Deus Conosco – Parte 2
por Charles Haddon Spurgeon
“E chamá-lo-ão pelo nome de Emanuel, que traduzido é: Deus conosco.” (Mateus 1: 23)
II. E, agora, em segundo lugar, aproximemo-nos e CONSIDEREMOS O TEMA COM MAIS DETALHE. Que é isto? Que significa isto, “Deus conosco“? Não pretendo nesta manhã poder expor todo o significado deste breve texto, “Deus conosco“, pois me parece, certamente, que contém a história completa da redenção. Sugere que o homem está sem Deus, e que Deus se afastou do homem por culpa do pecado. Parece que me fala da vida espiritual do homem, quando Cristo vem a Ele, e se forma nele a esperança de glória. Deus tem comunhão com o homem, e o homem volta a Deus, e recebe outra vez a imagem divina como no princípio. Sim, o céu mesmo é “Deus conosco.” Este texto poderia servir para cem sermões diferentes; sim, alguém poderia continuar ponderando seus múltiplos significados, eternamente. Neste momento, somente posso dar-lhes simples sugestões de linhas de pensamento que vocês podem seguir como prefiram, com a ajuda do Espírito Santo.
Esta gloriosa palavra Emanuel significa, primeiro, que Deus em Cristo está conosco em uma associação muito próxima. A partícula grega utilizada aqui é muito vigorosa e expressa a forma mais forte de “com“. Não é simplesmente “em nossa companhia” como o expressaria outra palavra grega, mas “com” “juntamente com” e “compartilhando com”. Esta preposição é um parafuso apertado, um vínculo firme, que implica, se não é que declara, uma comunhão íntima. Deus está íntima e peculiarmente “conosco.” Agora, pensem por um momento, e verão que Deus, por meio de um fato real, se aproximou a nós em uma íntima associação. Deve tê-lo feito, pois assumiu nossa natureza, literalmente nossa natureza: carne, sangue, ossos, tudo o que constitui um corpo; mente, coração, alma, memória, imaginação, juízo, tudo o que torna um homem ser racional.
Jesus Cristo foi o homem dos homens, o segundo Adão, o homem representativo, modelo. Não pensem que Ele é um homem deificado, nem tão pouco devem considerá-lo um Deus humanizado, ou um semideus. Não confundam as naturezas nem dividam a pessoa: Ele é somente uma pessoa, contudo, é homem verdadeiro como também é Deus verdadeiro. Então reflitam esta verdade, e digam, “O que está sentado no trono é como eu, com exceção do pecado.” Não, isto é demasiado para dizê-lo, não falarei disto; é um tema que me dobra, e temo articular expressões temerárias. Examinem a verdade a partir de muitas perspectivas e comprovem que é mais doce que o mel e que o favo.
“Oh gozo! Habita em nossa carne
Sobre um trono de luz,
Alguém nascido de uma mãe humana,
Que brilha em perfeita Deidade!”
Estando conosco em nossa natureza, Deus esteve conosco em toda a peregrinação de nossa vida. Escassamente poderão encontrar uma brecha na marcha da vida na qual Jesus não tenha feito uma pausa, ou uma cansada légua que Ele não tenha percorrido. Desde a porta de entrada até a porta que fecha o caminho da vida, as pegadas de Jesus podem distinguir-se. Estiveste no berço? Ele esteve. Foste um filho sob a autoridade dos pais? Cristo também foi um menino na casa de Nazaré. Entraste na batalha da vida? Teu Deus e Senhor fez o mesmo; e ainda que não tenha alcançado a velhice, através do trabalho pesado e incessante e do sofrimento, mostrava o semblante abatido que acompanha a velhice cansada. Estás só? Também Ele esteve, no deserto, e na ladeira do monte, e na tenebrosidade do jardim. Te misturas em círculos públicos? Ele também trabalhou no meio das densas turbas. Onde poderias encontrar-te, no cume do monte, ou no vale, na terra ou no mar, à luz do dia ou na escuridão, onde, pergunto, podes estar sem descobrir que Jesus esteve ali antes de ti? O que o mundo disse de seu grande poeta podemos dizê-lo com maior verdade de nosso Redentor:
“Um homem tão múltiplo parecia ser
Não um, mas o epítome de toda a humanidade.”
Ele era um homem harmonioso, e, contudo, todas as vidas santas parecem estar condensadas na Sua. Dois crentes podem ser muito diferentes entre si, e, no entanto, ambos descobrirão que a vida de Cristo contém pontos similares com suas próprias vidas. Um poderá ser rico e o outro pobre, um ativamente laborioso e o outro sofre pacientemente, e, ainda, cada um, ao estudar a história do Salvador, será capaz de dizer: seu caminho era muito parecido ao meu. Em todos os pontos Ele foi feito semelhante a Seus irmãos. Quão encantador é o fato que nosso Senhor é “Deus conosco,” não aqui ou ali, e de vez em quando, mas eternamente.
Isto se destaca de maneira especial e doce, quando é “Deus conosco” em nossas aflições. Não há dor que rasgue o coração, e me atreveria a acrescentar que nenhum mal que afete o corpo, nos quais Jesus não tenha estado conosco em tudo. Sentes as aflições da pobreza? Ele “não tinha onde recostar a cabeça.” Estás triste pelas aflições do luto? Jesus “chorou” junto à tumba de Lázaro. Foste caluniado por causa da justiça, e a calúnia tem atormentado eu espírito? Ele disse: “Afrontas me quebrantaram o coração.” Foste traído? Não esqueças que Ele também teve seu amigo íntimo que o vendeu pelo preço de um escravo. Em quais mares de tormenta foste sacudido que não tenham rugido ao redor de Seu barco? Não haverá nenhum vale estreito de adversidade tão negro, tão profundo, sem possibilidade aparente de poder ser atravessado, que não descubras as pegadas do Crucificado ao olhares com atenção. Nos fogos e nos rios, na noite fria e sob o sol ardente, Ele clama: “Estou contigo. Não desmaies, pois Eu sou teu companheiro como teu Deus.”
É misteriosamente certo que quando vocês e eu nos aproximemos da cena final, da cena que fecha, descobriremos que Emanuel esteve aí. Ele sentiu as dores e angústias da morte, e suportou o suor sangrento da agonia e a sede agonizante da febre. Ele conheceu a separação entre o espírito torturado e a carne lânguida, e clamou, como nós o faremos: “Pai em tuas mãos entrego meu espírito.” Ai, e Ele conheceu a tumba, pois dormiu ali, e deixou o sepulcro perfumado e acondicionado para que se convertesse em um leito de descanso, e não um recinto de corrupção. Essa nova tumba no jardim, Deus faz conosco até que a ressurreição nos chame para que nos levantemos de nossas camas de barro, para encontrá-lo Deus conosco em novidade de vida. Seremos levantados em Sua semelhança, e o primeiro que nossos olhos verão será o Deus encarnado. “Porque eu sei que meu Redentor vive, e que por fim se levantará sobre a terra; E depois de consumida a minha pele, contudo ainda em minha carne verei a Deus.”“Deus conosco.” Eu em minha carne O verei como o homem, o Deus. E assim, por toda a eternidade Ele manterá a mais íntima associação conosco. Enquanto os anos passam, Ele será “Deus conosco.” Ele não disse, “Porque eu vivo, vós também vivereis”? Tanto Sua vida humana como Sua vida divina permanecerão para sempre, e o mesmo durará nossa vida. Ele habitará entre nós e nos conduzirá a fontes de águas vivas, e assim estaremos para sempre com o Senhor.
Agora, meus irmãos, se vocês repassam estes pensamentos, encontrarão boa provisão de alimento; de fato, temos uma festa sob esse único cabeçalho. Deus em Cristo é conosco com a maior proximidade possível.
Mas, em segundo lugar, Deus em Cristo é conosco na reconciliação mais plena. Isto, certamente, é verdade, se o anterior é verdade. Houve um tempo em que estivemos afastados de Deus; estávamos sem Deus, estando em inimizade com Ele por nossas obras ímpias, e Deus também estava distante de nós em razão da natural retidão de caráter que lança a iniquidade para longe d’Ele. Ele tem os mais puros olhos que não podem contemplar a iniquidade, nem o mal pode morar com Ele. Essa estrita justiça que governa o mundo exige que Ele esconda Seu rosto de uma geração pecadora. Um Deus que olha com complacência para os homens culpados, não é o Deus da Bíblia, pois em uma multidão de lugares Ele é manifestado como ardendo de indignação contra os ímpios. “Porém ao ímpio e ao que ama a violência odeia a sua alma.” Mas agora, o pecado que nos separava de Deus foi eliminado pelo bendito sacrifício de Cristo sobre o madeiro, e a justiça, cuja ausência criou um golfo entre o homem injusto e o justo Deus, essa justiça foi encontrada, pois Jesus trouxe justiça eterna. Portanto agora, em Jesus, Deus é conosco, reconciliado conosco, e o pecado que motivou Sua ira, foi eliminado para sempre de Seu povo.
Há alguns que objetam este ponto de vista do caso, e eu, ao menos, não cederei nem um jota diante de suas objeções. Não me surpreende que se oponham a certos enunciados néscios, que eu tampouco gosto mais que eles; mas, contudo, se eles se opõem a que a expiação recompense a justiça injuriada, suas objeções não terão força para mim. É muito certo que Deus é sempre amor, mas Sua severa justiça não se opõe a isso. É também muito certo que para Seu povo Ele sempre foi, no sentido mais elevado, amor, e a expiação é o resultado e não a causa do amor divino; contudo, ainda visto em Seu caráter reto, como um juiz e legislador, Deus está “irado contra o ímpio todos os dias,” e sem o sacrifício reconciliador de Cristo, Seu próprio povo era “por natureza filhos da ira, como os demais.” Há ira no coração de Deus, como justo juiz, contra aqueles que quebraram sua santa lei, e a reconciliação tem uma relação sobre a posição do juiz de toda a terra bem como sobre o homem. Eu pelo menos não cessarei de dizer: “Graças te dou, ó Senhor, porque, ainda que te iraste contra mim, a tua ira se retirou, e tu me consolas.” Deus pode agora estar com o homem, e abraçar os pecadores como Seus filhos, o que não poderia ter feito com justiça se Jesus não houvesse morrido.
Neste sentido, e somente neste sentido, o Dr. Watts escreveu certamente alguns de seus hinos que foram sido condenados brutalmente. Me atrevo a citar dois versos, e recomendá-los, porque expressam uma grande verdade se o Senhor é visto como um juiz, e é representado como a consciência do homem que nasceu novamente corretamente a percebe. Nosso poeta diz sobre o trono de Deus:
“Foi uma vez a sede da terrível ira,
E lançava chamas devoradoras;
Nosso Deus apareceu, fogo consumidor,
E vingança era Seu nome.
Ricas foram as gotas do sangue de Jesus,
Que acalmaram Sua face irada,
Que regavam o trono ardente,
E converteram a ira em graça.”
De tal maneira que agora Jeová não é Deus contra nós, mas sim “Deus conosco,” e Ele “nos reconciliou consigo mesmo pela morte de Seu Filho.”
Um terceiro significado do texto “Deus conosco” é este, Deus em Cristo é conosco em bendita comunicação. Ou seja, agora Ele se aproximou tanto a nós que entrou em intercâmbio conosco, e isto é levado a cabo em parte por meio de uma conversa sagrada. Agora Ele nos fala e fala em nós. Ele nos falou nestes últimos dias por Seu Filho e pelo Espírito Divino com a suave e delicada voz da advertência, da consolação, da instrução, e da direção. Por acaso não estão conscientes disto? Desde que suas almas conheceram a Cristo, por acaso também não desfrutaram de uma relação com o Altíssimo? Agora, como Enoque, vocês “caminham com Deus,” e, como Abraão, falam com Ele como um homem fala com seu amigo. O que são suas orações e louvores senão a forma de comunicação que permite sua aproximação com o Altíssimo? E Ele lhes responde quando Seu Espírito sela a promessa ou aplica o preceito, quando com luz fresca lhes instrui na doutrina ou lhes concede uma confiança maior enquanto a boas coisas futuras. Oh, sim, Deus está conosco agora, de tal forma que quando Ele clama:“Buscai minha face,” nosso coração Lhe responde: “Tua face buscarei, oh Senhor.”
Estas reuniões aos domingos, que significado tem para muitos de nós senão que “Deus é conosco“? Essa mesa da comunhão, que outro significado tem senão “Deus conosco“? Oh, quão frequentemente quando partimos o pão e servimos o vinho em memória de Sua morte expiatória, podemos desfrutar de Sua presença real, não em um sentido supersticioso, mas em um sentido espiritual, e temos visto que o Senhor Jesus é “Deus conosco.” Sim, em cada santa ordenança, em cada ato sagrado de adoração, agora vemos que há uma porta aberta no céu e um novo e vivo caminho pelo qual chegamos ao trono da graça. Por acaso não é esta uma alegria maior do que todas as riquezas da terra poderiam comprar?
E não é somente em comunicação que o Senhor é conosco, mas que Deus está conosco agora por atos poderosos bem como por meio de palavras. “Deus conosco,” é a inscrição em nosso estandarte real, que enche de terror o coração do inimigo e alegra os exércitos sacramentais dos escolhidos de Deus. Por acaso não é este nosso grito de guerra: “O Senhor dos Exércitos está conosco. O Deus de Jacó é o nosso refúgio.“? Enquanto a nossos inimigos internos, Deus está conosco para dominar nossas corrupções e debilidades; e sobre os adversários externos da verdade, Deus está com Sua igreja, e Cristo prometeu que estará sempre com ela “até o fim do mundo.” Não somente contamos com a palavra e as promessas de Deus, mas temos visto Seus atos de graça a nosso favor, tanto em Sua providência como na obra de Seu bendito Espírito.“Jeová desnudou seu santo braço diante dos olhos de todas as nações.” “Conhecido é Deus em Judá; grande é o seu nome em Israel. E em Salém está o seu tabernáculo, e a sua morada em Sião. Ali quebrou as flechas do arco; o escudo, a espada e a guerra”.
“Deus conosco:” oh, meus irmãos, isto faz com que nosso coração dê saltos de alegria, nos enche de valor indomável. Como podemos estar intimidados quando o Senhor dos Exércitos está do nosso lado?
Não se trata tampouco que Deus esteja conosco simplesmente em atos de poder a nosso favor, mas em emanações de Sua própria vida em nossa natureza pelas quais somos primeiro nascidos de novo, e logo sustentados na vida espiritual. Isto é ainda mais maravilhoso. Pelo Espírito Santo, a divina semente que “Vive e permanece para sempre” é semeada em nossas almas, e dia após dia somos fortalecidos com poder por Seu Espírito no homem interior.
E isto não é tudo, pois como obra prima da graça, o Senhor, por Seu Espírito, mora em Seu povo. Deus não encarna em nós como o fez em Jesus Cristo, mas depois da encarnação segue em importância a habitação do Espírito Santo nos crentes. Agora é “Deus conosco” certamente, porque Deus habita em nós. “Ou ignorais que vosso corpo é templo do Espírito Santo?” “Como Deus disse: habitarei e andarei entre eles, e serei seu Deus, e eles serão meu povo.” Oh, as alturas e as profundidades então compreendidas nessas poucas palavras, “Deus conosco”.
Deveria dizer-lhes muitas coisas mais, mas o tempo me força a condensá-las brevemente. O Senhor se converte em “Deus conosco” pela restauração de Sua imagem em nós. “Deus conosco” se viu em Adão quando era perfeitamente puro, mas Adão morreu quando pecou, e Deus não é Deus dos mortos, mas dos vivos. Agora nós, ao recebermos outra vez nova vida e sermos reconciliados com Deus em Cristo Jesus, recebemos também a imagem restaurada de Deus, e somos renovados em conhecimento e verdadeira santidade. “Deus conosco” significa santificação, a imagem de Jesus Cristo impressa em todos Seus irmãos.
Terminamos este ponto recordando que Deus é conosco na mais profunda identificação. Irmãos, vocês se encontram em aflição? Deus, em Cristo, é compassivo com sua dor. Irmãos, vocês têm um objetivo grandioso? Eu sei qual é: é a glória de Deus; nisso se identificam com Deus, e Deus com vocês. Permitam-me perguntar-lhes: qual é sua maior alegria? Não aprenderam a regozijar-se no Senhor? Não se alegram em Deus por Jesus Cristo? Então Deus se alegra também em vocês. Ele descansa em seu amor, e se regozija em vocês com cânticos, de tal maneira que Deus é conosco em um sentido muito maravilhoso, entanto que por meio de Jesus Cristo, nossas metas e desejos são semelhantes aos de Deus. Desejamos o mesmo, nos esforçamos pelo mesmo objetivo, e regozijamos nos mesmos objetos de deleite. Quando o Senhor diz: “Este é o meu Filho amado, em quem me comprazo,” nosso coração responde: “Ai, e nós também temos prazer n’Ele.” O agrado do Pai é o agrado de Seus próprios filhos escolhidos, pois nós também nos alegramos em Cristo; nossa própria alma se alvoroça ao som de Seu nome.
Charles Haddon Spurgeon
Enviado por Silvio Dutra Alves em 11/08/2013