As Alegorias de Sara e Agar – Parte 2
Por Charles Haddon Spurgeon
“porque estas mulheres são duas alianças” (Gálatas 4:24)
3. Agora direi uma palavra ou duas a respeito da CONDUTA DE ISMAEL EM RELAÇÃO À ISAQUE. Lemos que Ismael caçoou de Isaque. Será que os queridos filhos de Agar não se irritam ao ouvir essa doutrina? Eles dizem: “é horrível, sem sentido e totalmente injusto que eu possa ser tão bom quanto queira, mas se não for filho da promessa, não possa ser salvo; essa é realmente uma doutrina terrível e imoral; é um grande perigo e precisa ser detida.” Sem dúvida! Isso mostra que ele é um Ismael. É claro que Ismael caçoará de Isaque, e não é preciso outra explicação. Onde a absoluta soberania de Deus for pregada, onde se disser que o filho da promessa, não o da carne, é o herdeiro, o filho da carne sempre fará o maior reboliço. Mas o que disse Ismael a Isaque? “Que quer aqui? Não sou eu o filho mais velho de meu pai? Tudo seria meu, se não fosse por você. Acaso você é melhor do que eu?” Assim é como falam os legalistas. “Deus não é pai de todo mundo? Não somos todos Seus filhos? Ele não deve fazer nenhuma distinção.” Ismael disse: “Não sou tão bom quanto você? Não sirvo igualmente a meu pai? Quanto a você, sei que é o favorito da sua mãe, mas a minha é tão boa quanto a sua.” E assim, ele provocou Isaque e caçoou dele. É assim que os arminianos fazem com a salvação pela graça. O legalista diz: “Não a entendo, não a tenho e não a quero; se somos ambos iguais em caráter, não é possível que um se perca e o outro seja salvo.” Por isso, ele zomba da graça. Podemos viver em harmonia, se não pregarmos a plenitude da graça; mas se ousarmos falar dela, conquanto ofensiva ao público, o que as pessoas dirão? Chamam-na de “o anzol da popularidade” (vejam o assim chamado Jornal Homem Livre). Poucos peixes, no entanto, mordem a isca. A maioria diz: “Odeio esse pregador, não o suporto; ele é intolerante demais.” Dizem que pregamos sobre a graça para ganhar popularidade! Ora, no fundo, isso é uma mentira deslavada, pois a doutrina da soberania de Deus sempre será impopular; as pessoas sempre a detestarão, e rangerão os dentes, da mesma forma como fizeram quando Jesus a ensinou. Havia muitas viúvas em Israel, disse Ele, mas a nenhuma foi enviado o profeta, senão à viúva de Sarepta. Havia muitos leprosos em Israel, mas nenhum foi curado, senão aquele que veio de longe, da Síria. Quanta popularidade conseguiu nosso Salvador com esse sermão! As pessoas rangeram os dentes para ele; e toda sua popularidade teria descido morro abaixo, de onde queriam lançá-lO de cabeça, se Ele não tivesse aberto caminho por entre eles e se retirado. Como? Popular por tirar o orgulho de alguém, por destruir sua posição e por fazê-lo se encolher diante de Deus como um pobre pecador? Não, isso nunca será popular até os homens nascerem anjos, e todos amarem o Senhor, o que suponho não será agora.
4. Mas ainda temos de perguntar no QUE SE TORNARAM OS DOIS FILHOS
Primeiro, Isaque herdou tudo, e Ismael não herdou nada. Não que Ismael tenha ficado pobre, pois ele recebeu muitos bens, e se tornou rico e poderoso; mas ele não recebeu herança espiritual. O legalista, da mesma forma, receberá muitas bênçãos como recompensa por sua legalidade; ele será honrado e respeitado. “Em verdade”, disse Jesus, “vos digo que eles (os fariseus) já receberam a recompensa”. Deus não priva ninguém da sua recompensa. Qualquer coisa que um homem peça, ele a terá. Deus paga a todos o que é devido, e muito mais; e quem cumpre a Sua lei, mesmo neste mundo, receberá grandes benefícios. Por obedecer aos mandamentos de Deus, não terão o corpo tão prejudicado quanto os devassos, e preservarão melhor sua reputação — obediência, nesse sentido, faz bem. Por outro lado, Ismael não herdou nada. Por isso, ó pobre legalista, se és dependente das tuas obras, ou de qualquer outra coisa, a não ser da soberana graça de Deus, para te livrares da morte, não terás sequer um palmo de herança em Canaã, e no grande dia em que Deus repartir a porção dos filhos de Jacó, não haverá uma parte para ti. Se és, no entanto, um pobre Isaque, um pobre e trêmulo pecador — e, se disseres: “Ismael tem as mãos cheias
Mas nada em minhas mãos eu trago
Somente à cruz me agarro.
Se disseres nesta manhã —
Eu, de mim, nada sou
Mas Cristo é meu tudo em tudo.”
Se renunciares a todas as obras da carne, e confessares: “Eu sou o principal dos pecadores, mas sou filho da promessa e Jesus morreu por mim”, terás uma herança e não serás privado dela nem por todos os Ismaeis zombadores do mundo; nem será ela diminuída pelos filhos de Agar. Talvez sejas vendido, e levado para o Egito, mas Deus trará de volta Seus Josés e Seus Isaques, e serás exaltado para a glória, e te assentarás à direita de Cristo. Ah, como tenho pensado na consternação que haverá no inferno quando aqueles que aparentam ser justos forem para lá. “Senhor”, diz alguém, “preciso mesmo ir para essa masmorra horrenda? Mas não guardei o dia de descanso? Não cumpri fielmente teu mandamento? Em toda minha vida, jamais disse um palavrão ou proferi uma maldição. Preciso mesmo ir para lá? Dei o dízimo de tudo o que tinha, e ainda assim serei trancafiado lá? Fui batizado, tomei a Santa Ceia, e fui tão bom quanto pude. É bem verdade que não cri em Cristo; mas pensei que não fosse necessário, pois me achava bom e honrado demais; preciso mesmo ser trancafiado lá?” Sim, senhor! E entre os condenados terás a primazia, pois escarneceste de Cristo mais do que todos. Eles nunca erigiram um anticristo. Eles andaram nos caminhos do pecado, e tu também, mas acrescentaste ao teu pecado o mais abominável de todos: erigiste a ti mesmo como um anticristo, e te curvaste ante a tua própria bondade ilusória e a adoraste. E então, Deus dirá ao legalista: “Em tal dia Eu te ouvi criticar minha soberania; te ouvi dizer que era injusto Eu salvar meu povo e distribuir meus favores conforme o conselho da minha vontade; tu contestaste a justiça do teu Criador, e justiça terás em toda força.” Ele pensava que tivesse um grande peso da balança a seu favor, mas descobriu que era somente um grãozinho de dever; Deus, então, exibe a imensa lista de seus pecados, com esta inscrição no final: “Sem Deus, sem esperança, um estranho à riqueza de Israel”. O pobre homem, então, percebe que seu pequeno tesouro não vale nem meio centavo, enquanto a enorme conta apresentada por Deus é de dez trilhões de talentos; e assim, com um terrível gemido de angústia, e um urro desesperado, ele foge com todas as suas notinhas de mérito, as quais esperava pudessem salvá-lo, gritando: “Estou perdido! Estou perdido com todas as minhas boas obras! Descobri que minhas boas obras eram grãos de areia, enquanto meus pecados eram montanhas; e porque não tive fé, toda minha justiça foi somente deslavada hipocrisia.”
Agora, mais uma vez, Ismael foi mandado embora, e Isaque foi mantido em casa. Assim será com alguns de vocês, quando vier o dia da perseguição para provar a igreja de Deus; pois, embora estejam na igreja como os outros e, embora usem a máscara de professos, descobrirão que isso será de nenhuma valia. Vocês são como o filho mais velho; quando o filho pródigo entra na igreja, dizem: “vindo, porém, esse teu filho, que desperdiçou os teus bens com meretrizes, tu mandaste matar para ele o novilho cevado.” Ah, legalistas invejosos, enfim sereis expulsos de casa. E eu vos digo, legalistas e formalistas, que tendes com Cristo o mesmo que qualquer pagão; e vós, que fostes batizados com o batismo cristão, embora vos assenteis à mesa do Senhor, embora ouçais sermões cristãos, não tendes parte nem porção nisso, não mais que um católico romano ou um muçulmano, a menos que confieis simplesmente na graça de Deus, e sejais herdeiro segundo a promessa. Todo aquele que confia nas suas obras, mesmo que seja só um pouquinho, descobrirá que esse pouquinho arruinará a sua alma. Todos os movimentos do universo devem ser desvelados. O navio construído pelas obras deve ter a quilha partida. A alma deve confiar única e exclusivamente na aliança de Deus, ou está perdida. Legalista, esperas ser salvo pelas obras. Vem agora, e te tratarei com respeito. Não te acusarei por teres sido um bêbado, ou maldizente, mas quero te perguntar: sabes que, para seres salvo por tuas obras, deves ser totalmente perfeito? Deus requer o cumprimento de toda a lei. Se você tem um vaso com uma pequena rachadura, por menor que ela seja, ele não está inteiro. Você nunca cometeu pecado em sua vida? Nunca teve maus pensamentos, nunca imaginou coisas ruins? Ora, meu amigo, não acho que você tenha manchado suas luvas brancas com algum tipo de luxúria, ou carnalidade, ou que sua boca pura, que usa linguagem casta, tenha proferido algum xingamento, ou qualquer coisa lasciva; nem penso que você tenha cantado alguma música obscena; isso está fora de questão — mas nunca pecaste? “Sim”, respondes. Então, nota bem: “a alma que pecar, essa morrerá”; e isso é tudo o que tenho a te dizer. Mas se negares que tenhas pecado, sabe que, se no futuro cometeres um único pecado — embora tenhas vivido uma vida perfeita durante setenta anos, e ao final desses anos cometeres um único pecado, toda a tua obediência de nada servirá, pois “aquele que tropeça em um só ponto, se torna culpado de todos”. Mas você diz: “o senhor está fazendo suposições erradas, pois embora eu creia que precise fazer boas obras, também creio que Jesus é muito misericordioso e, embora eu não seja inteiramente perfeito, sou sincero, e acho que obediência sincera será aceita em lugar da obediência perfeita.” É mesmo? Então diga: o que é obediência sincera? Conheci um homem que se embebedava uma vez por semana; ele era muito sincero e não achava que estivesse fazendo algo errado, contanto que estivesse sóbrio no domingo. Muitas pessoas têm o que elas chamam de obediência sincera, mas isso sempre deixa margem para a iniquidade. E então você diz: “Não dou muita margem, só permito alguns pecadinhos.” Caro amigo, você está totalmente errado quanto à sua obediência sincera, pois se isso é o que Deus requer, então centenas dos mais vis pecadores são tão sinceros quanto você. Não creio na sua sinceridade. Se fosse sincero, obedeceria ao que Deus diz: “Crê no Senhor Jesus e serás salvo.” Tua obediência sincera me parece uma sincera enganação, e isso logo descobrirás. “Oh”, dizes tu, “creio que depois de tudo o que fizemos, devemos ir a Jesus Cristo e dizer: “Senhor, temos um grande problema, o Senhor o perdoará?” Ouvi dizer que antigamente pesavam bruxas contra a Bíblia da paróquia, se fossem mais pesadas, as bruxas eram inocentadas; mas colocar bruxas em pé de igualdade com a Bíblia é uma ideia sem precedentes. Porque Cristo não será colocado na balança com um tolo presunçoso como tu. O teu desejo é que Cristo sirva de contrapeso. Ele agradece muito o cumprimento, mas não aceitará um trabalho servil. “Oh”, dizes tu, “Ele me ajudará na minha salvação.” Sim, sei que isso lhe agradaria; mas Cristo é um tipo bem diferente de Salvador; quando pega algo para fazer, Sua tendência é executar tudo Ele mesmo. Você pode achar estranho, mas Ele não gosta de assistência. Quando formou o mundo, Ele não pediu ao anjo Gabriel para resfriar a matéria incandescente com suas asas, Ele fez tudo sozinho. Com a salvação é a mesma coisa: Ele diz: “a minha glória, pois, não a darei a outrem”. E peço que te lembres, se professaste seguir a Cristo, mas ainda tens uma pequena porção de si mesmo nisso, que existe uma passagem das Escrituras que é apropriada para ti, e podes remoer a teu bel-prazer: “E, se é pela graça, já não é pelas obras; do contrário, a graça já não é graça.” Pois, se as misturares, estragarás ambas. Vá para casa, amigo, e faça você mesmo um mingau de fogo e água, tente manter em casa um leão e um cordeiro, e quando for bem-sucedido, diga-me que fez obras e graça concordarem; e eu lhe direi que você me contou uma mentira, pois as duas coisas são tão essencialmente opostas que não podem concordar. Quem dentre vocês jogar fora todas as boas obras, e vier a Jesus com isto: “Nada, nada, NADA
Nada em minhas mãos eu trago,
Simplesmente à cruz me agarro.
Cristo lhe dará boas obras suficientes, Seu Espírito agirá em você e fará tudo conforme Lhe apraz, e o tornará santo e perfeito; mas se você tentar obter a santidade antes de Cristo, você começou do lado errado, e procurou florescer antes de enraizar, e são inúteis os seus esforços. Ismaeis, tremam diante dEle agora! Se alguns de vocês forem Isaques, talvez se lembrem de que são filhos da promessa. Permanecei firmes. “Não vos submetais, de novo, a jugo de escravidão, pois não estais debaixo da lei, e sim da graça”.
Charles Haddon Spurgeon
Enviado por Silvio Dutra Alves em 28/08/2013