As Três Horas de Trevas – Parte 3
Por Charles Haddon Spurgeon.
“E desde a hora sexta houve trevas sobre toda a terra, até à hora nona. ” (Mateus 27:45).
III. Agora passaremos a falar dessas trevas como UM SÍMBOLO QUE INSTRUI.
O véu cobre e oculta; porem, por sua vez, como um emblema, também revela. Parece dizer: “não trate de buscar dentro, mas aprenda do véu mesmo: tem trabalho de querubim sobre ele.” Essa escuridão nos ensina o que Jesus sofreu: ajuda-nos a adivinhar as aflições que talvez não possamos ver de outra forma.
A escuridão simboliza a ira de Deus que caiu sobre os que tiraram a vida de Seu Filho unigênito. Deus estava irado e Sua carranca eliminou a luz do dia. Ele estava justamente enojado, quando o pecado estava matando Seu unigênito Filho; quando os lavradores judeus diziam: “Esse é o herdeiro; vinde, matemos-lhe e nos apossemos de sua herança.” Essa é a ira de Deus para toda a humanidade, pois praticamente todos os homens participaram na morte de Jesus. Essa ira levou os homens às trevas; são ignorantes, cegos, aturdidos. Chegaram a amar as trevas mais que a luz porque suas obras são más. Nessas trevas eles não se arrependem, mas sim seguem rejeitando ao Cristo de Deus. Em meio dessas trevas Deus não os pode olhar com complacência – os vê como filhos das trevas, e herdeiros da ira, para os quais está reservada a escuridão eterna.
O símbolo também nos fala do que nosso Senhor Jesus teve que suportar. As trevas exteriores eram uma figura da escuridão que tinha dentro Dele. No Getsêmani, uma densa escuridão caiu sobre o espírito de nosso Senhor, ele disse: “Minha alma está muito triste, até a morte.” Sua alegria era a comunhão com Deus: esse gozo o tinha abandonado, e Ele estava no escuro. Seu dia era a luz da face de Seu Pai: esse rosto estava escondido e uma noite terrível havia depositado-se a seu redor. Meus irmãos, eu pecaria contra esse véu se pretendera que eu lhes pudesse dizer em que consistia essa tristeza que oprimia a alma do Salvador: nada mais posso compartilhar com vocês do que me foi dado na medida em que tive comunhão com Ele em Seus sofrimentos.
Você sentiu alguma vez um horror profundo e pesado para com o pecado; o pecado próprio e o pecado dos demais? Alguma vez já viram o pecado à luz do amor de Deus? Alguma vez o pecado pairou sobre sua consciência sensível? Deslizou-se internamente em vocês um sentindo de ira como a escuridão da meia-noite; e esteve muito próximo de vocês, ao redor de vocês, sobre vocês e dentro de vocês? Vocês se sentiram presos em sua debilidade, e por sua vez perceberam que a porta até Deus está fechada? Olharam a sua volta sem encontrar ajuda, sem consolo ainda mesmo em deus: sem esperança, sem paz? Em tudo isso, vocês deram um pequeno gole desse mar salgado no que nosso Senhor foi lançado.
Sim, como Abraão, vocês sentiram o temor de uma grande escuridão que cai sobre vocês, então lhes foi dado provar algo do que seu divino Senhor sofreu, quando o Pai quis quebrantá-lo, sujeitando-o a padecimento. Isso é o que levou a suar grossas gotas de sangue que caíram no chão; e isso foi o que levou Cristo a clamar na cruz com um grito aterrador: “Deus meu, Deus meu, porque me desamparaste?” Não foi a coroa de espinhas, nem o látego, nem a cruz que o motivaram a clamar, mas sim a escuridão, a terrível escuridão do abandono que oprimia Sua mente e o fazia sentir um completo atordoamento.
Foi-lhe retirado tudo o que podia lhe consolar, e tudo o que podia o angustiar foi acumulado sobre Ele. “O espírito do homem susterá a sua enfermidade, mas ao espírito abatido, quem o suportará? (Provérbios 18:14)?” O Espírito de nosso Salvador estava ferido, e ele clamou: “meu coração é como cera, derreteu-se no meio das minhas entranhas. (Salmos 22:14)” Ele foi privado de todo consolo natural e espiritual, e Sua angustia foi completa e total. As trevas do Calvário não permitiram o brilho das estrelas, como noutra noite qualquer, mas escureceram cada uma das luminárias do céu. Seu forte clamor e Suas lágrimas evidenciaram a profunda aflição de Sua alma. Se ele carregou com tudo, foi possível porque Sua mente foi capaz de sobrecarregar tudo, ainda que, certamente, foi vigorizada e engrandecida pela união com a Deidade. Ele suportou o equivalente ao inferno; mais ainda, não somente isso, mas suportou o equivalente a dez mil infernos no que concerne a restituição da Lei.
Nosso Senhor rendeu em Sua agonia de morte uma homenagem à justiça muito maior do que se um mundo houvera sido condenado à destruição. Tendo dito isso, que mais posso falar? Bem poderia lhe falar que essa inefável escuridão, esse esconderijo para a face Divina, diz muito mais das aflições de Jesus do que qualquer outra palavra poderia expressar.
Adicionalmente, penso que vejo também nessa escuridão aquilo com o que Jesus estava combatendo; porque jamais devemos esquecer que a cruz era um campo de batalha para Ele, onde triunfou de maneira gloriosa. Nesse momento, estava combatendo com as trevas; com os poderes da escuridão dos quais Satanás é o cabeça – com as trevas da ignorância humana, com a depravação e com a falsidade. A batalha que foi tão evidente no Gólgota foi da mesma intensidade desde sempre. Nesse momento o conflito chegou a seu clímax – pois os caudilhos dos grandes exércitos enfrentaram-se em um conflito pessoal. A batalha desse momento na que você e eu participamos de uma ou outra forma é como nada comparada com essa batalha na que todos os poderes das trevas com seus compactos batalhões lançaram-se contra o Todo Poderoso Filho de Deus. Ele resistiu sua investida inicial, suportou o tremendo golpe de seu assalto, e ao fim, com gritos de vitória, levou cativo o cativeiro.
Ele, por Seu poder e Divindade, converteu a meia-noite em dia novamente, e trouxe de novo para esse mundo um reino de luz que, bendito seja Deus, jamais terá fim. Voltem à batalha, exércitos das trevas, se é que vocês se atrevem! A cruz os derrotou: a cruz os derrotará. Aleluia! A cruz é o estandarte da vitória; sua luz é a morte das trevas. A cruz é o farol que guia a pobre humanidade agitada pelo mal tempo ao porto da paz. Essa é a lâmpada que brilha sobre a porta da casa do grandioso Pai para conduzir ao filho pródigo para casa.
Não tenhamos medo de toda escuridão que nos ronda a caminho de casa, já que Jesus é a luz que conquista tudo.
As trevas não chegaram a um fim até que o Senhor Jesus rompeu o silêncio. Tudo havia estado quieto, e as trevas aumentaram de maneira terrível. Ao fim, Ele falou, e Sua voz pronunciou um salmo. Tratava-se do Salmo 22: “Deus meu, Deus meu, porque me desamparaste.” Cada “Eli” que repetia desdobrava a manhã na cena. Quando Cristo pronunciou a pergunta “… porque me desamparaste?”, os homens já tinha voltado a enxergar novamente, e alguns se atreveram em mal interpretar Suas palavras, mais por conta do terror do que por ignorância. Eles disseram: “A Elias chama...” Talvez eles pretendessem que fosse uma zombaria, porem, eu não creio assim. De toda maneira, não foi uma expressão que tenham percebido, como tampouco a resposta de seus companheiros.
No entanto, já havia um pouco mais de luz, o lhes permitiu tomar uma esponja e encharcar ela em vinagre. Meus irmãos, nenhuma luz virá aos corações submersos na escuridão a menos que Jesus fale; e a luz não será clara a menos que ouçamos a voz de Suas aflições por nossa causa, conforme exclama: “porque me desamparaste?” Sua voz de dor deve ser o fim de nossas dores: Seu grito nas trevas deve alegrar nossas tristezas, e deve trazer a manhã celestial para nossas mentes.
Vocês podem ver quanto há no meu texto. É uma verdadeira alegria falar sobre um tema quando se tem boa saúde, e se está repleto de vigor; então somos como Naftali, cerva solta; podemos dar boas palavras: porem, hoje me acho em meio de dores quanto a meu corpo, e minha mente parece estar congelada. No entanto, o Senhor pode abençoar minhas débeis palavras, fazendo-lhes ver que nessas trevas existe um profundo e amplo significado que ninguém dentre nós deve esquecer. Se Deus os ajuda em suas meditações, essas trevas serão luz em volta de vocês.
IV. Passo agora a meu quarto ponto, e para concluir, minhas palavras tratarão sobre A SIMPATIA QUE PROFETIZA. Vocês podem ver a simpatia da natureza com seu Senhor: a simpatia do sol nos céus com respeito ao Sol da Justiça? Não era possível que Aquele quem fez todas as coisas estivesse na escuridão, e enquanto isso a natureza estivesse na luz.
A primeira evidência de simpatia que vejo é essa: todas as luzes são frágeis quando Cristo não brilha. Tudo é escuridão quando Ele não brilha. Na igreja, se Jesus não está lá, o que é que há lá? O próprio sol não poderia brindar-nos de luz se Jesus fosse quitado. As sete lâmpadas de ouro estão prestes a extinguir-se, a menos que Ele caminhe em meio delas, e as limpe e avive com azeite santo.
Meus irmãos, vocês logo perdem suas energias, seus espíritos desmaiam, e suas mãos se cansam se o Cristo não está com vocês. Se Jesus Cristo não é pregado de maneira íntegra, se Ele não está conosco por Seu Espírito, então tudo está envolto em trevas. Escureçam a cruz, e terão escurecido todo o ensino espiritual. Não podem dizer: “Seremos claros em qualquer outro ponto, e lúcidos em matéria de qualquer outra doutrina, porem vamos evitar a expiação, pois tantas pessoas pensam preocupadamente a respeito.”
Não, senhores, se uma luz é posta debaixo de um alqueire, toda a casa estará em trevas. Toda a teologia simpatiza com a cruz, e recebe sua cor e seus matizes dela. Seu piedoso serviço, seus livros, sua adoração pública, tudo estará em harmonia com a cruz de uma forma ou outra. Se a cruz está em trevas, em trevas também estará todo o trabalho de vocês-
“Que pensas tu de Cristo? Essa é a prova
Para medir tanto teu trabalho como teu esquema;
Não podes estar correto em nada,
A menos que penses corretamente Nele.”
Tire suas dúvidas; fabrique filosofias, e elabore suas teorias: não haverá nada de luz nisso se a cruz fica de fora. Vãs são as fagulhas que você fabricou, irá estar absorvido em dor. Todo nosso trabalho e esforço terminarão em vaidade a menos que o trabalho e esforço de Cristo sejam nossa primeira e única esperança. Se você está na escuridão sobre esse ponto, única luz, qual grande é sua escuridão!
Continuando, vejam a dependência de toda criação em Cristo, como se manifesta por meio das trevas, quando Ele se retira. Não era conveniente que Aquele que fez todos os mundos morrera, e que, no entanto, todos os mundos continuassem como haviam sido criados até esse momento. Se Ele sofre um eclipse, eles devem sofrer um eclipse também; se o Sol da Justiça se oculta em sangue, o sol natural deve manter-se em contato com Ele.
Creio, meus amigos, que existe uma simpatia mais maravilhosa entre Cristo e o mundo da natureza, do que nós podemos imaginar. Toda a criação geme em uníssono, e está em dores de parto. Cristo em Seu corpo místico está em trabalhos, e assim a criação inteira deve esperar a manifestação do Filho de Deus. Estamos esperando a vinda do Senhor desde os céus, e não há monte nem vale, montanha nem mar, que não estejam em perfeita harmonia com a igreja que espera. Não se surpreendam que haja terremotos em diversos lugares, erupções vulcânicas, terríveis tempestades, e proliferação de enfermidades mortais. Não se maravilhem quando ouçam de portentos terríveis, e coisas que fazem o coração gemer, pois essas coisas existirão até que venha o fim. Até que o grandioso Pastor converta Seu cajado em cetro, e comece Seu reino que não conhece sofrimento, essa pobre terra deve sangrar por cada uma de suas veias. As trevas existirão até que esses dias de espera cheguem a seu fim. Os que esperam uma história plácida até que Cristo venha, não sabem o que esperam.
Vocês que pensam que a política generosa ira criar ordem e contentamento, e que o crescimento do livre comércio produzirá paz universal nas nações, buscam aos vivos em meio dos mortos. Até que o Senhor venha, a mensagem saiu: “A ruína, ruína, ruína,” e tudo será reduzido em ruínas, não só em outros reinos, mas também nesse, até que venha Jesus. Tudo o que possas ser abalado, será abalado, e só Seu trono irremovível e Sua verdade permanecerão. Agora é o tempo da batalha do Senhor contra as trevas, e não podemos esperar ainda a luz permanente.
Queridos amigos, o pecado que ocultou Cristo em trevas e o fez morrer em trevas, escurece o mundo todo. O pecado que ocultou a Cristo em trevas e o fez pender da cruz, está escurecendo aos que não crêem Nele, e viverão na escuridão e morrerão na escuridão a menos que se aproximem Dele, que é a única luz do mundo, e o que lhes pode proporcionar a luz. Não há luz para ninguém exceto em Cristo; e até tanto não creiam Nele, uma densa escuridão os cegará, tropeçarão e perecerão. Essa é a lição que quero que aprendam.
Outra lição prática é: se nos encontramos em trevas nesse momento, se nossos espíritos estão imersos na escuridão, não desesperemos, pois o próprio Senhor Cristo esteve lá. Caso eu tenha caído na miséria por causa do pecado, não devo abandonar toda esperança, pois o Amado do Pai passou por uma escuridão mais densa que a minha.
Oh, alma crente, se você está na escuridão está próximo das bodegas do Rei, e existe vinhos bem refinados descansando ai. Foi introduziu no pavilhão do Senhor, e agora pode falar com Ele. Não irá encontrar a Cristo nas lúcidas lojas do orgulho, nem nas sujas guaridas da impiedade: não o acharão onde o violino, a dança e o licor que fluem incendeiam as luxúrias dos homens, mas sim nas casas do luto encontrarão ao Homem de Dores. Ele não está onde Heródias baila, nem onde Berenice lança seus encantos; porem, Ele está onde a mulher de espírito contristado move seus lábios em oração. Ele nunca está ausente do lugar onde a penitência se senta nas trevas e lamenta suas faltas –
“Sim, Senhor, em horas de tristeza,
Quando as sombras invadem minha habitação,
Quando a dor exala seus gemidos,
E a tristeza seus suspiro e lamentos,
Então Tu está próximo.”
Se vocês estão debaixo de uma nuvem, busquem seu Senhor, se de alguma maneira O puderem achar. Fique quieto em sua negra aflição, e digam: “Oh, Senhor, o pregador me diz que Tua cruz uma vez esteve em tal negridão como essa. Oh Jesus, ouve-me!” Ele te responderá: O Senhor irá vigiar desde o pilar das nuvens e derramará uma luz sobre você. “Pois conheci suas angústias,” Ele disse. O quebrantamento do coração não é algo estranho para Ele. Cristo também sofreu uma vez pelo pecado. Confia Nele e Ele fará que Sua luz brilhe sobre você. Descanse Nele, e Ele o sacará desse deserto tenebroso, e o levará à terra do descanso. Que Deus os ajude a fazer isso!
Sábado passado tive uma alegria além do que posso descrever-lhes, por uma carta de um irmão que tinha sido restaurado à vida, luz e liberdade pelo sermão pregado no domingo anterior pela manhã. Não conheço uma alegria maior do que ser útil para as almas. Por essa razão, tratei de pregar essa manhã, ainda que não me sinto bem fisicamente para pregar. Oh, rogo para que possa ouvir mais notícias dos que foram salvos! Oh, que algum espírito que se extraviou no escuro pântano possa ver a vela que há em minha janela, e encontre o caminho de casa! Se você encontrou ao Senhor, o exorto a que jamais o deixe ir, una-se a Ele até que o dia venha e as sombras fujam. Que Deus o ajude a fazer isso por Jesus! Amém.
Charles Haddon Spurgeon
Enviado por Silvio Dutra Alves em 15/08/2013