Prefácio da Epístola aos Romanos por Lutero – Parte 1
Esta Epístola é realmente a parte principal do Novo Testamento e o mais puro Evangelho, sendo digna não apenas que todo cristão a conheça, de coração, palavra por palavra, mas que se ocupem diariamente com ela, como o puro pão diário da alma. Seu conteúdo jamais pode ser esgotado, e quanto mais nos dedicamos ao seu estudo, mais preciosa se torna, e mais saborosa fica.
E assim, na medida em que Deus me der o seu poder para abrir caminho com este prefácio, eu farei o melhor que posso a fim de ser compreendido por todos. Pois, até então, esta Epístola tem sido maldosamente obscurecida com comentários sem utilidade, mas ela é, em si mesma, uma luz brilhante quase suficiente para iluminar toda a Escritura.
Primeiramente devemos ter conhecimento de sua linguagem e saber o que Paulo pretendia dizer com palavras como lei, pecado, graça, fé, justiça, carne, espírito e etc., pois, do contrário, a leitura não terá o menor valor.
Pelo simples termo “lei”, você não deve ter em mente aqui o seu entendimento comum, como o que deve ou não ser feito, pois este seria o padrão humano da lei, ou seja, aquilo que deve ser cumprido, mesmo que o coração não esteja envolvido no processo.
Porém Deus julga de acordo com o que está no profundo do coração, e por essa razão sua lei estabelece exigências sobre o mais íntimo do coração, as quais não podem ser satisfeitas com obras. Por outro lado, Sua lei pune as obras que não são realizadas do mais profundo do coração, como a hipocrisia e a mentira. Em razão disso, todos os homens são chamados mentirosos (Salmo 116) pela fato de que ninguém guarda ou não pode guardar a lei de Deus do fundo do coração, pois todos encontram em si mesmos desgosto por aquilo que é bom e prazer naquilo que é mau. Logo, se não há disposição prazerosa naquilo que é bom, então, interiormente, não há cumprimento da lei de Deus, pois ali certamente há pecado, e a ira de Deus é merecida mesmo que externamente seja apresentada uma vida honrada e com boas obras.
Desta forma, no capítulo 2, Paulo conclui que todos os judeus são pecadores, e diz que os que cumprem a lei são justos diante de Deus. Isso significa que ninguém por suas obras é um cumpridor da lei; mas contrariamente lhes diz: “Ensinas a não cometer adultério, mas tu o cometes,” e “No que julgas o outro, a ti mesmo te condenas, pois praticas as próprias coisas que condenas”; como se diz, “Externamente vives bem a lei, e julgas aqueles que não a vivem, e sabes como ensinar a cada um; tu vês o cisco no olho dos outros, mas não vês a trave no teu.”
Pois mesmo que com tuas obras cumpras a lei motivado por medo da punição ou amor à recompensa, contudo, farás tudo isso sem disposição e prazer, sem amor para com a lei, mas sim de má vontade, sob compulsão; se a lei não estivesse lá, você preferiria fazer outra coisa. A conclusão é que no fundo do seu coração odeias a lei. O que importa, então, se você ensina os outros a não roubar se você é um ladrão no coração, que gostaria de ser também um externamente caso pudesse? Embora, com certeza, a obra externa não está muito atrás de tais hipócritas! Assim ensinas os outros, mas não ensinas a ti mesmo; e tu mesmo não sabes o que ensinar, e nunca tiveste um entendimento correto da lei. Não, a lei aumenta o pecado, como diz o capítulo 5, pelo fato que quanto mais a lei exige o que o homem não pode fazer, mas eles a odeiam.
Por essa razão ele diz no capítulo 7: “A lei é espiritual.” O que é isso? Se a lei fosse para o corpo, ela poderia ser satisfeita com obras; mas desde que ela é espiritual, ninguém pode satisfazê-la dessa forma, a menos que tudo o que se faz seja feito do fundo do coração. No entanto, somente o Espírito de Deus pode dar um novo coração capaz de fazer o homem andar de conformidade com a lei, levando-o a desejá-la no seu coração, e assim levando-o a não fazer mais nada por medo ou constrangimento, e sem a devida disposição de coração. É assim que a lei é espiritual, a qual será amada e cumprida por um coração espiritual habitado pelo Espírito. Se o Espírito não está no coração, ali o pecado permanece, juntamente com a inimizade e o desprazer para com a lei; apesar de ser a lei boa, justa e santa.
Habitue-se, então, com esta linguagem e você perceberá que fazer o trabalho da lei e cumprir a lei são duas coisas muito diferentes. A obra da lei é tudo o que se faz ou que pode ser feito voluntariamente para com as próprias forças guardar a lei. Porém, uma vez que todas essas obras são realizadas sem o devido prazer ou não provém de correta compulsão para guardar a lei, todas elas são perdidas e não possuem valor. Isso é o que Paulo quer dizer no capítulo 3, quando diz: “Por obras da lei ninguém será justificado diante de Deus.” Nisso você pode ver que os argumentadores e sofistas são enganadores quando ensinam que os homens devem se preparar para a graça por meio das obras. Como pode um homem se preparar para o bem por meio das obras, se ele não faz boas obras sem desgosto e indisposição de coração? Como poderá agradar a Deus com um coração relutante e resistente?