O Batismo: uma Sepultura – Parte 1
por Charles Haddon Spurgeon
“Ou não sabeis que todos quantos fomos batizados em Jesus Cristo fomos batizados na sua morte? De sorte que fomos sepultados com ele pelo batismo na morte; para que, como Cristo foi ressuscitado dentre os mortos, pela glória do Pai, assim andemos nós também em novidade de vida..” (Romanos 6:3-4)
Que não se entre em controvérsia neste texto sobre o batismo, por mais que sobre ele alguns tenham levantado questões sobre o batismo infantil e adulto, imersão ou aspersão. Se qualquer pessoa puder interpretar de maneira consistente e conclusiva este texto sem considerar que a imersão é o genuíno batismo cristão, eu realmente gostaria de ver como ela o faz. Eu mesmo sou bem incapaz de realizar tal feito, e não imagino como fazê-lo. Eu me contento em aceitar o ponto de vista que o batismo significa um sepultamento dos crentes nas águas em nome do Senhor, e assim eu irei interpretar o texto.
Se alguém tem outra perspectiva, deveria ao menos se interessar em saber qual o significado que damos ao rito do batismo, e espero que eles não discordem do sentido espiritual apenas por diferirem do sinal externo. Afinal, o emblema visível não é o assunto proeminente no texto. Que Deus Espírito Santo nos ajude a chegar ao ensino real.
Eu não entendo que Paulo esteja dizendo que pessoas impróprias como os incrédulos, hipócritas, e enganadores que são batizados o sejam na morte de nosso Senhor. Ele diz “todos nós que”, colocando-se com o resto dos filhos de Deus. Ele pretende dizer que estes são os que tem direito ao batismo, e que a ele vem com seus corações em um estado correto. Sobre tais pessoas, Paulo diz, “ou não sabeis que todos quantos fomos batizados em Jesus Cristo fomos batizados na sua morte?” Ele nem mesmo pretende dizer que todos aqueles que foram batizados por direito tiveram completo entendimento do seu significado espiritual; pois, se o tivessem, não haveria necessidade da pergunta: “Ou não sabeis?” Parece que havia alguns batizados que não sabiam realmente o significado de seu próprio batismo. Eles tinham fé, e uma quantidade de conhecimento suficiente para torná-los dignos recebedores do batismo, porém não haviam sido corretamente instruídos na doutrina do batismo; talvez só estivesse enxergando no batismo o aspecto da lavagem, mas ainda não discerniram a característica do enterro.
Eu irei além, ao questionar se algum de nós conhece de maneira plena o significado das ordenanças que Cristo instituiu. Até agora somos como crianças brincando na praia em relação às coisas espirituais, enquanto o oceano está diante de nós. O melhor que podemos fazer é entrar no mar só até a altura dos joelhos, como nossos filhos fazem. Poucos de nós estamos aprendendo a nadar; e quando aprendemos, só nadamos até onde podemos pisar os pés em segurança. Quem de nós jamais perdeu de vista a praia e nadou no Atlântico do amor divino, onde a verdade profunda está realmente no fundo, e o infinito é o que se vê ao redor?
Oh, que Deus nos ensine diariamente aquilo que já sabemos em parte, e que a verdade que vimos de forma embaçada venha a nós de forma mais clara, até vermos tudo como que na presença da total luz do sol. Isso só pode ocorrer se nosso caráter se tornar mais claro e puro; pois vemos de acordo com o que somos; e tal como é o nosso olho, assim também é como vemos. O puro de olhos só pode ver um Deus Santo e Puro. Seremos como Jesus quando o virmos como Ele é (I João 3:2), e certamente não o veremos como Ele é até sermos como Ele. Nas coisas celestiais nós O vemos tanto quanto nós O temos em nós mesmos. Aquele que comeu a carne e o sangue de Cristo espiritualmente é o homem que pode vê-lO na santa ceia, e aquele que foi batizado em Cristo vê Cristo no batismo. Porque a todo o que tem se lhe dará, e terá em abundância (Mateus 25:29).
O batismo anuncia a morte, sepultamento e a ressurreição de Cristo, e também nossa comunhão com Ele. Seu ensino tem dois pontos. Primeiro, pensem na união representativa com Cristo, de tal forma que, quando nosso Senhor foi morto e enterrado, foi para nosso próprio benefício, e desta forma fomos enterrados com Ele. Isso nos ensina do batismo na medida que declara abertamente uma crença. Declaramos através do batismo que cremos na morte e Jesus, e desejamos comungar de todo Seu mérito.
Mas há outro assunto tão importante quanto este: trata-se da realização da nossa união com Cristo, que é demonstrada por meio do batismo, não tanto como uma doutrina da nossa confissão, mas como uma experiência nossa. Há um tipo de morte, de sepultamento, de ressurreição, e de viver em Cristo que deve se apresentar em todos nós que realmente somos membros do corpo de Cristo.
I Primeiramente, então, eu gostaria que você pensasse em NOSSA UNIÃO REPRESENTATIVA COM CRISTO como é estabelecida no batismo como uma verdade a ser crida. Nosso Senhor Jesus é o substituto do Seu povo, e quando Ele morreu foi para o bem desse povo e em seu lugar. A grande doutrina da nossa justificação depende disso, que Cristo tomou nossos pecados, ficou em nosso lugar, e como nosso procurador sofreu, sangrou, e morreu para apresentar em nosso lugar um sacrifício pelo pecado. Nós devemos nos lembrar dEle, não como uma pessoa privada, mas como nosso representante. Somos enterrados com Ele no batismo até a morte para mostrar que O aceitamos como sendo para nós morto e enterrado.
O Batismo como um enterro com Cristo significa, primeiro, aceitar a morte e sepultamento de Cristo como sendo para nós. Vamos fazer isso agora mesmo com todo o nosso coração. Que outra esperança temos? Quando nosso Divino Senhor desceu das alturas da glória e tomou sobre si a nossa humanidade, Ele se tornou um comigo e com você; e, tendo sido achado em forma humana (Filipenses 2:7), ao Pai agradou colocar o pecado sobre Ele, até mesmo os seus e os meus pecados (Isaías 53). Você não aceita essa verdade, e concorda que o Senhor Jesus deve ser o sofredor da nossa culpa, e permanecer em pé em seu lugar à vista de Deus? “Amém! Amém!” digam todos vocês.
Ele subiu ao madeiro carregado com toda essa culpa, e lá Ele sofreu em nosso lugar e legalmente foi penalizado como nós deveríamos sofrer. Agradou ao Pai, ao invés de moer a nós, moê-lO. Ele O pôs para sofrer, fazendo sua alma uma oferta pelo pecado. Não aceitamos gratos a Jesus como nosso substituto? Oh amados, tendo sido batizados nas águas ou não, eu coloco essa questão diante de vocês: “você aceita o Senhor Jesus como seu representante substituto?” Pois se não O aceitam, vocês devem sofrer a própria culpa e carregar seu próprio sofrimento, e estar de pé no seu próprio lugar diante do olhar da justiça irada de Deus. Muitos de nós dizemos no mais profundo do coração –
“Minha alma se volta para ver
O sofrimentos que Tu suportaste,
Quando segurado na maldita árvore,
E espera que sua culpa esteja lá”
Agora, sendo sepultados com Cristo no batismo, selamos que a morte de Cristo foi em nosso benefício, e que estávamos com Ele, e morremos nEle, e, como prova de nossa fé, consentimos na tumba de água, e nos deixamos ser sepultados de acordo com Seu mandamento. Esse é um fato de fé fundamental – Cristo morto e sepultado por nós; em outras palavras, substituição, procuração, sacrifício vicário. Sua morte é a base da nossa segurança: não somos batizados no Seu exemplo, ou em Sua vida, mas em Sua morte. Aqui nós confessamos que toda a nossa salvação depende da morte de Jesus, cuja morte nós aceitamos como tendo acontecido por nosso benefício.
Mas isso não é tudo; pois se eu devo ser sepultado, não deve ser tanto porque eu aceito a morte substitutiva de outro por mim , mas por qué eu mesmo estou morto. Batismo é um reconhecimento de nossa própria morte em Cristo. Mas porque um homem vivo deveria ser enterrado? Porque ele deveria ser enterrado porque outro morreu em seu benefício? Meu sepultamento com Cristo não significa somente que Ele morreu por mim, mas que eu morri nEle, de tal forma que minha morte com Ele precisa de um enterro com Ele. Jesus morreu por nós porque ele é um conosco (João 17:11, 21).
O Senhor Jesus Cristo não tomou sobre si os pecados do Seu povo por uma decisão arbitrária de Deus; mas era totalmente natural e próprio que Ele deveria tomar os pecados do Seu povo, pois eles são Seu povo, e Ele é sua cabeça definitiva. Era necessário Cristo sofrer por esta razão – que Ele era o representante do Seu povo pela aliança. Ele é a Cabeça do corpo, a Igreja; e se os membros pecaram, entende-se que a Cabeça, ainda que não tenha pecado, deva sofrer as consequências das ações do corpo. Assim como há um relacionamento natural entre Adão e aqueles que estão em Adão, assim há também entre o segundo Adão e os que estão nEle (Romanos 5:12-21).
Eu aceito o que o primeiro Adão fez em relação ao meu pecado. Alguns de vocês podem discordar disto, e com toda a dispensação do pacto, se quiserem; mas como agradou a Deus colocar as coisas dessa forma, e eu sinto os efeitos disso, eu não vejo uso algum para a minha discórdia com isso. Tal qual aceito o pecado do pai Adão, e sinto que eu pequei com ele, assim também com alegria intensa aceito a morte e sacrifício pela culpa de meu segundo Adão, e me regozijo que nEle eu morri e ressuscitei. Eu vivi, eu morri, eu guardei a lei, eu satisfiz a justiça através da aliança da Cabeça. Deixe-me ser enterrado no batismo que eu mostrarei a todos em volta que eu creio que eu era um com meu Senhor na morte e enterro pelo pecado.
Olhem para isso, ó filhos de Deus, e não temam. Essas são grandes verdades, seguras e confortantes. Vocês estão entre as grandes ondas do Atlântico agora, mas não tenham medo. Percebam o efeito santificador dessa verdade. Suponha que um homem seja condenado à morte por causa de um grande crime; suponha, aliás, que ele morreu por aquele crime, e agora, por alguma obra maravilhosa de Deus, após ter sido morto, ele foi vivificado de novo. Ele está novamente entre os homens, como ressurreto dentre os mortos, e qual é o estado de sua consciência quanto à sua ofensa? Ele irá cometer aquele crime de novo? Um crime pelo qual ele morreu? Eu digo enfaticamente: Deus proíba. Ele certamente dirá: “eu provei da amargura desse pecado, e eu fui miraculosamente levantado da morte que me sobreveio, e revivi; agora eu odiarei aquilo que me matou, e o abominarei com toda a minha alma.”
Aquele que recebeu o pagamento do pecado deve aprender como evitá-lo no futuro. Mas, você responde que “nós nunca morremos assim. Nunca fomos obrigados a pagar a dívida do nosso pecado.” Correto. Mas aquilo que Cristo fez por você vem a ser a mesma coisa, e o Senhor olha para isso como a mesma coisa. Você é então um com Jesus, de tal forma que você deve considerar a morte dEle como a sua morte; Seus sofrimentos como o castigo que lhe traz a paz (Isaías 53: 5). Você morreu na morte de Jesus, e agora por uma graça estranha e misteriosa você é resgatado do poço de corrupção (Salmo 40:1-2) para uma vida nova. Como você poderia voltar novamente ao pecado? Você viu o que Deus pensa do pecado: você percebe que Ele o abomina totalmente; pois quando foi posto sobre Seu Filho Amado, Ele não O poupou, mas O pôs em sofrimentos e O levou à morte. Pode você, depois disso, voltar-se àquela coisa maldita que Deus odeia? Certamente, o efeito dos grandes sofrimentos do Salvador sobre seu espírito deve ser a santificação. Como viveremos para o pecado, nós que para ele morremos (Romanos 6:1-14)? Como podemos nós, que já passamos debaixo da maldição (Gálatas 3:13-14), e suportamos sua pesada punição, tolerar seu poder? Deveríamos voltar a esse mal assassino, vil, virulento, e abominável? Não pode ser. A graça o proíbe. Que Deus não o queira.
Essa doutrina não é a conclusão de todo o assunto. O texto nos descreve como sepultados, mas com a perspectiva de ressurreição. “Fomos, pois, sepultados com Ele na morte pelo batismo;” – com qual objetivo? – “para que, como Cristo foi ressuscitado dentre os mortos, assim também andemos nós em novidade de vida.” Ser sepultado com Cristo! Para quê? Para que você permaneça morto para sempre? Não, mas agora onde Cristo está, você deve ir aonde Cristo for. Segure-se nEle, então: Ele vai, então primeiro ao sepulcro, mas depois segue para fora do sepulcro; pois quando a terceira manhã chegou, Ele levantou. Se você é de fato um com Cristo, você deve ser um com Ele e passar por tudo; Você será um com Ele na morte, e um com Ele no seu sepultamento, e então você virá a ser um com Ele em Sua ressurreição.
Sou agora um homem morto? Não, bendito seja o Seu nome, pois está escrito que “porque eu vivo, vós também vivereis” (João 14:19). Fato é que eu estou morto em um sentido, “considerai-vos mortos”. Mas não estou em outro pois “a vossa vida está oculta juntamente com Cristo, em Deus” (Colossenses 3:3). E como um homem estaria absolutamente morto se ele tem uma vida oculta? Não; já que eu sou um com Cristo eu sou o que Cristo é: como Ele é um Cristo vivente, eu sou espírito vivente. Que coisa gloriosa é ter retornado dos mortos, porque Cristo nos deu vida. Nossa velha vida legal foi tirada de nós pela sentença da lei, e a lei nos vê como mortos (Romanos 7:1-6); mas agora recebemos uma nova vida, uma vida fora da morte, uma vida ressurreta em Cristo Jesus. A vida do cristão é a vida de Cristo. Não é a vida da primeira criação nossa, mas da nova criação a partir dos mortos. Agora, pois, andamos nós em novidade de vida (Romanos 6:4), frutificando para a santificação (Romanos 6:22), justiça, e alegria pelo Espírito de Deus. A vida na carne é para nós um obstáculo; nossa vida está no Seu Espírito. No melhor e mais elevado sentido, nossa vida é espiritual e celestial. Isso também é doutrina que deve ser guardada muito firmemente.
Eu quero que vocês vejam a força disso; pois eu estou buscando resultados práticos nesta manhã. Se Deus deu a você e a mim uma vida inteiramente nova em Cristo, como pode essa vida ser desperdiçada da mesma forma que a vida velha? Há o espiritual que quer viver como carnal? Como podem vocês que eram os servos do pecado, que foram libertos pelo sangue precioso, voltar à velha escravidão (Gálatas 5:1)? Quando vocês estavam na vida do primeiro Adão, vocês viviam em pecado, e o amavam; mas agora vocês foram mortos e enterrados, e feitos para andarem em novidade de vida: como pode ser que vocês estejam voltando aos rudimentos do mundo de onde o Senhor vos tirou? Se vocês vivem em pecado, vocês serão falsos na sua profissão de fé; pois vocês professarão estarem vivos para Deus (Romanos 6:11)? Se vocês andam na concupiscência, vocês vão pisar as doutrinas benditas da Palavra de Deus, pois elas levam à santidade e pureza. Você faria do cristianismo apenas uma palavra e um provérbio se, depois de tudo, vocês que saíram da morte espiritual exibissem uma conduta em nada melhor que a vida do homem comum, e um pouco superior à vida que você mesmo levava.
Isso tudo visto que muitos de vocês que foram batizados disseram ao mundo “estamos mortos para o mundo, e fomos trazidos para uma nova vida”. Nossos desejos carnais estão dessa forma vistos como mortos, pois agora vivemos numa ordem de vida totalmente nova. O Espírito Santo nos deu uma nova natureza, e por mais que estejamos no mundo, não somos dele, mas somos feitos novo homem, “criados em Cristo Jesus” (Efésios 2:10). Essa é a doutrina que pregamos a todo homem, que Cristo morreu e ressuscitou, e que Seu povo morreu e ressuscitou nEle. Dessa doutrina cresce a morte para o pecado e vida para Deus, e desejamos por cada ação e cada momento de nossas vidas ensiná-la a todos que nos veem.
Não é esta uma doutrina preciosa? Ó, se vocês de fato são um com Cristo, o mundo deveria os achar se sujando? Deveriam os membros de uma Cabeça generosa e graciosa, invejarem e serem gananciosos? Deveriam os membros de uma Cabeça gloriosa, pura e perfeita, ser depredados com as concupiscências da carne e com as vaidades de uma vida em vão? Se os crentes são de fato identificados com Cristo de forma tal que eles são Seu tudo, eles mesmos não deveriam ser santos? Se nós vivemos em virtude pela nossa união com Seu corpo, como podemos viver como vivem os gentios? Como pode ser que tantos crentes professos exibam uma vida meramente mundana, vivendo para os negócios e o prazer, mas não para Deus, em Deus, ou com Deus? Eles dão uma pitada de religião numa vida mundana, e esperam cristianizá-la. Mas não conseguirão. Eu sou chamado a viver como Cristo viveria em minhas circunstâncias; escondido em meu quarto ou no púlpito público, eu sou chamado a ser o que Cristo seria no mesmo caso. Eu sou chamado a provar aos homens que aquela união com Cristo não é ficção, nem sentimento fanático: mas que somos movidos pelos mesmos princípios e agimos pelos mesmos motivos.
Batismo é então, de fato, um credo, e vocês podem lê-lo nestas palavras: “unidos com Ele na semelhança da Sua morte, certamente, o seremos também na semelhança da Sua ressurreição.”
Charles Haddon Spurgeon
Enviado por Silvio Dutra Alves em 10/09/2013