Prefácio da Epístola aos Romanos por Lutero – Parte 2
Para cumprir a lei, no entanto, é preciso viver com prazer, amor e, sem a obrigatoriedade da lei, ser livremente piedoso. É o Espírito Santo quem põe este prazer e amor pela lei no coração, como ele diz no capítulo 5: Mas o Espírito Santo não é dado, exceto em, com e pela fé em Jesus Cristo, como ele diz na introdução; e fé não vem, senão somente pela Palavra de Deus ou pelo Evangelho que prega a Cristo como homem e Filho de Deus, que morreu e ressuscitou por nossa causa, como ele diz nos capítulos 3, 4 e 10.
Daí vem que somente a fé aplica a justiça e completa a lei; o que jamais ocorreria fora dos méritos de Cristo, os quais são trazidos pelo Espírito que faz com que o coração se alegre livremente como deseja a lei. Dessa forma, as boas obras provêm da fé. Isto é o que ele quer dizer no capítulo 3, após ter rejeitado as obras da lei, de modo que soa como se fosse abolir a lei pela fé; “Não”, ele diz, “nós estabelecemos a lei pela fé”, isto é, nós a cumprimos pela fé.
Pecado, na Escritura, não se relaciona apenas com obras externas do corpo, mas com toda a atividade interna, do íntimo do coração, que leva o homem com todas as suas forças a praticar essas obras. Assim, o breve termo “fazer” deve significar que um homem cai no pecado e anda no pecado. A princípio, isso não tem a ver apenas com obras pecaminosas externas, a menos que um homem se entregue de corpo e alma ao pecado. As Escrituras olham especialmente para o coração e tem em conta a raiz e a fonte de todo pecado que é a incredulidade no intimo do coração. Como, portanto, somente pela fé alguém se torna justo através da obra do Espírito, o qual gera prazer para com as coisas boas e eternas, assim também a incredulidade proporciona tal pecado, que trazido à carne, produz prazer em más obras tal como aconteceu com Adão e Eva no Paraíso.
Assim Cristo chama a incredulidade de único pecado quando diz em João 16: “O Espírito repreenderá o mundo por pecar, porque eles não creem em mim.” Por esta razão, também, antes das obras boas ou más serem feitas, ou seja, dos frutos, primeiramente existe no coração a fé ou a incredulidade, que é a raiz, a seiva proveniente do chefe do poder de todos os pecados. E este é nas Escrituras conhecido como o cabeça da Serpente e o velho dragão que pela semente da mulher, Cristo, será pisado como foi prometido a Adão em Gênesis 3.
Entre graça e dom há uma diferença. Graça significa propriamente o favor de Deus ou a boa vontade de Deus para conosco, no qual Ele se dispõe a nos dar Cristo e a derramar seu Espírito Santo e seus dons sobre nós. Isto fica claro no capítulo 5 que fala da “graça e dádiva em Cristo.” Os dons e o Espírito aumentam em nós diariamente, embora ainda não sejam perfeitos, e ainda que em nós permaneça a presença do mal e do pecado que guerreia contra o Espírito, como Paulo menciona em Romanos 7 e Gálatas 5, e na disputa entre a semente da mulher e a semente da serpente conforme predito em Gênesis 3. Contudo, a graça faz muito mais a ponto de sermos achados completamente justos diante de Deus. Pois sua graça não está dividida ou fragmentada, como acontece com os dons, mas por causa de Cristo nosso intercessor e mediador e daquelas dádivas que já foram iniciadas em nós, a graça nos toma inteiramente no seu favor.
Neste sentido, então, você pode entender porque Paulo, no capítulo 7, refere-se a si mesmo como um pecador, apesar da falta de completude dos dons e do Espírito, ele diz ainda, no capítulo 8, que nenhuma condenação há para os que estão em Cristo. Por não estar a carne definitivamente morta, nós ainda somos pecadores; porém por crermos e termos as primícias do Espírito, Deus nos é tão favorável e gracioso que não nos imputa pecado, nem nos julga por isso, mas, até a destruição final do pecado, lida conosco segundo a fé que temos em Cristo.
Martinho Lutero
Enviado por Silvio Dutra Alves em 15/09/2013