Legado Puritano
Quando a Piedade Tinha o Poder
Textos
O Batismo: uma Sepultura – Parte 2
por Charles Haddon Spurgeon


II Mas, em segundo lugar, UMA UNIÃO REAL COM CRISTO também acontece no batismo, e isso é mais uma questão de experiência que de doutrina.

1. Primeiro, há a morte, e então uma questão de experiência atual do crente verdadeiro. “Ou, porventura, ignorais que todos nós que fomos batizados em Cristo Jesus fomos batizados na sua morte?”. É contrário a todas as leis enterrar aqueles que ainda estão vivos. Enquanto não morrerem, o homem não pode ter o direito de ser enterrado. Muito bem, então, o cristão está morto – morto, primeiro, para o domínio do pecado. Toda vez que o pecado lhe chamava, antes, ele respondia, “aqui estou eu, pois você me chamou.” O pecado mandava em seus membros, e se o pecado dizia, “faça isso,” ele o faria, como o soldado obediente ao seu centurião; pois o pecado mandava em todas as partes da sua natureza, e exercia sobre ele uma tirania suprema.
Mas a graça mudou tudo isso. Quando nos convertemos nos tornamos mortos para o domínio do pecado. Se o pecado nos chama agora, recusamos a ir para ele, pois estamos mortos. Se o pecado nos dá um comando nós não o obedecemos, pois estamos mortos para a sua autoridade. O pecado vem a nós hoje – ó, que ele não o faça – e acha em nós a velha corrupção que está crucificada, mas ainda não morta; porém, ele não tem domínio sobre nossa verdadeira vida. Bendito seja Deus, o pecado não pode reinar sobre nós, por mais que possa nos assediar e nos trazer mal. “Porque o pecado não terá domínio sobre vós; pois não estais debaixo da lei, e sim da graça.” Nós pecamos, mas sem permissão. Com que tristeza olhamos para as nossas transgressões! Quão sinceramente nos empenhamos em evitá-las! O pecado tenta manter seu poder usurpador sobre nós; mas não o reconhecemos como soberano. O mal entra em nós como um intruso ou um estranho, e trabalha em triste confusão, mas não habita em nós sobre um trono; é alguém de fora, rejeitado, e não mais honrado com prazer. Estamos mortos para o reino do poder do pecado.
O crente, se espiritualmente sepultado com Cristo, está morto para o desejo de tal poder. “O quê!” diz você, “não têm os homens piedosos desejos de pecado?” De fato, eles têm. A velha natureza que há neles deseja o pecado; mas o homem verdadeiro, o ego real, deseja ser purgado de qualquer espécie ou traço de mal. A lei que opera em seus membros corre para o pecado, mas a vida no coração constrange à santidade (Romanos 7:14-23). Eu posso falar honestamente, por mim mesmo, que meu desejo mais profundo de minha alma é viver uma vida perfeita. Se eu pudesse ter meu melhor desejo realizado, eu nunca pecaria de novo; e, apesar disso, eu consinto com o pecado de tal forma que me torno responsável quando transgrido, meu eu mais interior aborrece a iniquidade. O pecado é meu fardo, não meu prazer; minha miséria, não meu deleite; pensando nisso eu clamo, “desventurado homem que sou! Quem me livrará do corpo desta morte?” (Romanos 7:24). No centro do nosso coração nosso espírito se inclina firmemente para o que é bom, verdadeiro e celestial, de tal forma que o homem real tem prazer na lei de Deus, e busca de todo coração o que é bom. A verdadeira tendência atual do desejo e vontade de nossa alma não é para o pecado, e o apóstolo não nos ensinou mera fantasia quando disse, “Porque aquele que está morto está livre do pecado” (Romanos 6:7).
Além disso, em segundo lugar, estamos como que mortos à busca intensa e aos objetivos de uma vida ímpia e pecaminosa. Irmãos, há entre vocês alguém que professa ser servo de Deus vivendo para si mesmo? Então vocês não são servos de Deus; pois aquele que realmente nasceu de novo vive para Deus: o objetivo de sua vida é a glória de Deus e o bem dos seus semelhantes. Esse é o prêmio colocado à frente do homem movido por Deus, e para isso ele corre.
“Eu não corro para isso”, diz um. Bem, então você não chegará ao destino desejado. Se você corre atrás dos prazeres do mundo e suas riquezas, você talvez alcance o prêmio de que está atrás, mas você não pode conquistar o “prêmio da soberana vocação de Deus em Cristo Jesus” (Filipenses 3:14). Eu espero que muitos de nós possamos dizer honestamente que estamos agora mortos para qualquer objetivo na vida, exceto a glória de Deus em Cristo Jesus. Estamos no mundo, e temos que viver como os outros homens vivem, levando para frente nosso negócio regular; mas tudo isso está subordinado em segundo plano, e não nos agarramos nisso; nossos alvos estão além de algo mutável. O vôo de nossa alma, como o da águia, está acima dessas nuvens: como aquele pássaro que do sol recebe luz nas rochas, que mesmo descendo às planícies, ainda assim seu prazer é planar buscando a luz, indo acima das nuvens negras de tempestade, e olhando para todas as coisas terrenas como inferiores. Semelhantemente nossa vida que nos foi dada graciosamente segue em frente e acima; não somos do mundo, e as questões do mundo não são aquelas em que nós gastamos a maioria das nossas forças.
Novamente, estamos mortos no sentido que estamos mortos para a orientação do pecado. A concupiscência da carne guia um homem para todos os lados. Ele determina seu curso pela pergunta, “o que é mais prazeroso? O que me dará mais gratificação imediata?” O caminho dos ímpios é traçado pela mão do desejo egoísta: mas vocês que são verdadeiros cristãos têm outro guia, vocês são liderados pelo Espírito em um caminho direito. Você pergunta, “o que é bom e o que é aceitável aos olhos do Altíssimo?” Sua oração diária é “Senhor, mostra-me o que queres que eu faça”. Vocês estão vivos para o ensino do Espírito, que os conduzirá a toda a verdade; mas vocês estão surdos, sim, mortos para os dogmas da sabedoria carnal, às oposições da filosofia, aos erros da orgulhosa sabedoria dos homens. Guias cegos que caem (Mateus 15:14) com suas vítimas na vala são evitados por vocês, que escolheram o caminho do Senhor. Que abençoado estado de coração é este! Eu creio, meus irmãos, que já o percebemos de todo! Conhecemos a voz do pastor, e não seguiremos o estranho (João 10:4-5). Um é o vosso professor, e submetemos nosso entendimento à sua instrução infalível.
Nosso texto deve ter tido um significado fortíssimo entre os romanos do tempo de Paulo, pois eles estavam mergulhados em todas as formas de vícios odiosos. Pegue um romano normal daquele período, e você o verá como um homem acostumado a gastar grande parte de seu tempo no anfiteatro, embrutecido pelas visões brutais de espetáculos sangrentos, nos quais gladiadores se matavam para divertir uma multidão de folga. Ensinados em tal escola, o romano era cruel o quanto se pode ser, e além disso feroz na satisfação de suas paixões. Um homem depravado não era considerado totalmente degradado; não somente nobres e imperadores eram monstros do vício, mas os professores públicos eram impuros. Quando aqueles que eram considerados como morais eram corruptos, você pode imaginar como eram os imorais. “Divirta-se; siga atrás dos prazeres da carne”, essa era a regra da época.
O cristianismo introduziu um novo elemento. Veja um romano convertido pela graça de Deus! Que mudança há nele! Seu vizinho lhe diz, “você não estava no anfiteatro esta manhã. Como pôde perder a visão dos cem germânicos que arrancaram as entranhas uns dos outros?” “Não”, ele diz, “eu não estava lá; eu não suportaria estar lá. Estou completamente morto pra isso. Se você me forçasse a estar lá, eu teria de fechar meus olhos, pois não poderia olhar para assassinato ser cometido por esporte!”. O cristão não se acomodava em locais de licenciosidade; ele estava realmente morto para tamanha imundície. A moda e os costumes da época eram tais que os cristãos não conseguiriam consentir com eles, e assim eles se tornaram mortos para a sociedade. Os cristãos não somente não iam atrás do pecado público, mas eles falavam dele com horror, e suas vidas o repreendiam. Coisas que as multidões consideravam com alegria, e falavam exaltando-as, não davam prazer ao seguidor de Jesus, pois ele estava morto para tais males. Essa é a nossa confissão solene quando decidimos nos batizar. Falamos, por atos que são mais audíveis que palavras, que estamos mortos para aquelas coisas em que os pecadores se deleitam, e queremos ser assim considerados.
2. O pensamento seguinte em batismo é a sepultara. Primeiro vem a morte, e então se segue o sepultamento. Agora, o que é o enterro, irmãos? Enterro é, antes de tudo, o selo da morte; é o certificado da perda. “Está tal homem morto?” diz você. Outro responde, “porque, meu caro? Ele foi enterrado há um ano”. Há exemplos de pessoas enterradas vivas, e eu temo que isso aconteça com triste frequência no batismo, mas não é natural, e de forma alguma é a regra. Eu temo que muitos tenham sido enterrados vivos no batismo, e tenham posteriormente se levantado e saído da sepultura como estavam. Mas se o enterro é verdadeiro, é uma prova da morte. Se eu consigo dizer com verdade, “fui sepultado com Cristo trinta anos atrás”, eu certamente estou morto.
Certamente o mundo pensava assim, pois não pouco depois do meu enterro com Jesus eu comecei a pregar o Seu nome, e então o mundo me teve como perdido, e disser: “ele fede”. Começaram a dizer toda sorte de mal contra o pregador; mas quanto mais eu cheirava mal em suas narinas, mais eu me sentia melhor, pois tanto mais certamente eu estava morto para o mundo. É bom para o cristão ser ofensivo aos homens rebeldes. Vejo como nosso Mestre fedia na estima dos ímpios quando clamavam “crucifica-o! Crucifica-o!” por mais que nenhuma corrupção poderia chegar perto de Seu corpo santo, ainda assim Seu caráter perfeito não era saboreado por aquela geração perversa. Deve haver, portanto, em nós a morte para o mundo, e alguns dos efeitos da morte, ou nosso batismo é vão. Tanto quanto o sepultamento é a prova da morte, então nosso enterro com Cristo é o selo de nossa mortificação para o mundo.
Mas o sepultamento é, a seguir, a manifestação da morte. Enquanto o homem está vivo, os que passam não sabem que ele está morto; mas quando acontece o funeral, e ele é levado pelas ruas, todos sabem que ele está morto. É isso que o batismo deve ser. A morte do crente para o pecado é inicialmente um segredo, mas por uma confissão aberta ele leva todos os homens a saberem que ele está morto com Cristo. Batismo é o rito funerário pela qual a morte para o pecado é abertamente estabelecida diante de todos os homens.
O sepultamento é também a separação da morte. O homem morto não está mais em sua casa, mas é colocado à parte como um não é mais contado entre os vivos. Um corpo não é uma companhia bem-vinda. Mesmo o objeto mais amado depois de um tempo não pode ser tolerado quando a morte fez seu trabalho sobre ele. Mesmo Abraão, que ficou por tanto tempo unido a sua amada Sara, dé visto dizendo, “sepulte o morto de diante da minha face” (Gênesis 23:1-4). Tal é o crente quando sua morte para o mundo é totalmente conhecida: ele é má companhia na opinião dos mundanos, e eles o vêm como o estraga-prazeres. O verdadeiro santo é colocado em separado na mesma classe que Cristo, de acordo com Sua palavra, “Se me perseguiram a mim, também perseguirão a vós” (João 15:20). O santo é colocado fora do arraial (Hebreus 13:13) na mesma cova que seu Senhor; pois assim como Ele foi, assim somos nós também neste mundo. Ele está sepultado pelo mundo naquele único cemitério de fé, se assim o devo chamar, onde todos os que estão em Cristo estão juntamente mortos para o mundo, com o epitáfio para todos eles, “Porque já estais mortos, e a vossa vida está escondida com Cristo em Deus” (Colossenses 3:3).
E a cova é o lugar – eu não sei de onde tirar uma palavra disso – da fixação da morte; pois quando um homem é morto e enterrado você jamais espera vê-lo voltando para casa novamente: tanto quanto este mundo está informado, morte e sepultamento são irreversíveis. Eles me dizem que espíritos andam pela terra, e todos nós vimos no jornal “A verdade sobre fantasmas”, mas eu tenho minhas dúvidas neste assunto. Nas questões espirituais, entretanto, eu temo que alguns não estejam muito sepultados com Cristo, mas andam entre as tumbas. Me entristece muito que seja assim. O homem em Cristo não pode andar como fantasma, pois ele está vivo em outro lugar; ele recebeu um novo ser e, portanto, ele não pode andar murmurando e espiando entre os hipócritas que estão mortos a seu redor. Veja o que nosso capítulo fala sobre o Senhor: “sabendo que, havendo Cristo ressuscitado dos mortos, já não morre; a morte não mais terá domínio sobre ele. Pois, quanto a ter morrido, de uma vez morreu para o pecado; mas, quanto a viver, vive para Deus.” (Romanos 6:9-10). Se de fato fomos vivificados das obras mortas nós jamais devemos voltar-nos a elas. Eu posso até pecar, mas o pecado não pode ter domínio sobre mim; eu posso ser um transgressor e ir longe do meu Deus, mas jamais eu poderia voltar à velha morte novamente. Quando a graça do meu Senhor me tomou, e me enterrou, ela forjou em minha alma a convicção que dali em diante e para sempre eu era para o mundo um homem morto.
Eu estou verdadeiramente grato em não ter comprometido isso, mas ter ido direto para fora. Eu desembainhei a espada, e lancei fora a bainha. Digam ao mundo que é melhor eles não tentarem nos buscar de volta, pois estamos tão estragados para ele como se estivéssemos mortos. Tudo que poderiam ter de nós seriam nossas carcaças. Digam ao mundo para não nos tentar mais, pois nossos corações estão mudados. O pecado pode encantar o homem velho dependurado na cruz, e ele deve até virar o seu olho luxuriante naquela direção, mas ele não pode seguir seu relance, pois ele não pode descer da cruz: O Senhor teve o cuidado de martelar bastante, e Ele pregou suas mãos e pés firmemente, de tal forma que a carne crucificada permanecerá no lugar de sofrimento e morte. Sendo isso também verdade, a genuína vida que está em nós não pode morrer, pois nasceu de Deus; nem pode habitar em tumbas, pois seu chamado é à pureza e alegria e liberdade; e a esse chamado se rende.
3. Chegamos até a morte e o sepultamento; mas o batismo, de acordo com o texto, representa também a ressurreição: “como Cristo ressuscitou dos mortos pela glória do Pai, assim andemos nós também em novidade de vida” (Romanos 6:4). Agora, note que o homem que está morto em Cristo, e sepultado com Cristo, é também levantado dentre os mortos em Cristo, e esse é um trabalho especial sobre ele. Nenhum morto está ressuscitado, mas o nosso Senhor mesmo é “as primícias dos que dormem” (I Coríntios 15:20). Ele é o primogênito dos mortos (Colossenses 1:18). A Ressurreição foi uma obra especial no corpo de Cristo pela qual Ele foi levantado, e aquela obra, que começou na cabeça, vai continuar até todos os membros serem co-participantes, pois:
“Apesar de nossos pecados exigirem
Que nossa carne se tornar pó;
Ainda assim como Senhor nosso Salvador se levantou,
E assim farão todos os que o seguem”
Pois para nossa alma e espírito, a ressurreição começou em nós. Não chegou a nossos corpos ainda, mas será dada a eles no dia determinado. No presente um trabalho especial foi forjado sobre nós pelo qual fomos levantados dentre os mortos. Irmãos, se vocês tivessem morrido e sido sepultados, e tivessem ficado deitados por uma noite, digamos, no Cemitério Woking, e se uma voz divina lhe chamasse diretamente para fora da cova quando as estrelas silenciosas ainda brilhavam no céu aberto – se, digo eu, vocês tivessem se levantado definitivamente do monte verde de relva, que se solitário deveria ser o vasto cemitério na noite escura! Como você poderia sentar na vala e esperar pela manhã! Essa é realmente a condição que diz respeito ao presente mundo mal. Você foi uma vez igual a todos os pecadores ao seu redor, morto em pecado (Efésios 2:1), e dormindo a cova encomendada pelo mal. O Senhor pelo Seu poder chamou você para fora de sua tumba, e agora você está vivo entre os mortos. Não pode haver amizade aí para você, pois, que comunhão pode haver entre os vivos e os mortos? Os homens lá no cemitério que acabaram de ser chamados não achariam ninguém no meio dos mortos com quem pudessem conversar, e não poderão achar companhia neste mundo. Ali jaz uma caveira, mas ela não pode ver pelos buracos dos olhos; nem tampouco há discurso vindo de sua boca cruel. Eu vejo uma massa de ossos depositados no canto: o que vive olha para eles, mas eles não podem ouvir ou falar. Imagine-se lá. Tudo que você poderia dizer aos ossos seria perguntar, “poderão viver estes ossos secos?” (Ezequiel 37:3). Você seria um estrangeiro nessa casa de corrupção, e você desejaria sair o quanto antes de lá. Essa é sua condição no mundo: Deus te levantou dentre os mortos, e da companhia com a qual você tinha regularmente suas conversações.
Agora, eu clamo a vocês, não volte e cave na terra, para abrir as covas e achar um amigo lá. Quem tiraria a tampa de um caixão e clamaria: “venha, você deve beber comigo! Você deve ir ao teatro comigo!” Não, nós abominamos a ideia de associarmo-nos com a morte, e eu tremo ao ver um cristão professo tentar ter comunhão com homens mundanos. “Pelo que saí do meio deles, e apartai-vos, diz o Senhor; e não toqueis nada imundo” (II Coríntios 6:17). Vocês sabem o que aconteceria a você caso depois de ter sido levantado, e fosse forçado a sentar perto de um corpo morto recentemente tirado da cova. Você clamaria: “eu não posso suportar isso; não posso aguentar isso”; você preferiria estar do lado oposto do vento em relação ao corpo horrendo. Assim também com o homem que está realmente vivo para Deus: atos de injustiça, opressão, ou impureza ele não pode suportar; pois a vida se opõe à corrupção.
Note que, assim como fomos levantados por um trabalho especial de entre os mortos, esse levantar é pelo poder de Deus. Cristo foi trazido novamente “dos mortos pela glória do Pai.” O que isso significa? Porque não disse, “pelo poder do Pai“? Ah, amados, glória é uma palavra maior; pois todos os atributos de Deus são exibidos em toda sua pompa solene na ressurreição de Cristo dentre os mortos. Lá havia a fidelidade do Senhor; não havia Ele declarado que o ressuscitaria dos mortos (Isaías 55:3), e que não permitiria que o Seu Santo visse corrupção (Salmo 16:10)? Não foi o amor do Pai visto nisso? Eu estou certo de que houve um deleite no coração de Deus ao trazer de volta a vida ao corpo de Seu Filho amado. E assim, quando eu e você somos tirados de nossa morte em pecados, não é meramente o poder de Deus, não é meramente a sabedoria de Deus que é vista, é a “glória do Pai”.
Oh, pensar que cada filho de Deus que foi chamado foi chamado pela “glória do Pai“. Exigiu não somente o Espírito Santo, a obra de Jesus e a obra do Pai, mas a própria “glória do Pai“. Se a menor centelha de vida espiritual tem de ser criada pela “glória do Pai”, qual será a glória daquela vida quando chegar à perfeição plena, e quando formos como Cristo, e vê-lo como Ele é (I João 3:2)! Oh amados, tenham em alta conta a nova vida que Deus lhes deu. Pensem nela em lhes tornando mais ricos do que se vocês tivessem um mar de pérolas, mais do que se vocês tivessem descendido do mais elevado dos príncipes. Há em você aquilo que requer todos os atributos de Deus para vir a existir. Ele poderia fazer um mundo somente com poder, mas você deve ser levantado de entre os mortos pela “glória do Pai”.
Note a seguir que essa vida é algo inteiramente novo. Nós somos chamados a andar em “novidade de vida“. A vida de um cristão é algo inteiramente diferente da vida de outros homens, totalmente diferente da sua própria vida antes de sua conversão, e quando as pessoas tentam falsificá-la, eles não conseguem.
Uma pessoa lhe escreve uma carta e quer que você acredite que ele é um crente, mas dentro de uma meia-dúzia de sentenças aparece uma linha que trai o impostor. O hipócrita copiou suas expressões de maneira ordenada, mas não totalmente. Há uma maçonaria entre nós, e o mundo olha-nos de fora por um pouco, e aqui e ali eles tomam alguns de nossos símbolos; mas há um símbolo privado, que eles nunca conseguirão imitar, e assim em certo ponto eles se quebram. Um ateu pode orar tanto quanto um cristão, ler tanto a Bíblia quanto um cristão, e mesmo ir além de nós no exterior; mas há um segredo que ele não sabe e não consegue falsificar. A vida divina é uma novidade tão grande que o irregenerado não tem uma cópia com que trabalhar. Em todo cristão ela é tão nova como se ele fosse o primeiro cristão. Ainda que em todos haja a imagem e a inscrição de Cristo, ainda há uma borda branqueada ou algo dessa prata verdadeira que esses falsificadores não podem copiar. É algo novo, uma história, algo fresco de Deus.
E, por último, essa vida é algo ativo. Eu já desejei que Paulo não tivesse sido tão rápido enquanto o lia. Seu estilo viaja em botas de sete léguas. Ele não escreve como um homem qualquer. Eu realmente gostaria de dizer a ele que se ele tivesse escrito este texto na ordem apropriada, deveria ser, “Como Cristo foi levantado dentre os mortos pela glória do Pai, assim também devemos ser levantados”. Mas veja; Paulo pulou tanto assunto enquanto falamos: ele chegou a “andemos”. O andar inclui a vida, que o simboliza, e Paulo pensa tão rápido quando o Espírito de Deus está sobre ele que ele passou direto da causa para o efeito. Tão logo recebemos a nova vida nos tornamos ativos: não sentamos e dizemos, “eu recebi uma nova vida: quão grato eu devo estar. Eu vou na quietude usufruir disso”. Oh, queridos, não. Nós temos de fazer algo diretamente enquanto estamos vivos, e começamos a andar, e assim o Senhor mantém-nos durante toda a nossa vida em Sua obra; ele não nos permite ficar sentados contentes com o mero fato de vivermos, nem permite que gastemos nosso tempo examinando se vivemos ou não; mas nos dá uma batalha para lutar, e a seguir outra; Ele nos dá Sua casa para construir, Sua fazenda para arar, Seus filhos para cuidar, e Suas ovelhas para alimentar.
Às vezes temos tempos de lutas ferozes com nosso próprio espírito, e tememos que o pecado e Satanás irão enfim prevalecer, até que nossa vida será dificilmente reconhecida, mas é sempre reconhecida pelos atos. A vida que é dada àqueles que estavam mortos, com Cristo, é uma vida enérgica, forte, que está sempre ocupada para Cristo, e, se pudesse, moveria céus e terra para sujeitar todas as coisas àquele que é sua Cabeça.
Essa vida Paulo nos diz que não tem fim. Uma vez recebida, nunca sairá de você. “havendo Cristo ressuscitado dos mortos já não morre; a morte não mais terá domínio sobre ele“. É também uma vida que não está mais debaixo do pecado ou da lei. Cristo veio sob a lei enquanto estava aqui (Gálatas 4:4), e teve os nossos pecados sobre si (Isaías 53:6), e assim morreu; mas depois que Ele ressuscitou não havia mais pecado sobre Ele. Em Sua ressurreição tanto o pecador quanto o Fiador estão livres. O que Cristo teve de fazer depois de ressuscitar? Carregar mais pecados (Hebreus 7:27)? Não, mas simplesmente viver para Deus. É aí onde eu e você estamos. Não temos pecados mais para carregar; está tudo sobre Cristo. O que temos de fazer? Toda vez que tivermos uma dor de cabeça, ou nos sentirmos enfermos, clamaremos, “essa é a punição pelo meu pecado?” Nada disso. Nossa punição foi plenamente satisfeita, pois recebemos a sentença capital, e estamos mortos: nossa nova vida deve ser para Deus.
“Tudo o que resta para mim
É somente amor e canção,
E esperar a vinda dos anjos
Para me levar aos céus.”
Eu tenho agora que servi-lO e ter prazer nEle, e usar o poder que Ele me deu para chamar outros dos mortos, “desperta, ó tu que dormes, e levanta-te dentre os mortos, e Cristo te iluminará” (Efésios 5:14). Eu não vou voltar à cova da morte espiritual nem ao meu caixão de pecado; mas pela graça divina vou continuar a crer em Jesus, e ir de força em força, não debaixo da lei, não temendo o inferno, nem esperando merecer o céu, mas como uma nova criatura (II Coríntios 5:17), amando por ter sido amado primeiro (I João 4:19), vivendo para Cristo pois Cristo vive em mim (Gálatas 2:19-20), ardentemente esperando a glória que será revelada (Romanos 8:18) em virtude da minha união com Cristo.
Pobre pecador, você não sabe nada sobre essa morte e sepultamento, e nunca saberá até que você tenha o poder de ser chamado filho de Deus (João 1:12), que Ele dá a todos os que crêem no Seu nome. Creia no Seu nome, e será todo seu. Amém e amém.

PORÇÃO DAS ESCRITURAS LIDA ANTES DO SERMÃO – Romanos 6
Charles Haddon Spurgeon
Enviado por Silvio Dutra Alves em 10/09/2013
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