As Três Horas de Trevas – Parte 2
Por Charles Haddon Spurgeon.
“E desde a hora sexta houve trevas sobre toda a terra, até à hora nona. ” (Mateus 27:45).
II. Em segundo lugar, desejo que considerem essas trevas como UM VÉU QUE ESCONDE. O Cristo pendido naquele madeiro. Vejo a terrível cruz. Vejo aos dois ladrões, um de cada lado. Vejo a meu redor, e observo cheio de tristeza a esse variado grupo de cidadãos de Jerusalém, escribas, sacerdotes, estrangeiros provindos de diferentes países, conjuntamente com os soldados romanos. Todos voltam seus olhares até Ele, e em sua maioria contemplam com cruel desprezo ao Santo que está no centro da cena. Verdadeiramente, é um espetáculo horrível.
Vejam esses cães comuns e esses touros de Basã que são de uma classe mais notável, todos unidos para desonrar ao Manso e Humilde. Devo confessar que nunca li a história da morte de meu Senhor, sabendo o que sei da dor da crucificação, sem sentir uma profunda angústia: a crucificação era uma morte digna de ter sido inventada pelos demônios. A dor que envolvia era sem medida; não os torturarei descrevendo-a nesse momento. Conheço muitos queridos corações que não podem ler sobre ela sem derramar lágrimas e sem dormir depois durante várias noites.
Porém, havia algo mais que angústia no Calvário: o ridículo e desprezo amargavam tudo. As zombarias, essas cruéis piadas, os escárnios, sinais que eles fizeram com a língua, que diremos disso tudo? Algumas vezes senti uma pequena simpatia por esse príncipe francês que falava: “Se eu tivesse estado lá com meus guardas, teria varrido todos esses desgraçados.” Era um espetáculo demasiadamente terrível: a dor da vítima era extrema, porem, quem poderia suportar a abominável iniquidade dos zombadores.
Demos graças a Deus porque em meio do crime desceram as trevas que fizeram com que fosse impossível que os escarnecedores continuassem com suas burlas. Jesus devia morrer; para Sua dor não podia existir alívio, e não podia ser liberto da morte; porem, os burladores deviam se calar. Da maneira mais efetiva suas bocas foram fechadas pelas densas trevas que os envolveram.
O que vejo nesse véu é, primeiro que tudo, que era UMA OCULTAÇÃO DESSES INIMIGOS CULPADOS. Já pensaram nisso alguma vez? É como se Ele mesmo tivera dito: “Não posso suportá-lo. Não irei seguir observando essa infâmia! Desça, ó véu!” e as densas sombras desceram:
“Pergunte aos céus: ‘qual inimigo de Deus fez
Essa ação sem par?’ Os céus exclamam:
‘Foi o homem; e nós arrebatamos o sol
De tal espetáculo de culpa e vergonha’”
Graças a Deus, a cruz é um esconderijo. Ministra aos homens culpados um albergue para se protegerem do olho Daquele que tudo enxerga, de tal forma que a justiça não precise vê-los e golpeá-los. Quando Deus levanta Seu Filho, e o faz visível, esconde o pecado dos homens. Ele diz que “Deus, tendo passado por alto os tempos dessa ignorância.” Ainda mesmo a grandeza de seus pecados Ele dá as costas, de tal forma que não precisa mais vê-los, mas pode exercer Sua paciência, e permitir que Sua piedade suporte as provações dos homens. O coração do Eterno Deus deve ter lastimado ver tal crueldade sem freio dirigida até Ele, que só fez o bem a Seu redor, curando todo tipo de enfermidades. Foi terrível ver os mestres do povo rejeitarem Cristo com desdém, a semente de Israel, que devia aceitá-lo como seu Messias, lançá-lo fora como uma coisa desprezada e aborrecedora. Por conseguinte, sinto gratidão para com Deus por convocar essas trevas para que cobrissem toda a terra, e colocassem fim a essa cena vergonhosa.
Quero dizer a qualquer um que seja culpável aqui: Graças a Deus que o Senhor Jesus fez possível que seus pecados sejam escondidos mais que completamente por espessas trevas. Graças a Deus que em Cristo Ele não o vê com esse severo olho de justiça que implicaria vossa destruição. Se Jesus não tivesse se interposto, cuja morte você há desprezado, você teria alcançado em sua própria morte o resultado de seu próprio pecado já a muito tempo – porem, por causa de seu Senhor se lhe é permitido viver como se Deus não o percebera. Essa paciência está destinada a trazer arrependimento a ti: Não viras?
Mas, continuando, essas trevas foram um sagrado esconderijo para a bendita Pessoa de nosso divino Senhor. Por assim dizer, os anjos encontraram para seu Rei um pavilhão de densas nuvens, na que Sua Majestade poderia se abrigar em sua hora de miséria. Era muito que o olho ímpio contemplasse tão toscamente essa imaculada Pessoa. Por acaso Seus inimigos não o tinha desnudado, e lançado sortes sobre Suas vestes? Portanto, era conveniente que a santa humanidade encontrasse por fim um esconderijo adequado. Não era bom que olhos brutais vissem as linhas gravadas pelo cinzel da aflição sobre essa bendita figura. Não era bom que os zombadores vissem as contorções desse corpo sagrado, habitado pela Divindade, enquanto Ele era quebrantado sob a vara de ferro da ira divina por causa nossa. Era conveniente que Deus o cobrisse, para que ninguém olhasse tudo o que fazia e tudo o que carregava quando foi feito pecado por nós. Eu bendigo devotamente a Deus por esconder dessa forma a meu Senhor: assim, Ele foi coberto dos olhos que não eram dignos de ver o Sol e muito menos de ver ao Sol da Justiça.
Essa escuridão também nos adverte, até mesmo para nós que somos muito reverentes. Essa escuridão nos diz que a Paixão é um grande mistério, que não podemos esquadrinhar. Eu trato de explicá-lo como substituição, e penso que ai onde a linguagem da Escritura é explicita, eu posso e devo ser explicito também. Porem, ainda penso que a ideia de substituição não abrange completamente o tema, e que nenhuma concepção humana pode captar de maneira plena todo esse terrível mistério.
Foi efetivado na escuridão, porque o significado pleno de vastos alcances e o resultado do mesmo não podem ser contemplados pela mente finita. Podem me dizer que a morte do Senhor Jesus foi um grande exemplo de auto-negação: eu posso ver isso e muito mais. Podem falar-me que foi uma obediência maravilhosa à vontade de Deus: eu posso ver isso e muito mais. Podem-me dizer que consistiu em carregar aquilo que devia ser levado por milhares de milhares de pecadores da raça humana, como castigo por seus pecados: posso ver isso, e encontrei minha melhor esperança nisso. Porem, não me digam que isso é tudo o que está na cruz. Não, mesmo grandioso como isso pode ser, há muito mais na morte de nosso Redentor.
Só Deus conhece o amor de Deus: só Cristo conhece tudo o que logrou quando inclinou Sua cabeça e entregou Seu espírito. Existem mistérios comuns na natureza nos que seria uma irreverência querer se intrometer; porem, esse é um mistério divino, diante do qual tiramos nossos sapatos, pois o lugar chamado Calvário, terra santa é.
Deus colocou um véu na cruz, cobrindo-a de trevas, e muito de seu significado mais profundo permanece na escuridão; não porque Deus não queira revelá-lo, mas sim porque não temos a suficiente capacidade para discernir tudo. Deus se manifestou na carne, e nesse corpo humano quitou o pecado por meio do auto-sacrifício: todos nós sabemos isso; porem “Indiscutivelmente, grande é o mistério da piedade.”
Novamente, esse véu de escuridão também figura para mim a maneira como que os poderes das trevas sempre se esforçam por esconder a cruz de Cristo. Combatemos contra as trevas quanto tratamos de pregar a cruz. “Esta é a vossa hora e o poder das trevas.” (Lucas 22:53), disse Cristo; e não duvido que as nessa hora, hostes infernais desferiram um feroz assalto contra o espírito de nosso Senhor. Também sabemos que, se o príncipe das trevas vai estar em algum lugar lutando, certamente será onde Cristo é posto mais alto. Encobrir a cruz é o objetivo do inimigo das almas. Alguma vez você se deu conta disso?
Essas pessoas que odeiam o Evangelho deixarão correr qualquer outra doutrina sem apresentar combate; mas, se a expiação e as verdades que derivam dela são pregadas, de imediato elas são abaladas. Nada provoca tanto ao diabo como a cruz. A teologia moderna possui como seu principal objetivo o obscurecimento da doutrina da expiação. Esses modernos polvos tingem de negro a água da vida. Fazem do pecado algo sem importância, e seu castigo só um assunto temporal: e assim degradam o remédio ao retirar a importância da enfermidade.
Não somos ignorantes de seus truques. Espero, meus irmãos, que as nuvens da escuridão se reunirão em redor da cruz bem no seu centro, para conseguir assim ocultá-la da vista do pecador. Porem, também podem esperar isso, que ali as trevas chegarão a seu fim. A luz surge da escuridão: a eterna luz do Filho de Deus que não morre, que tendo ressuscitado dos mortos, vive para sempre para dispersar as trevas do mal.
Charles Haddon Spurgeon
Enviado por Silvio Dutra Alves em 15/08/2013