Salmo 119.36 – Por Thomas Manton – Parte 1
“Inclina o meu coração para os teus testemunhos, e não à cobiça.” (Salmo 119.36).
Tradução e adaptação elaboradas pelo Pr Silvio Dutra, de citações extraídas do comentário de autoria de Thomas Manton, sobre o Salmo 119.36.
Nos versículos anteriores Davi pediu compreensão e direção para conhecer a vontade do Senhor, agora ele pede uma inclinação do seu coração para fazer a Sua vontade.
Não somente o entendimento deve ser esclarecido, mas a vontade deve ser movida e mudada.
O coração do homem é, por sua própria vontade avesso a Deus e à santidade, mesmo quando a inteligência é mais refinada, e o entendimento é abastecido com altas noções sobre o assunto, por isso, Davi não disse apenas: “Dá-me entendimento”, mas "Inclina o meu coração".
Podemos ser mundanos de nós mesmos, mas não podemos ser santos e espirituais de nós mesmos; isto deve ser pedido àquele que é "o Pai das luzes, do qual procede toda dádiva boa e perfeita.”
Aqueles que pleiteiam o poder da natureza como apto para produzir a retidão, excluem o uso da oração; pois se, por natureza, podemos determinar para nós mesmos o que é bom, não haveria necessidade de graça; e se não houvesse necessidade da graça, não haveria qualquer utilidade na oração.
Assim fez Davi, e assim fará todo cristão com o coração partido que tenha tido uma experiência das inclinações de sua própria alma; ele virá a Deus e dirá: "Inclina o meu coração para os teus testemunhos, e não à cobiça."
Nestas palavras há algo implícito e expressado. O que está implícito é uma confissão, o que se expressa é uma súplica. Aquilo que ele confessa é a inclinação natural do seu coração para as coisas do mundo e, por conseguinte para todos os males, porque todos os pecados recebem vida e força de inclinações mundanas. O que ele implora é que a inclinação total e o consentimento de seu coração possam conduzi-lo aos testemunhos de Deus. Ou, resumidamente, temos aqui:
1. A coisa pedida - inclina meu coração.
2. O objeto desta inclinação, expressada de forma positiva - para os teus testemunhos; e negativamente - e não para a cobiça.
"Inclina o meu coração”, a palavra implica:
1. Nossa obstinação natural e desobediência à lei de Deus, pois se o coração do homem fosse naturalmente propenso, e voluntariamente pronto para a obediência, seria em vão dizer a Deus: "Inclina o meu coração." Ai! mas até que Deus nos incline para o outro lado permanecemos avessos aos seus mandamentos. Há uma vontade corrompida que pende para trás, e deseja algo, em vez daquilo que é certo. Precisamos ser conduzidos e inclinados novamente como uma vara torta para o outro lado, para que possa ser endireitada.
2. Isto implica o ato gracioso e poderoso de Deus na alma, onde o coração é fixado e dirigido para o que é bom, quando há uma propensão para o que é contrário a isto; este é o fruto da graça eficaz.
1. Quando é dito que o coração está inclinado para os testemunhos de Deus? Eu respondo - Quando a tendência habitual de nossas afeições é mais para a santidade do que para as coisas do mundo (porque o poder do pecado está no amor ao mundo), e assim faz com que sejamos aptos para a graça e ao amor por ela.
Então, nós estamos inclinados para os testemunhos de Deus, quando os nossos afetos têm uma propensão para o que é bom. Agora, esses afetos devem ser mais para a santidade do que para as coisas mundanas; porque é pela prevalência que a graça é determinada, se a parte preponderante da alma se inclina para Deus. Isto não é uma postura permanente; pois estamos sempre nos levantando entre as duas partes. Há Deus e o mundo; um senso bom pendendo de um modo, e há um bem espiritual que nos pende de outra maneira. Agora, a graça prevalece quando o prato da balança pende para o lado da graça. Eu digo que isto é a inclinação habitual, não uma sensação súbita; o coração deve ser dirigido a buscar o Senhor: 1 Crônicas 22.19, “Disponde, pois, agora o coração e a alma para buscardes ao Senhor, vosso Deus”; e no curso de nossos esforços, a força e o fluxo de nossas almas operam desta forma; então é disso que é dito que o coração está inclinado aos testemunhos de Deus.
2. Como é que Deus age para conduzir e enquadrar os nossos corações à obediência de sua vontade? Há duas maneiras que Deus usa, pela Palavra e pelo seu Espírito, pela persuasão e pelo poder; eles devem ser "ensinados por Deus”, e eles são “atraídos por Deus”: João 6.44. "O Senhor engrandecerá Jafé” Gên 9.27, então ele trabalha com persuasão, e em seguida, pelo poder, Ez 36.26,27, “Eu farei com que andeis nos meus caminhos”, etc. Deus atrai com uma força irresistível e com doçura juntamente. Ele opera como Deus, pois ele trabalha forte e invencivelmente, mas ele convence homens como homens, por isso ele propõe razões e argumentos, trabalhando por meio de persuasão; fortemente de acordo com sua própria natureza, docemente segundo a do homem, por persuasões acompanhadas pela eficácia secreta de sua própria graça. Primeiro ele dá razões pesadas, ele lança peso após peso até que o prato da balança seja mudado de posição; então ele faz tudo eficazmente pelo seu Espírito. Ele trabalha moralmente, porque Deus preservará a natureza do homem e portanto os seus princípios, e assim ele não trabalha pela violência, mas por uma doce inclinação fascinante, e falando confortavelmente a nós: Oséias 11.4, "Atraí-os com cordas humanas, com laços de amor". Deus conhece todas as divisões do coração do homem, e que tipo de chaves vão abrir as trancas, por isso ele adapta esses argumentos para que possam trabalhar em nós, e nos trazer a ele no nosso tempo apropriado (este tempo é diferente para cada pessoa), e então para que o efeito que se seguirá possa realmente prevalecer.
Deus inclina o coração para o que é bom, e o convence pela sua graça. Deus sabe como alterar o curso de nossas afeições pelo seu poder secreto.
Para os teus testemunhos – assim a palavra de Deus é chamada, pois testifica de sua vontade. Temos uma prova clara e o testemunho como Deus fica afetado por cada homem, que tipo de afeição Deus tem para com ele.
E não para a cobiça - Marque esta frase: não me incline para a cobiça. Porventura Deus nos inclina para a cobiça? Não, mas ele nos permite as inclinações de nossos próprios corações, justamente por negar a sua graça àqueles que o ofendem, e após a suspensão da sua graça, a natureza é deixada ao seu próprio domínio: a presença do comandante ou piloto salva o navio, a sua ausência é a causa dos destroços. E assim, os escolásticos dizem, Deus se inclina para uma boa eficiência, trabalhando em nós, e para uma má deficiência, retirando a sua graça de nós. Você tem uma expressão parecida no Sl 141.4 “Não permitas que meu coração se incline para o mal.” Deus pode, como um senhor fazer o que lhe agrada com o que lhe pertence; e como um justo juiz pode deixar nossos corações entregues à sua própria inclinação perversa natural.
“Não para a cobiça". Isto é mencionado porque o nosso amor demasiado às coisas mundanas é o obstáculo especial para a obediência; isto tira os nossos corações do amor e cuidado pela submissão à vontade de Deus. E então, quando ele diz "não para a cobiça", ele demonstra a sua própria estima e escolha, como preferindo os testemunhos de Deus acima de todas as riquezas, e, possivelmente, sugere a sinceridade de seus objetivos, de que não iria servir a Deus por vantagens temporais e honrarias mundanas. Satanás acusou Jó a respeito disto de um modo muito perverso: Jó 1.9, "Porventura Jó serve a Deus em vão?" Davi, para evitar tal suposição, e que ele não foi levado por qualquer pensamento de ganho interesseiro por desejar a piedade, disse: “Para os teus testemunhos, e não à cobiça.".
Estas palavras nos oferecem duas observações:
1. Que somente Deus pode conduzir os nossos corações ao que é reto, ou incliná-los de seu pendor carnal para os Seus testemunhos.
2. Que a cobiça ou o desejo flagrante das coisas mundanas, é um grande impedimento para se cumprir os testemunhos de Deus.
Analisemos a primeira observação com as seguintes considerações:
Primeiro, o coração do homem deve ter um objeto para o qual esteja inclinado ou então se decompõe, pois ele é como uma esponja, que tem sede em si mesma, suga a umidade de outras coisas; é um caos de desejos, buscando ser preenchido com algo de fora. Fomos feitos um para o outro, para sermos felizes na alegria de um ser fora de nós; por isso o homem deve ter algo para amar, pois os afetos da alma não podem permanecer ociosos e sem um objeto amado: Sl 4.6, “Há muitos que dizem: Quem nos dará a conhecer o bem?”. Todos nós buscamos por algo para satisfazer os nossos afetos.
Em segundo lugar, o coração que é destituído de graça, é totalmente conduzido pelas coisas temporais. Por quê? Porque elas estão próximas da mão, e se adequam melhor com a nossa natureza carnal.
Thomas Manton
Enviado por Silvio Dutra Alves em 03/10/2013