Salmo 119.28 – Por Thomas Manton – Parte 1
“A minha alma se consome de tristeza; fortalece-me segundo a tua palavra.” (Salmo 119.28)
Tradução e adaptação elaboradas pelo Pr Silvio Dutra, de citações extraídas do comentário de autoria de Thomas Manton, sobre o Salmo 119.28.
Um cristão nunca deveria ficar entristecido até o grau de desânimo, nem confiante até o grau de segurança; e assim ele deve ter um olhar duplo, sobre Deus e sobre si mesmo, sobre as suas próprias necessidades e a todo-suficiência de Deus. Você tem ambos representados neste verso 28 (e frequentemente neste salmo), a sua condição e a sua petição.
1. A sua condição está representada em: “a minha alma se consome de tristeza”.
2. A sua petição a Deus: “fortalece-me segundo a tua palavra.”
Vejamos então em primeiro lugar, a sua condição, "a minha alma se consome de tristeza." A citação “se consome” foi traduzida do original hebraico “dalaph” que significa "verter lágrimas”, “chorar”. É a mesma palavra usada em Jó 16.20. Relaciona-se com definhar de tristeza a ponto de sentir o coração derreter.
Doutrina extraída do texto: Os filhos de Deus, frequentemente, se encontram sob a ação de uma profunda e esmagadora tristeza que não é experimentada por outros homens.
Davi se expressa aqui como estando numa condição de debilidade que não é comum, "Minha alma goteja ou se derrete de tristeza."
São três as razões disto:
1. Seus fardos são muito grandes.
2. Eles têm uma sensibilidade maior do que outros.
3. Sua ação é maior, porque a sua recompensa e conforto são também grandes.
1. Seus fardos são maiores do que outros - como a tentação, a deserção, o problema do pecado. O bem e o mal da vida espiritual é maior do que o bem e o mal de qualquer outra vida qualquer. Como as suas alegrias são indizíveis e gloriosas, assim seus sofrimentos são, por vezes equivalentes à expressão: "Um espírito abatido quem o pode suportar?" (Pv 18.14).
A coragem natural comum levará um homem a outras aflições, oh! mas quando as flechas do Todo-Poderoso perfuram seu coração, Jó 6.3, isto é um peso insuportável.
O homem, que tem uma vida maior do que os animais, é mais capaz de ter prazeres e tristezas do que eles, e assim um cristão que vive a vida da fé está mais capacitado para uma maior carga.
Considere que aqueles que vivem uma vida espiritual lidam imediatamente com o Deus infinito e eterno, e, portanto, quando ele gera alegria no coração, oh, que alegria é isso! E quando Deus estende a sua mão contra eles, quão grande é o seu problema!
O pecado é um fardo mais pesado do que a aflição, e a ira de Deus do que o descontentamento do homem. Males de uma influência eterna são mais do que temporais, portanto, devem ser, necessariamente, maiores e mais pesados.
2. Eles têm uma sensibilidade maior do que os outros - os seus corações estão enternecidos pela fé que professam em Cristo. Ninguém tem um sentimento despertado tão rápido como os filhos de Deus. Por quê? Porque eles têm uma compreensão mais clara, e as afeições mais ternas e sensíveis.
[1] Porque eles têm uma compreensão e visão mais clara sobre a natureza das coisas do que aqueles que estão afogados em prazeres carnais.
Os homens carnais não sabem como valorizar a perda do favor de Deus, mas os santos o preferem mais do que a própria vida: "A graça de Deus é melhor do que a vida", Sl 63.3. Portanto, se o Senhor suspende as manifestações habituais da sua graça e favor, quão perturbados ficam os seus corações! “Tu escondeste o teu rosto, e fiquei perturbado,” Sl 30.7.
Um filho de Deus, que vive em Seu favor, não pode suportar Sua falta; e portanto, quando perde o sentido doce de Seu favor e reconciliação com ele, oh, isto é um problema para as suas almas! Outros homens não se dão conta de tudo isto. E assim, por causa do pecado, os espíritos comuns valorizam apenas o dano que possam sofrer em seus interesses mundanos, e quando isso lhes custa caro, eles podem curvar a cerviz: Jer 2.9: “Agora sei quão amarga coisa é abandonar o Senhor." Um homem mundano pode saber algo sobre o mal do pecado nos seus efeitos, mas um filho de Deus vê a natureza dele, eles valorizam isto pelo mal, pela ofensa que se faz a Deus, e por isso ficam mais entristecidos pelo mal no pecado, do que pelo mal que é consequente do pecado. Assim, em razão da ira de Deus, os homens carnais têm pensamentos rudes quanto à mesma, e podem uivar nas suas camas quando as suas coisas agradáveis são tomadas deles, mas os filhos de Deus ficam entristecidos porque seu Pai está irado.
[2] Eles têm afeições delicadas e suaves. A graça, que nos dá um novo coração, também nos dá um coração de carne: Ez 36.26: “Vou colocar um coração novo neles.” Que tipo de coração? "Um coração de carne", porque o velho coração que é removido é um coração de pedra. Um novo coração sensível recebe mais rápido a impressão de terror divino do que outros corações. Um selo é mais facilmente deixado sobre a cera, ou uma coisa mole, do que em cima de uma pedra. O ímpio tem mais motivos para ficar incomodado com a ira de Deus do que um homem piedoso, mas ele não é alguém de bom senso, ele tem um coração de pedra, e, portanto, não é tão afetado com as relações de Deus para com ele, ou suas relações com Deus. Veja, como não deve ser considerado apenas o peso dos golpes, mas a delicadeza da constituição, e assim, porque seus corações são de uma constituição mais suave, sendo um coração de carne, e receptivo a uma impressão mais profunda, portanto suas tristezas ultrapassam as tristezas de outros homens.
3. O bem que eles esperam é grandíssimo. Os homens ímpios, nada esperam do mundo por vir, senão que lhes aguardam horrores e dores, e eles agora chafurdam em facilidade e abundância: Lucas 16.25: “Filho, em tua vida tu recebeste os teus bens.” Mas, agora, os homens de bem, esperam por outra felicidade, que deve ser a coisa a ser buscada e exercida, para que possam ser preparados para o gozo dessa felicidade.
Aplicação 1. Então, os homens carnais não estão aptos a julgar os santos quando eles relatam suas experiências.
Davi era um homem valente, que tinha "um coração como o coração de um filho", 2 Sam 17.10. Ele era um homem alegre, chamado "o mavioso salmista de Israel", 2 Sam 23.1. Ele não era tolo, mas um homem sábio como um anjo de Deus; e ainda assim você vê que sentimento amargo ele tinha de sua condição espiritual. E quando um homem tão forte e valente, tão alegre, tão sábio, queixa-se tão fortemente, você vai achar que este abatimento e melancolia eram uma tolice? Mas, infelizmente um homem que nunca soube qual é o peso do pecado não pode concebê-lo, pois nunca esteve familiarizado com a infinitude de Deus, nem com o poder da Sua ira, e não tem o devido senso de eternidade, e por isso pensa tão baixo sobre estes assuntos da vida espiritual.
Aplicação 2. Não esteja tão seguro de alegrias espirituais. Nós lhes alertamos muitas vezes sobre segurança, ou sobre o cair no adormecimento em confortos temporais, e devemos avisá-lo desse tipo de segurança também no que se refere ao espiritual. Todas as coisas mudam. Você pode encontrar Davi neste salmo numa condição diferente de espírito, algumas vezes se regozijando na palavra de Deus acima de todas as riquezas, e em outras vezes a sua alma derrete em lágrimas em razão do muito peso sentido. O próprio povo de Deus está sujeito a grande dificuldade de espírito, portanto, você não deve estar seguro quanto a esses gozos espirituais, que vêm e vão conforme a vontade de Deus. Os homens que constroem muito sobre êxtases espirituais ou sensíveis consolações estão preparando uma armadilha para suas próprias almas, em parte porque estão menos atentos para o presente (como marinheiros que foram ao mar, e quando entram na calmaria, ficam felizes e pensam que nunca mais verão tempestades), e também por causa de sua negligência e descuido em seu conforto espiritual que se foi. E há outro dano - a perda é mais pesada, porque nunca pensaram sobre a possibilidade da mesma. E, portanto, na preparação do coração, devemos estar prontos a perder os nossos confortos interiores, bem como as propriedades e conveniências externas. Somente no céu temos um dia contínuo sem nuvens ou noite, mas aqui sempre haverá mudanças.
Não vamos julgar a nossa condição se for este o nosso caso, ou seja, se devemos estar debaixo de problemas presentes, nem sequer quebrar nossos espíritos. Este foi o caso do Filho de Deus, a sua alma se perturbou, e ele não sabia o que dizer: João 12.27: “A minha alma está perturbada, o que direi eu?” E muitos de seus servos escolhidos foram extremamente experimentados nisto. Nosso negócio, nesse caso, não é examinar e julgar, mas confiar. Nem para determinar nossa condição de um lado ou outro, mas ficar com o nosso coração em Deus, e descansar em suas promessas. Devemos confiar o nosso coração à misericórdia de Deus.
Thomas Manton
Enviado por Silvio Dutra Alves em 02/10/2013