomes do nosso Senhor Jesus. Diz, “E chama-lo-ão pelo nome de Emanuel.” Nestes dias colocamos em nossos filhos, nomes que não tem nenhum significado em particular. Talvez sejam os nomes do pai ou da mãe ou de algum parente respeitado, mas como regra geral, os nomes de nossos filhos não tem um significado em especial. Não sucedia assim nos tempos antigos. Naquele tempo os nomes significavam algo. Os nomes que aparecem na Escritura, como uma regra geral, contém um ensinamento, e este é o caso especial de cada nome atribuído ao Senhor Jesus. Em relação a Ele, os nomes indicam coisas. “E se chamará o seu nome: Maravilhoso, Conselheiro, Deus Forte, Pai da Eternidade, Príncipe da Paz,” porque realmente Ele é todas essas coisas. Seu nome é chamado Jesus, mas não sem um motivo. Com qualquer outro nome, Jesus não seria tão doce, pois nenhum outro nome poderia descrever adequadamente Sua grandiosa obra de salvar Seu povo de seus pecados. Quando é dito d’Ele, que é chamado isto ou aquilo, significa realmente que o é. Não estou consciente que em nenhuma outra parte do Novo Testamento, nosso Senhor seja chamado outra vez de Emanuel. Não identifico que Seus apóstolos nem nenhum de Seus discípulos O chamem literalmente com esse nome; mas descobrimos que de fato todos eles o fazem, pois falam d’Ele como “Deus manifestado em carne,” e dizem, “E o Verbo se fez carne, e habitou entre nós – e vimos a sua glória, glória como do unigênito do Pai – cheio de graça e de verdade.” Eles não usam exatamente essa palavra especifica, mas a interpretam com frequência e nos fornecem traduções livres e instrutivas, quando proclamam o sentido do augusto título e nos informam de diversas maneiras o que significa que Deus esteja conosco na pessoa do Senhor Jesus. É um glorioso fato da mais alta importância, que devido a que Cristo nasceu no mundo, Deus está conosco.
Podem dividir o texto, se querem, em duas porções: “Deus”, e logo “Deus conosco.” Devemos refletir com igual ênfase em cada palavra. Não duvidemos nem por um momento da Deidade de nosso Senhor Jesus Cristo, pois a Sua Divindade é uma doutrina fundamental da fé cristã. Pode ser que nunca entendamos plenamente como Deus e o homem possam unir-se em uma pessoa, pois quem pode encontrar a Deus mediante a investigação? Estes grandes mistérios da piedade, estas coisas que representam “ainda as profundezas de Deus,” estão além de nossa medida: nosso pequeno barquinho poderia perder-se se nos aventurássemos tão longe neste vasto e infinito oceano, como para perder de vista a costa da verdade claramente revelada. Que permaneça como assunto de fé que Jesus Cristo, aquele que nasceu em um presépio em Belém, e foi carregado pelos braços de uma mulher, e viveu uma vida de sofrimento e morreu sobre uma cruz de malfeitor, foi, contudo, “…o qual é sobre todos, Deus bendito eternamente,” “e sustentando todas as coisas pela palavra do seu poder.” Ele não era um anjo; o apóstolo o demonstrou abundantemente no primeiro e segundo capítulos da Epístola aos Hebreus: não poderia ter sido um anjo, pois a Ele são dispensadas honras que nunca foram reconhecidas aos anjos.
Ele não era uma divindade subordinada, ou um ser elevado à Deidade, como alguns supuseram absurdamente. Todas estas coisas são sonhos e falsidades; Ele tão certamente foi Deus como só Deus pode sê-lo, um com o Pai e o sempre bendito Espírito. Se assim não fosse, não somente a grande fortaleza de nossa fé desapareceria, como também, relativamente a este texto, sua doçura se evaporaria completamente. A própria essência e glória da encarnação é que Ele é Deus que foi coberto com o véu de carne humana: se houvesse sido qualquer outro ser que viesse a nós em carne humana, não se veria nada notável nele, nem, certamente, nada que nos consolasse. Que um anjo se converta em um homem não é um assunto de grandes consequências para mim: que algum outro ser superior assuma a natureza de homem, não traz gozo a meu coração, nem abre um poço de consolo para mim. Mas “Deus conosco” é um raro deleite. “Deus conosco“: tudo o que “Deus” significa: a Deidade, o infinito Jeová conosco; isto, isto é digno do soar do cântico da meia-noite, quando os anjos surpreenderam os pastores com seus corais, cantando “Glória a Deus nas alturas, Paz na terra, boa vontade para com os homens!” Isto foi digno do conhecimento antecipado dos videntes e dos profetas, digno de uma nova estrela nos céus, digno do cuidado que a inspiração manifestou para preservar o registro. Isto também foi digno das mortes por martírio dos apóstolos e dos confessores que não consideraram valiosas suas vidas por causa do Deus encarnado; e isto, meus irmãos, o dia de hoje é digno de seus melhores esforços para difundir as boas novas, digno de uma vida santa para demonstrar seu poder consolador.
Aqui temos a primeira verdade de nossa santa fé: “E, sem dúvida alguma, grande é o mistério da piedade: Deus se manifestou em carne.” Ele que nasceu em Belém é Deus, e “Deus conosco.” “Deus conosco”: aí se encontra a majestade; “Deus conosco“: aí se encontra a misericórdia. Deus: aqui há glória; “Deus conosco“: aqui há graça. Deus somente, poderia encher-nos de terror; mas “Deus conosco” nos inspira esperança e confiança. Tomem meu texto como um todo, e levem-no com vocês como uma generosa porção de doces especiarias que perfumem seus corações com paz e gozo. Que o Espírito Santo lhes abra para a verdade, e abra a verdade para vocês. Com muita alegria lhes direi nas palavras de um de nossos poetas:
“Com o véu da carne vejam a Deidade;
Salve, a Deidade encarnada!
Lhe agradou como homem aparecer aos homens,
Jesus nosso Emanuel aqui.”
Primeiro, admiremos esta verdade; em seguida, consideremo-la com maior acuidade; e depois disso, esforcemo-nos pessoalmente para fazê-la nossa.
I. ADMIREMOS ESTA VERDADE. “Deus conosco.” Coloquemo-nos a uma distância reverente dela, como Moisés ficou retirado quando viu a Deus na sarça e tirou o calçado dos pés, sentindo que o lugar em que pisava era terra santa. Este é um fato maravilhoso, Deus o Infinito, uma vez morou no frágil corpo de um menino, e acampou na forma sofredora de um homem humilde. “Deus estava em Cristo.” “Se despojou a si mesmo, tomando forma de servo, feito à semelhança de homens“.

Observem, em primeiro lugar, a maravilha da condescendência contida neste feito, que Deus, que fez todas as coisas, assumiu a natureza de uma de Suas próprias criaturas. Aquele que existe por Si mesmo se uniu ao ser dependente e subordinado, e que o Todo Poderoso se vinculou ao fraco e ao mortal. No caso que temos diante de nós, o Senhor desceu ao próprio fundo da humilhação, e constituiu uma aliança com uma natureza que não ocupava o lugar principal na escala da existência. Já teria sido uma grande condescendência que o infinito e incompreensível Jeová tivesse assumido a natureza de algum nobre ser espiritual, tal como um serafim ou um querubim; a união do divino com um espírito criado teria sido um abatimento imensurável, mas que Deus fosse um com o homem é muito mais. Recordem que na pessoa de Cristo a humanidade não era meramente espírito vivificante, mas também carne e sangue que sofria, que padeceu fome, e que morreu. Ele tomou para Si toda essa condição material que conforma um corpo, e um corpo, depois de tudo, é somente o pó da terra, uma estrutura formada com os materiais que nos rodeiam. Não há nada em nossa estrutura corporal além daquilo que se pode encontrar na substância da terra em que vivemos. Alimentamo-nos com o que cresce da terra, e quando morremos regressamos ao pó de onde uma vez fomos tirados. Por acaso não é algo estranho que a parte mais comum da criação, a parte mais insignificante, este pó da criação, seja, apesar disso, tomado em união com esse Ser puro, maravilhoso, incompreensível e divino, sobre o qual sabemos tão pouco, e do qual não compreendemos nada? Oh, a condescendência que isso abarca! Deixo para as meditações de seus momentos de quietude. Reflitam nisso com temor reverente. Estou certo que ninguém tem a menor ideia de quão maravilhosa condescendência foi que Deus habitasse desta maneira em carne humana, e que fosse “Deus conosco“.
Contudo, para que seja mais notável, devem recordar que a criatura, cuja natureza Cristo assumiu, era um ser que havia pecado. Posso conceber com maior facilidade que o Senhor assumisse a natureza de uma raça que nunca houvesse caído; mas, eis aqui, a raça humana se rebelou contra Deus e, contudo, Cristo em verdade se fez homem, para livrar-nos das consequências de nossa rebelião, e elevar-nos mais alto que nossa pureza original. “Deus, enviando a seu Filho em semelhança de carne de pecado e por causa do pecado, condenou o pecado na carne.” “Oh, profundidades,” é tudo o que podemos dizer, conforme olhamos e nos maravilhamos diante desta condescendência do amor divino.
Notem a continuação, quando vemos esta maravilha à distância, que milagre de poder temos diante de nós. Vocês pensaram alguma vez no poder manifestado quando o Senhor forma um corpo capaz da união com a Deidade? O Senhor se encarnou em um corpo, que era verdadeiramente um corpo humano, contudo, de alguma forma maravilhosa, estava preparado para suportar que a Deidade morasse n’Ele. O contato com Deus é terrível; “Olhando Ele para a terra, ela treme; tocando nos montes, logo fumegam.” Ele põe Seus pés em Parã, e se derrete, e o Sinai se dissolve em chamas de fogo. Esta verdade estava gravada tão profundamente nas mentes dos primeiros santos, que diziam d’Ele: “Homem nenhum verá a minha face e viverá.” E, contudo, aqui havia uma humanidade que não somente viu a face de Deus, mas também que foi habitada pela Deidade. Que estrutura humana era esta na qual podia habitar a presença de Jeová! “Mas corpo me preparaste.” Este era na verdade um corpo estranhamente formado, algo santo, um produto especial do poder do Espírito Santo. Era um corpo como o nosso, com nervos igualmente sensíveis e músculos prontos para serem exercitados, com cada estrutura formada tão delicadamente como as nossas, e, contudo, Deus estava nesse corpo. Era um frágil barco para suportar tal peso. Oh, homem Cristo, como pudeste suportar a Divindade dentro de Ti! Não sabemos como foi, mas Deus o sabe. Adoremos esta ocultação do Todo Poderoso na debilidade humana, este conter o incontenível, esta localização do Onipresente. Ai, não faço mais que balbuciar! Que são as palavras quando tratamos com uma verdade tão inefável? Basta dizer que o poder divino foi visto maravilhosamente na existência continuada da condição material do corpo de Cristo, que de outra maneira, se teria consumido pelo contato prodigioso com a divindade. Admirem o poder que habitou em “Deus conosco“.
Além disso, quando reflitam sobre o mistério, considerem que emblema de boa vontade deve ser isto para os filhos dos homens. Quando o Senhor se une à humanidade desta maneira ímpar, deve significar algo bom para o homem. Deus não pode ter a intenção de destruir essa raça que desta maneira une em matrimônio com Ele. Um matrimônio como este, entre o homem e Deus, deve significar a paz; a guerra e a destruição nunca são preditas desta maneira. Deus encarnado em Belém, sendo adorado pelos pastores, não agoura outra coisa além de “paz na terra e doce misericórdia.” Oh, vocês que são pecadores, que tremem ao pensar na ira divina, vocês podem levantar suas cabeças com jubilosa esperança de misericórdia e favor, pois Deus está cheio de graça e misericórdia para com essa raça que distingue de tal maneira acima de todas as demais, tomando-a em união com Ele. Tenham ânimo, oh homens nascidos de mulher, e esperem bênçãos inenarráveis “Porque um menino nos nasceu, um filho se nos deu“.
Quando contemplam os rios, facilmente podem identificar de onde procedem, e a terra sobre a qual correram, por sua cor: os rios que fluem das geleiras que se degelam, são reconhecidos imediatamente. Há um texto relativo ao rio celestial que poderão entender se o contemplam sob esta luz: “E MOSTROU-ME o rio puro da água da vida, claro como cristal, que procedia do trono de Deus e do Cordeiro”. Ali, onde o trono é ocupado pela Deidade, e o Mediador designado, o Deus encarnado, o Cordeiro que uma vez sangrou, o rio deve ser puro como cristal, e um rio, não de lava fervente da ira devoradora, mas um rio de água da vida. Olhem para “Deus conosco” e verão que as consequências da encarnação devem ser agradáveis, proveitosas, salvadoras e enobrecedoras para os filhos dos homens.
Rogo a vocês que mantenham seu olhar de admiração, e contemplem Deus conosco uma vez mais, como uma garantia de nossa liberação. Somos uma raça caída, estamos afundados no lodo, estamos vendidos sob o pecado, em servidão e escravidão sob Satanás; mas se Deus vem a nós, e desposa sua natureza, então devemos ser levantados de nossa queda, não pode ser possível que as portas do inferno encerrem aqueles que têm a Deus com eles. Escravos sob o pecado e servos da lei, ouçam a trombeta do Jubileu, pois Ele veio entre vocês, nascido de mulher e nascido sob a lei, que é Deus Poderoso, dado como garantia para livrá-los. Ele é um Salvador grandioso: capaz de salvar, pois é Todo Poderoso, e dado em garantia para fazê-lo, pois se alistou e pôs a armadura para a batalha. O campeão de Seu povo é Aquele que não fracassará nem se desalentará até que a batalha esteja completamente terminada e a vitória seja obtida. Jesus, que desce do céu, é a garantia que levará Seu povo ao céu, e Sua adoção de nossa natureza é o selo de que seremos elevados a Seu trono. Se houvesse sido um anjo a intervir, poderíamos ter alguns temores; se houvesse sido um simples homem, poderíamos ir mais além do medo e nos consumirmos em desespero; mas se é “Deus conosco,” e Deus em verdade tomou a condição humana para uni-la a Ele mesmo, então toquemos “os sinos da glória” e alegremo-nos; virão dias mais brilhantes e felizes; deve haver salvação para o homem e glória para Deus. Aqueçamo-nos sob os raios do Sol da Justiça, que saiu agora para nós, uma luz que ilumine os gentios, e que seja a glória de Seu povo Israel. Desta maneira temos admirado à distância.
Charles Haddon Spurgeon
Enviado por Silvio Dutra Alves em 11/08/2013
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