Mau Temperamento
Extraído do livro intitulado Vida Ideal
Por Henry Drummond
" Ele se indignou e não queria entrar " (Lucas 15.28)
Devemos lembrar que a Parábola do Filho Pródigo, juntamente com a da Ovelha Perdida e a da Moeda Perdida foram proferidas por Jesus em face de estar sendo criticado pelos escribas e fariseus pelo motivo dele receber pecadores e comer com eles. (Lc 15.1,2) - Nota do tradutor.
Parte Inicial
O irmão mais velho
Aqueles que estudaram as pinturas de Sir Noel Paton devem ter observado que parte de sua beleza peculiar reside, por um truque de arte, em sua feiúra parcial. Há flores e pássaros, cavaleiros e damas e crianças de beleza seráfica, mas no canto da tela, em sua base, aparece alguma rude e repugnante forma, um sapo, um lagarto, um caracol viscoso para emprestar, pelo contraste, com a sua repulsa, uma beleza maior para o resto. Assim, em esculturas antigas o monstro mitológico está junto ao anjo na frente da catedral, aumentando a beleza circundante pela sua deformidade.
Muitas das situações registradas no Novo Testamento apresentam poderosamente este tipo de contraste. Os doze discípulos - um deles é um demônio. Jesus na cruz, puro e majestoso - em ambos os lados um ladrão. E aqui, visivelmente, neste décimo quinto capítulo de Lucas, a pintura mais requintada na Bíblia tocou na nuvem tempestuosa do irmão mais velho – de modo perfeito, como uma mera situação dramática.
Mas este conjunto, é claro, é mais do que artístico. Para além da sua referência aos fariseus, a associação desses dois personagens, o filho pródigo e seu irmão, lado a lado tem um significado moral profundo.
Quando olhamos para o pecado, e não em seus aspectos teológicos, mas em suas roupagens cotidianas, nós vemos que ele se divide em dois tipos. Nós vemos que há pecados do corpo e pecados da disposição. Ou mais especificamente, os pecados das paixões, incluindo todas as formas de luxúria e egoísmo, e os pecados do temperamento. O filho pródigo é o exemplo no Novo Testamento de pecados da paixão, e o irmão mais velho, dos pecados de temperamento.
Alguém poderia dizer, à primeira vista, que era o irmão mais novo que era, na pintura, a nuvem de tempestade. Foi ele quem havia esmaecido todas as virtudes, e que cobriu a sua casa com vergonha. E os homens sempre apontaram para o filho fugitivo em contraste com seu irmão doméstico, como o tipo de tudo o que há de pior no caráter humano. Possivelmente, a estimativa está errada. Possivelmente, o irmão mais velho é o pior. Julgamos os pecados como nós julgamos a maioria das coisas, por sua forma exterior. Nós classificamos os vícios de nossos vizinhos de acordo com uma escala que a sociedade tem adotado tacitamente, colocando os mais brutos na base, o menos bruto no topo, e, então, por algum processo estranho a escala se torna obliterada. Finalmente, isto desaparece no espaço, deixando partes de si inexploradas, os seus pecados sem nome e ignorados. Todavia, não temos nenhuma balança para pesar pecados. Grosseiros e leves são apenas palavras de nossa própria lavra. As chances são, no mínimo, que o mais leve seja o mais pesado. O próprio fato de que o mundo vê com bons olhos os mais grosseiros pecados é contra a crença de que eles sejam os piores. O pecado sutil e invisível, este pecado da parte da natureza mais perto do espiritual, deveria ser mais degradante do que qualquer outro. No entanto, para muitas das formas mais refinadas de pecados da sociedade ainda não há qualquer escala de medida. Este pecado do irmão mais velho é uma ninharia, apenas um pouco de temperamento, e pouco digno de registro. ÉW o que se costuma pensar.
Agora, o que era este pouco de temperamento? Por que Cristo o viu digno de ser registrado. O irmão mais velho, trabalhador, paciente, respeitoso – deixe-lhe todo o crédito por suas virtudes que vêm do seu longo dia de trabalho nos campos. Todas as noites, durante anos ele voltava para casa, com as pernas cansadas, mas alegre, porque tinha cumprido o seu dever. Mas o senso do homem de responsabilidade por seu caráter termina muitas vezes com o trabalho do dia. E nós sempre ficamos expostos à tentação quando menos esperamos. À noite, quando ele se aproximava da velha casa, ele ouviu o som de alegria e música. Ele considerou a ambos uma coisa aborrecida. "Veio teu irmão", o o servo disse, "e eles mataram o novilho cevado." Uma Happy hour! Quanto tempo eles lamentaram por causa dele! Quão feliz estaria o velho homem! Como a oração em família encontrou-o afinal e trouxe o jovem errante para o teto de seus pais! Mas não, não há alegria naquele rosto, senão a nuvem de tempestade. "Irmão, na verdade," ele murmura, "o patife! matou o novilho gordo, não é? Mais do que jamais fez por mim. Eu posso lhes ensinar o que penso da sua festa. E falarei da recompensa da virtude! Aqui eu estive todos esses anos desonrado e ignorado, e este jovem perdulário e libertino vindo da pocilga reúne todos da região para lhe render homenagem”. “Ele se indignou e não queria entrar;“.
"Oh, quão infantil ele foi!”. Alguém se inclina a dizer isto a princípio, mas é mais do que isso. É uma nuvem de tempestade, uma nuvem de tempestade que foi se formando em todas as suas virtudes durante toda a sua vida. É a nuvem de tempestade da justiça própria. Os fluidos sutis de uma dúzia de pecados se uniram pela primeira vez, e agora eles estão queimando sua alma. O ciúme, orgulho, raiva, falta de caridade, crueldade, hipocrisia, mau humor, irritabilidade, teimosia, todos misturados em um mau temperamento. Esta é uma análise imparcial. Ciúme, orgulho, raiva, falta de caridade, crueldade, hipocrisia, mau humor, irritabilidade, teimosia - estes são os ingredientes básicos do mau temperamento. E, no entanto, os homens riem sobre ele. "Só temperamento", que eles chamam ser apenas um pouco de cabeça quente, uma explosão momentânea na superfície, uma mera nuvem passageira. Mas a nuvem que passa é composta de gotas, e cai aqui formando um oceano, sujo e rancoroso, fervendo em algum lugar dentro da vida de um oceano feito de ciúme, orgulho, raiva, falta de caridade, crueldade, hipocrisia, mau humor, irritabilidade, teimosia, presos a uma tempestade furiosa.
É por isso que o temperamento é significativo. Não é no que ele é que a sua importância reside, mas o que ele revela. Por isso é digno de nota. É a febre intermitente que fala da doença não intermitente, a bolha ocasional escapa para a superfície, indicando que há podridão por baixo, uma amostra preparada rapidamente com os produtos escondidos na alma, caiu involuntariamente quando você esteve fora de guarda. Numa palavra, é a descarga elétrica de uma dúzia de pecados hediondos e anticristãos.
Parte Final
Em última instância o mau temperamento é um pecado contra o amor. E, por mais impossível que seja para que seja percebido agora, no entanto, podemos desculpá-lo como uma fraqueza perdoável ou pequena enfermidade, e que não é nenhum pecado maior. Um pecado contra o amor é um pecado contra Deus, pois Deus é amor. Aquele que pecou contra o amor, pecou contra Deus.
Esta condução do pecado à sua raiz sugere agora mais este tópico, a sua cura. O Cristianismo professa curar qualquer coisa. O processo pode ser lento, a disciplina pode ser severa, mas isso pode ser feito. Mas não é o temperamento uma coisa constitucional? Não é hereditária, e pode ser curada? Sim, se há alguma coisa no cristianismo. Se não há nenhuma disposição para isso, então o cristianismo está condenado por ser incompatível às necessidades humanas. Qual foi a direção que o pai tomou, em seguida, no caso diante de nós, para pacificar as paixões iracundas de seu filho mal-humorado? Veja que ele não fez nenhuma tentativa em primeira instância, de arrazoar com ele para fazê-lo ver que estava errado, porque isto é totalmente inútil tanto com nós mesmos quanto com os outros. Estamos perfeitamente convencidos da puerilidade de tudo isto, mas isto não nos ajuda o mínimo para consertá-lo. A doença tem a sua sede nas afeições, e, portanto, o pai foi lá ao mesmo tempo. A razão tomou o seu lugar, e o filho foi provido com argumentos válidos – conforme afirmado no último versículo do capítulo - contra sua conduta, mas ele foi tratado primeiramente com o amor.
"Filho", disse o pai, "tu sempre estás comigo, e tudo o que é meu é teu." Analise estas palavras, e debaixo delas você vai encontrar os gritos de guerra de todas as grandes comunidades. Liberdade, Igualdade e Fraternidade - os símbolos felizes com que os homens têm procurado para manter os governos e estabelecer reinos. "Filho" - há Liberdade. "Tu estás sempre comigo", há unidade, fraternidade. "Tudo o que é meu é teu". Há igualdade. Se qualquer apelo pudesse despertar um homem a desistir de si mesmo, a abandonar fins egoístas, sob o forte pulsar de uma simpatia comum, é esta fórmula da República Cristã. Pegue o último, Igualdade, sozinho, "Tudo o que é meu é teu." É absurdo falar de seus direitos aqui e os seus direitos lá. Você tem todos os direitos. "Tudo o que é meu é teu." Não há espaço para o egoísmo, se não há mais nada que se possa possuir. E Deus fez a igualdade. Deus nos deu a todos, e se a memória de sua grande bondade, a Sua bondade especial para conosco, uma vez movida no nosso interior, o coração deve se derreter a Ele, e fluir para toda a humanidade.
É bastante improdutivo tentar, pela força de vontade, esvaziar as paixões iracundas para fora de nossas vidas. Quem não fez milhares de resoluções nesse sentido, somente para com mortificação indizível contemplá-los em pedaços com a primeira tentação? A alma é para ser feita doce não tomando fluidos ácidos, mas por se colocar nela um grande amor - o grande amor de Deus. Este é o trabalhar de uma mudança química sobre eles, para renová-los e regenerá-los, para dissolvê-los em sua própria substância rica perfumada. Se um homem deixar isso acontecer em sua vida, sua cura é completa; se não, é impossível.
O personagem mais difícil de se compreender no Novo Testamento é o servo impiedoso. Por causa de sua extravagância sua esposa e filhos seriam vendidos, e ele próprio preso. Ele clama por misericórdia de joelhos, e os 10.000 talentos, dívida enorme e sem esperança, é livremente cancelada. Ele sai da amável presença do seu senhor, e, atendendo a um pobre desgraçado que lhe devia cem denários, agarra-o pela garganta e o envia para a prisão, da qual ele mesmo havia acabado de escapar. Como um homem pode subir de joelhos, onde, já fora muito perdoado, e depois ir direto a partir da sala de audiências do seu Deus para falar palavras duras e fazer coisas terríveis? Isto é muito incrível.
Sendo muito perdoado, ele deve amar muito, não como uma obrigação, mas como uma consequência necessária, ele deve se tornar um homem humilde, generoso e fraterno. Arraigado e alicerçado em amor, seu amor vai crescer até que abrace a Terra. Só então ele mal começa a entender o dom de seu pai. O mundo é seu "Tudo o que é meu é teu.": Ele não pode ferir a si mesmo. A base da benevolência é unipessoal. E todos os que amam a Deus são os proprietários do mundo. Os mansos herdarão a terra, tudo o que Ele tem é deles. Tudo o que Deus tem, o que é isso? Montanha e campo, árvores e céu, castelo e choupana, o homem branco, o homem negro, o gênio e o tolo, o prisioneiro e o pobre, os doentes e idosos, todos estes são meus. Se nobre e feliz, eu preciso apreciá-los, se grande e bonito, devo deliciar-me com eles, se pobres e famintos, devo vesti-los, se doente e na prisão, devo visitá-los. Porque todos eles são meus, todos estes, e tudo o que Deus tem ao seu lado, e eu devo amar a todos e me dar a todos.
Tradução e adaptação realizadas pelo Pr Silvio Dutra, da porção inicial e final do texto intitulado Mau Temperamento de autoria de Henry Drummond.
Silvio Dutra Alves
Enviado por Silvio Dutra Alves em 22/08/2013